Politica

Nas entrelinhas: No país das meias-verdades

''É curioso ver o novo titular da Educação às voltas com notícias referentes ao que ele é ou deixa de ser, ou ao que ele diz ou deixou de dizer''

Correio Braziliense
postado em 27/06/2020 14:57
''É curioso ver o novo titular da Educação às voltas com notícias referentes ao que ele é ou deixa de ser, ou ao que ele diz ou deixou de dizer''Ministro da Suprema Corte nos Estados Unidos entre 1916 e 1939, Louis Brandeis ficou célebre pela frase “A luz do sol é o melhor desinfetante”, em defesa da transparência no trato da coisa pública. A conhecida máxima de Brandeis mantém-se mais atual do que nunca, considerando-se o nosso momento político. Vejamos o caso do novo ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli. Há dois dias no cargo, ele foi obrigado a negar o diploma de doutorado na Argentina, após o reitor da universidade de Rosario afirmar que o titular do MEC não cumpriu todos os requisitos necessários para obter o doutorado e, portanto, não poderia alegar que possui o título da instituição. Decotelli não é o primeiro personagem da política a passar um verniz adicional às suas credenciais — Ricardo Salles não tem mestrado em Yale, Wilson Witzel não estudou em Harvard e Dilma Rousseff não é mestre nem doutora em Economia pela Unicamp. Como se vê, uma intensa fábrica de títulos imaginários costuma circular em Brasília, independentemente da coloração partidária. Ainda sobre Decotelli, também chamou a atenção a nota, divulgada na noite de quinta-feira pelo MEC, esclarecendo que o ministro não tem nenhuma conta oficial na rede Twitter. A urgência do aviso se deu em razão de supostas postagens desbocadas atribuídas ao sucessor de Abraham Weintraub.

É curioso ver o novo titular da Educação às voltas com notícias referentes ao que ele é ou deixa de ser, ou ao que ele diz ou deixou de dizer. Mais relevantes, porém, são as primeiras declarações do ministro, tais como o reconhecimento do sistema de cotas.  Espera-se que permaneçam verdadeiras as intenções do recém-chegado ao MEC de reconstruir o diálogo com os estados e, particularmente, com as universidades, sistematicamente atacadas pelo antecessor. Nesse aspecto sobre verdades e mentiras, ficaram conhecidas, por exemplo, as denúncias não comprovadas de haver “plantações extensivas de maconha” nas instituições de ensino superior. Por falar em Weintraub, permanece sem esclarecimentos a rumorosa entrada do ex-ministro nos Estados Unidos, escapando da quarentena obrigatória e sem mais direito ao passaporte diplomático. O caso motivou uma representação no Tribunal de Contas da União no início da semana. Para o subprocurador-geral do Ministério Público de Contas, Lucas Furtado, houve fraude, com possíveis implicações até para o Itamaraty.

Mais antigo na frenética crônica política nacional, o episódio da suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro nas atividades da Polícia Federal também permanece obscuro — e sob o olhar da Justiça. O inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal apura se a conduta do chefe do Executivo maculou a independência da Polícia Federal, instituição de Estado. Um dos pontos em questão é a reunião de 22 de abril. Após a divulgação do notório encontro, Bolsonaro disse que não mencionou a palavra “Polícia Federal”, mas, sim, “PF”, referindo-se a serviços de inteligência. As explicações do presidente tornaram-se mais complicadas considerando-se o depoimento prestado pelo general Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional. Responsável pela segurança do presidente da República, ele disse que o chefe não enfrentou qualquer dificuldade em modificar seu esquema de segurança. O desfecho dessa investigação vai revelar se a denúncia do ex-ministro Sergio Moro encontra respaldo nos fatos.

O caso mais rumoroso da semana em Brasília diz respeito a outro episódio que envolve mentiras, meias-verdades e novas versões. Após negar que tivesse conhecimento do paradeiro de Fabrício Queiroz, preso pela polícia em Atibaia (SP), o advogado Frederick Wassef disse, em entrevista à Veja, que não apenas sabia do paradeiro de Queiroz, como também o protegeu deliberadamente. Alegou um suposto plano para matar o ex-policial militar, acusado de ser o operador do esquema de rachadinha, e a intenção de preservar Flávio e Jair Bolsonaro de uma trama urdida por “forças ocultas”. É de se perguntar por que Wassef citou o presidente, uma vez que o chefe do Executivo não é investigado pela força-tarefa que está à frente do caso no Rio de Janeiro. Ao tentar restabelecer os fatos, Wassef, na verdade, lança mais dúvidas. No país das fake news e meias-verdades, eis um caso para adotar a máxima de Brandeis.

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