Politica

Lava-Jato eleva temperatura

Embate entre a PGR e a força-tarefa extrapola o âmbito do Ministério Público Federal. Gilmar Mendes a critica atuação de %u201Cchantagistas eméritos%u201D e apoia decisão de Toffoli. Em manifesto, Podemos afirma que atacar a operação %u201Cé o maior erro da história do Brasil%u201D


As divergências entre a Procuradoria-Geral da República e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato continuam a provocar controvérsias e opiniões contundentes. Ontem, ao participar de uma live promovida pelo Grupo Prerrogativas, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a decisão do presidente da Corte, Dias Toffoli, que determinou o compartilhamento dos dados das forças-tarefa da Lava-Jato, inclusive a de Curitiba, com a Procuradoria-Geral da República. Sem citar nomes, o ministro criticou os procuradores que resistem à medida, chamando-os de “chantagistas eméritos”.
 
“Por que tanto cuidado com este sigilo? Estas pessoas que se revelaram vazadores eméritos de notícias, de sigilos, agora estão zelando pelo sigilo dessas pessoas preocupadas com que o procurador-geral venha a vazar, que isto poderá chantagear políticos. E o que eles têm feito? Chantagistas eméritos usando agora o argumento naquela linha de ‘vou gritar pega ladrão’. Eu até disse a uma repórter que me procurou que essa gente está temendo qualquer correção, porque eles sabem o que fizeram no sábado à noite” — disse o ministro. 
 
A polêmica sobre a atuação da Lava-Jato está acirrada porque o Conselho Superior do Ministério Público Federal analisa proposta de criação de uma unidade central de combate à corrupção. A ideia é centralizar dados das investigações em curso e todo material ficar subordinado ao procurador-geral da República, Augusto Aras. De acordo com dados do Ministério Público Federal (MPF), em seis anos, a operação registrou a devolução de mais de R$ 4 bilhões aos cofres públicos. Além disso, realizou 70 fases que resultaram em 500 pessoas acusadas, 52 sentenças e mais de 210 condenações em primeira instância. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, classificou de “preocupantes” as medidas propostas pela PGR.
 
Há menos de um ano no cargo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, enfrenta uma das maiores crises que se abateu no Ministério Público Federal (MPF). A decisão de enviar ao MPF no Paraná uma procuradora para coletar dados da Lava-Jato foi o estopim para uma revolta nos estados e na sede da PGR, em Brasília.
 
Atualmente, está em andamento uma petição, que já foi assinada por 300 procuradores e pede a demissão do secretário-geral do MPF, Eitel Santiago, que tem um discurso claramente de apoio ao governo, e chegou a dizer que a eleição do presidente Jair Bolsonaro “foi obra divina”. Ele também é um crítico da operação Lava-Jato e defende que, em alguns casos, ocorreram ações ilegais por parte dos procuradores. O documento será entregue ao procurador-geral, que tem até dia 31 de julho para tomar a decisão se remove ou não Eitel do cargo.
 
Dentro da PGR, a avaliação é de que a permanência de Eitel no cargo ficou insustentável. “Ele ficou aposentado por um tempo, e neste período se envolveu em campanhas, chegou a se filiar ao PSL e se envolver com agentes políticos. Isso é totalmente incoerente com as atividades e a missão do Ministério Público”, diz um dos membros de carreira do MPF, que prefere se manter no anonimato.

Decisão do Supremo

Contrariado com as reações e barreiras impostas por procuradores da Lava-Jato para o compartilhamento de informações, Augusto Aras resolveu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ter acesso aos dados. O pedido dele foi atendido por Toffoli. O magistrado determinou que as forças-tarefas da Lava-Jato no Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, repassem à Procuradoria-Geral da República (PGR) todos os dados colhidos durante a operação, que está em andamento desde 2014. 
Na decisão, Toffoli determinou o acesso da PGR a “todas as bases da dados estruturados e não estruturados utilizadas e obtidas em suas investigações, por meio de sua remessa atual, e para dados pretéritos e futuros, à Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise do Gabinete do Procurador-Geral da República". 
 
 Para Toffoli, houve “transgressão” na conduta dos procuradores na capital do Paraná. “Reafirmo, portanto, à luz do quanto exposto, que os reclamados(procuradores) incorreram, neste primeiro exame, em evidente transgressão ao princípio constitucional da unidade do Ministério Público", escreveu Toffoli em um trecho da decisão. A advogada criminalista Hanna Gomes, especialista em direito penal, afirma que o compartilhamento de dados vem ocorrendo de forma ilegal, e aponta a falta de regulamentação deste tipo de intercâmbio de informações como problema. “O compartilhamento de dados telemáticos, eletrônicos e virtuais ainda não é regulamentado em sua plenitude. O Marco Civil da Internet e Lei Geral de Proteção de Dados (que ainda não está em vigor) tentam regulamentar, sem sucesso, essa prática. Assim, as autoridades seguem trocando, requerendo e solicitando informações e conteúdos de dados sob o véu da investigação, sem se ocupar com a legalidade dessa prática”, diz.
 
O MPF no Rio de Janeiro pretende recorrer da decisão. No entanto, em razão do recesso do Judiciário, o recurso só deve ser avaliado em agosto. Assim, mesmo que o Supremo revogue a decisão de Toffoli que concede acesso aos dados, eles já terão sido acessados pela PGR.
 
Defensores da Lava-Jato repudiaram os ataques à força-tarefa. “É o maior erro da história do Brasil querer acabar com a Lava-Jato. Essa operação conseguiu colocar a mão nos maiores corruptos do país, tanto da classe política quanto na classe empresarial. E quem se atrever a acabar com a Lava-Jato irá pagar um preço muito alto politicamente. E esse será um atentado ao combate à corrupção”, disse o deputado federal José Nelto (GO, do Podemos, partido presidido pelo senador Álvaro Dias (PR), alinhado ao ex-ministro Sergio Moro e aos procuradores da Lava-Jato.

Mulher de Queiroz em prisão domiciliar

Depois de ficar 23 dias foragida, a ex-assessora parlamentar Márcia Aguiar, mulher de Fabrício Queiroz, voltou ontem para casa em Taquara, na zona oeste do Rio. Ela ficará em prisão domiciliar ao lado do marido. Assim como Queiroz, Márcia foi beneficiada por decisão do presidente do STJ, João Otávio de Noronha. No despacho, o ministro disse que a presença de Márcia em casa é “recomendável” para cuidar do marido. Ela tem cinco dias úteis para se apresentar à Justiça e colocar a tornozeleira eletrônica. Márcia estava foragida desde 18 de junho, quando Queiroz foi detido em Atibaia (SP), no sítio do advogado Frederick Wassef. Ela é investigada por suspeita de participar do esquema de rachadinha no gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio. Queiroz deixou o complexo de Bangu na noite de sexta-feira.