Correio Braziliense
postado em 13/07/2020 04:03
Com o desmatamento recorde na Amazônia, o governo brasileiro enfrenta grande pressão de empresários e investidores estrangeiros, sob risco de sofrer fortes restrições econômicas. A fim de combater crimes ambientais e melhorar a imagem do país no exterior, as Forças Armadas que atuam na Amazônia Legal tiveram a presença estendida até novembro deste ano. A promessa do vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) é estabelecer metas a serem apresentadas semestralmente. Após reunião com executivos de grandes empresas, com o intuito de acalmar o setor depois de uma carta assinada por 50 empresários apreensivos com a devastação, Mourão disse na semana passada que o objetivo é reduzir o desmatamento “ao mínimo aceitável”.
Para os estados que formam a Amazônia Legal, a preocupação é grande com a imagem do país e os impactos econômicos do descontrole. Eles esperam um contínuo e crescente apoio da União nas ações de combate e veem a reunião do vice-presidente com empresários como um sinal de que o governo federal está finalmente entendendo que não é possível produzir sem levar em conta a preservação ambiental.
Secretário de Meio Ambiente em exercício do Mato Grosso, Alex Marega, afirma que o estado busca associar produção com preservação ambiental, e ressalta o risco de prejuízo econômico com o descontrole ambiental. “Se a nossa imagem ficar queimada, não conseguimos vender o nosso produto. Se vem uma sanção internacional, é uma quebradeira econômica total”, avisa.
De acordo com o secretário, 90% do que é produzido pelo Mato Grosso é exportado. O estado é o segundo na Amazônia Legal que mais desmata, atrás, apenas, do Pará. Marega lista três fatores que contribuíram para o aumento neste ano: a falta de chuva (fenômeno que reduz o desmatamento por dificultar a chegada dos infratores floresta adentro); a pandemia, que dificultou as ações de fiscalização, com um mês de março praticamente inoperante; e a sensação de impunidade. O Mato Grosso, segundo ele, tem buscado não apenas multar, mas alterar o sistema de julgamento no órgão ambiental para acelerar as análises e evitar que os autos não prescrevam.
O Pará concentra a maior parte da área desmatada na Amazônia. Somando com o Mato Grosso, os dois estados acumulam 58,9% do espaço degradado. O secretário estadual do Meio Ambiente, Mauro O' de Almeida, afirma que qualquer repercussão negativa sobre o descontrole ambiental no Brasil reflete na realidade paraense, sobretudo no mercado da carne.
Almeida frisa que um fator importante para o avanço do desmatamento em 2020 foi a ideia do relaxamento no combate a crimes ambientais, que o governo federal iria “afrouxar” a repressão às ações ilegais. “Aí o pessoal se sentiu empoderado para desmatar”, avalia.
O secretário afirma que o governo estadual sempre atuou em parceria com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas uma descontinuidade atrapalhou o cooperação. Segundo ele, o Ibama ficou quase um ano sem superintendente no estado. Almeida conta que o governo contratou mais fiscais “para não depender do Ibama”, saindo do número de 10 servidores para cerca de 70. Ainda assim, o contigente é pequeno para cobrir o estado.
De acordo com Almeida, há regiões aonde não se chega de carro, e para ações nestas áreas contam com uma ação coordenada com o governo federal. Para tal, ele tem buscado apoio das Forças Armadas para realizar uma operação conjunta. Segundo Almeida, o vice-presidente Mourão tem sido muito solícito com o Pará. O secretário diz esperar que a postura do Planalto tenha efeitos e repercussões concretos.
“Impossível controlar”
Em Rondônia, terceiro lugar no ranking de desmatamento da Amazônia, o coordenador de proteção ambiental da Secretaria de Desenvolvimento Ambiental (Sedam), Marcos Trindade, afirma que lacunas na regularização fundiária dificultam identificar e punir infratores. “Não existe escritura em cartório de registro de imóveis, não existe um controle eficaz por parte do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), ou até mesmo por parte do estado. As pessoas vêm, fazem isso, não são obrigadas, em tese, a lançar o CPF delas em algum registro oficial do estado. Então, para elas, fica fácil”, admite.
Trindade garante que existe fiscalização, mas o setor enfrenta dificuldades como distâncias e o fato de chover seis meses ao ano, o que dificulta o acesso. Ele atribui contínuo o aumento do desmatamento no estado a uma questão “cultural”. Diz, ainda, que a impunidade é um dos principais fatores que incentivam as ações.
Trindade nota que, mesmo com o monitoramento de agressões ambientais por meio de satélite, há uma demora de alguns dias para gerar os dados. Esse prazo é suficiente para desmatar uma área grande. “Quando a gente vai lá, vai para aplicar multa e responsabilizar a pessoa, o crime já aconteceu”, explica.
O Correio tentou entrevista com o secretário de Meio Ambiente do Amazonas, mas ele não foi localizado até o fechamento desta edição.
Corregedoria inquire procuradores
A Corregedoria do Ministério Público Federal pediu explicações a nove dos 12 procuradores que assinaram ação de improbidade administrativa contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por “desestruturação dolosa” da política ambiental. Os procuradores pedem o afastamento imediato de Salles do cargo. O ofício, assinado pela corregedora-geral Elizeta Maria de Paiva Ramos, tem como objetivo apurar se os procuradores excederam suas competências ao assinarem peça que não esteja vinculada às Procuradorias que ocupam. A corregedora também destaca que “as explicações são necessárias ‘principalmente pela ausência de motivação legal para tanto e sem prévia autorização do Procurador-Geral da República, Augusto Aras”.
R$ 570 milhões
É o valor dos bens, pertencentes a desmatadores da Amazônia, bloqueados pela Advocacia-Geral da União. O número foi divulgado, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro. “Os recursos recuperarão os danos ambientais e pagamentos de indenização nas ações movidas pela AGU”, escreveu.
Fiscalização precisa voltar
Dizer que irá combater o desmatamento é só o primeiro passo. Na avaliaão de especialistas ouvidos pelo Correio, o governo federal ainda precisa agir efetivamente, com atuação não só das Forças Armadas, mas com a adoção de políticas que incentivem as unidades da federação a combater a destruição ambiental.
A diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar, avalia que o “desleixo com a agenda ambiental tem sido ruim para o Brasil e para os negócios”. “Durante a pandemia, o agronegócio foi o que sofreu menos impacto, e é um setor fundamentalmente ligado à sustentabilidade. Para os compradores, é muito importante que o aspecto da sustentabilidade esteja impresso nos produtos”, afirma.
Alencar ressalta que, no ano passado, o governo sinalizou que o desmatamento ficaria impune. Ela cita ações como a tentativa de descrédito dados do Inpe, a redução de recursos às agências ambientais e a demora em definir diretores desses órgãos como fatores para o aumento da devastação. De acordo com ela, o país reúne condições de saber, praticamente em tempo real, onde ocorre crime ambiental.
Pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o geólogo Carlos Souza Júnior acredita que o importante seja aumentar as operações de fiscalização. “O Ibama já teve êxito em controlar o desmatamento, com monitoramento e ações de campo. A gente tem visto que essa fiscalização não está sendo feita agora”, diz.
Para o geólogo, a postura do governo federal contribui para o aumento do desmatamento. O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, já criticaram a destruição de maquinários apreendidos com infratores. Esse discurso atingiu a credibilidade do Ibama, que sofreu até demissões de servidores após ação de fiscalização.
Carlos Júnior pontua, ainda, que é preciso resgatar ações bem-sucedidas, como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm). Um dos pontos do plano era a geração de uma lista dos municípios críticos em desmatamento. As localidades que estivessem na lista sofriam embargos do mercado comprador e restrição ao crédito rural.
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