Correio Braziliense
postado em 16/07/2020 04:06
O Ministério das Relações Exteriores (MRE) vinha utilizando conteúdo de cunho preconceituoso e ideológico em cursos sobre a língua portuguesa, oferecidos em 44 países onde o Brasil mantém Embaixadas. As aulas, organizadas por uma empresa privada, estavam acessíveis no site da pasta até a noite da última terça-feira, mas foram retiradas do ar após serem alvo de críticas no Twitter. Porém, antes de o material ser suprimido, o Correio conseguiu fazer o download de uma das cartilhas.
Em um exercício sobre o verbo “ficar”, por exemplo, o aluno é solicitado a preencher um espaço para completar uma frase que trata de supostos benefícios do alisamento de cabelo. “Se ela alisasse o cabelo, ela (espaço para preenchimento) mais bonita”, diz um trecho da cartilha intitulada Só Verbos II, organizada pela empresa Schola, de São Paulo.
Os cursos são oferecidos por meio da Rede Brasil Cultural, um instrumento do Itamaraty para a promoção da língua portuguesa e da cultura brasileira no exterior. Presente em 44 países, de cinco continentes, é formada por 24 centros culturais, quarenta universidades estrangeiras e cinco núcleos de estudo. O conjunto de países inclui Paraguai, Argentina, Peru, Bolívia, Nicarágua, Angola, África do Sul, Espanha, Itália e Finlândia.
Além incentivar o alisamento de cabelo, a cartilha do MRE também conduz o aluno a completar frases como: “O exército iraquiano enfraqueceu depois do ataque americano”; ou “A Argentina empobreceu na última década”; ou ainda “Se as mulheres não abortassem, não haveria tantas clínicas de aborto clandestinas”; e também “Se o MST se apropriar de nossas terras, nunca mais conseguiremos reavê-las”.
A cartilha inclui ataques ao ex-presidente Lula. Em uma demonstração do uso da expressão “Se eu soubesse”, a publicação cita a frase “Se eu soubesse que o Lula seria tão corrupto e se envolveria com o mensalão, eu não teria votado nele”. Mais abaixo, é explicado que o mensalão foi o “maior esquema de corrupção descoberto no Brasil”.
Itens antigos
O Correio conversou com Airamaia Chapina, diretora da empresa Schola, de São Paulo, especializada em cursos de português para estrangeiros. Responsável pelo conteúdo da cartilha, ela disse que cedeu o material gratuitamente ao MRE em 2013, durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). A professora lamenta a repercussão negativa do material nas redes sociais.
“Fiquei muito triste como meu nome está sendo associado ao governo Bolsonaro. Esse material foi cedido sem eu receber nada por isso por volta de 2013, quando Dilma era a presidenta do país. Foi um momento em que o Itamaraty solicitou a vários professores a cessão de seus materiais para ajudar no ensino da língua portuguesa e promover nossa cultura”, disse a professora.
Ela lamentou que uma pequena parte da cartilha esteja sendo usada, na sua opinião, de forma política. “Sobre o Lula ou o MST, eram assuntos que estavam todos os dias nos jornais. Coisas do cotidiano e notícias é o que levo para a sala de aula, para não ter uma aula chata. Meia dúzia de exemplos, tirados de contexto, passa uma imagem muito diferente do material, que tem o único objetivo de fazer alunos treinarem verbos e vocabulário”, explicou Airamaia, salientando que não quer ter o nome associado a Dilma ou a Bolsonaro.
Procurado pelo Correio, o MRE enviou a seguinte nota afirmando que “o Itamaraty não oferece material didático padronizado à sua rede de 24 Centros Culturais Brasileiros e quatro Núcleos de Ensino de Português no exterior. (…) Por não se coadunar com as diretrizes estabelecidas pelos referidos guias curriculares, o material em apreço foi prontamente retirado da página eletrônica da ‘Rede Brasil Cultural’”.
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