Em 26 de maio deste ano, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a Polícia Federal a cumprir diversos mandados contra um grupo acusado de promover, pela internet, uma série de ataques e incitar o ódio contra integrantes da mais alta corte do país. No alvo, estavam ativistas, blogueiros, deputados federais e empresários com grande influência nas redes sociais. As investigações da PF identificaram um complexo esquema, com estrutura financiada por executivos de diversas empresas e mantido por simpatizantes do governo do presidente Jair Bolsonaro. Entre as ações para sustar os atos criminosos, Moraes determinou o bloqueio, pelo Facebook, Twitter e Instagram, das redes sociais dos investigados. No entanto, quase dois meses após a ordem, as contas ligadas aos suspeitos continuam no ar e autorizadas a publicar para milhões de seguidores.
A maior atividade acontece no Twitter. Em mensagens quase diárias, muitos dos alvos do inquérito 4.781 no Supremo continuam publicando e, em muitos casos, incitando ações mais radicais contra o Poder Judiciário. A situação se transformou em um embate dentro e fora das redes, a ponto de o governador Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, fechar a Esplanada dos Ministérios nos fins de semana para evitar ataques, que estariam sendo planejados. Na decisão de maio, Moraes autorizou o cumprimento de mandados de busca e apreensão contra alguns investigados, determinou que as empresas que gerenciam as redes sociais repassassem informações sobre outros perfis identificados como integrantes da estrutura de fake news, mas que ainda não tiveram as identidades de seus autores reveladas.
O despacho do ministro, embora tenha ocorrido na mais alta instância do Poder Judiciário, esbarrou no mesmo problema de ações determinadas na primeira e segunda instância. Com sede no exterior, grande parte nos Estados Unidos, e apenas com representações no Brasil, as mantenedoras de aplicativos de mensagens, microblogs, como o Twitter e páginas como o Facebook, não se sujeitam integralmente à lei brasileira e, com argumentos de impossibilidade técnica, ou simplesmente sem apresentar resposta, contrariam decisões da Justiça.
Engajamento
As investigações da Polícia Federal apontaram que personalidades com perfis que têm grande poder de engajamento estão por trás da organização do esquema de fake news. Entre os investigados no inquérito, está o blogueiro Allan dos Santos, que tem mais de 360 mil seguidores no Twitter; a ativista Sara Giromini, com 262 mil seguidores nas mesma rede; o empresário Luciano Hang, com 371 mil seguidores, que também mantém atividades em todas as redes sociais. Deputados federais, como Bia Kicis, Carla Zambelli, Daniel Silveira e Felipe Barros, prestaram depoimento e também são alvos das diligências. Na decisão, Moraes destaca que a suspensão das atividades nas contas das redes sociais dos investigados é necessária para impedir a continuidade dos delitos. “O bloqueio de contas em redes sociais, tais como Facebook, Twitter e Instagram, dos investigados apontados no item anterior “1”, necessário para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”, destaca.
Enquanto as diligências permanecem em andamento, os investigados continuam utilizando as redes sociais, muitas vezes para tecer comentários e direcionar suas publicações para os ministros e a Suprema Corte. O inquérito corre sob sigilo no Tribunal, apenas com alguns trechos, de ações já realizadas, vindo a público. O inquérito está na reta final, mas pode ser estendido de acordo com solicitações da Polícia Federal e com a necessidade de novas diligências, caso os suspeitos continuem promovendo atos que se enquadram no objetivo do inquérito.
Moraes também autorizou a Polícia Federal a ter acesso a dados de uma apuração interna do Facebook, que identificou uma rede de perfis automatizados e ligados ao PSL e os gabinetes do presidente Jair Bolsonaro e do deputado Eduardo Bolsonaro que seriam utilizados para atacar instituições, a imprensa e opositores. As informações, se repassadas, devem subsidiar o inquérito das fake news e um outro, que investiga a organização e financiamento de atos antidemocráticos. Procurado pela reportagem para informar por qual motivo mantém ativo as páginas de investigados no inquérito aberto no Supremo, o Facebook informou que “o caso corre sob sigilo, e não tem um comentário para compartilhar no momento”. O Twitter não respondeu aos questionamentos e não foi possível fazer contato com o Instagram.
Proteção
Em 2018, foi promulgada a Lei Geral de Proteção de Dados, que regulamenta como será o tratamento de dados por pessoas físicas e jurídicas em todo o território nacional. A legislação, que é a mais ampla já criada para o ambiente digital no país tem como base a GDPR, uma rigorosa lei de proteção de dados em vigor na Europa. Ela determina como será feita a manipulação, segurança e compartilhamento das informações pessoais dos brasileiros em bancos de dados públicos e na internet. Cria responsabilidades para empresas de comunicação nacionais e internacionais que atuam no Brasil e armazenam informações de cidadãos.
A LGPD se somou ao Marco Civil da Internet, de 2010, e a lei Carolina Dieckmann, que já tratavam do assunto. Paulo Palhares, professor de direito constitucional do Ibmec-DF, destaca que a decisão de Moraes deixou claro a determinação para que os perfis dos supostos envolvidos no esquema de ataques contra o Supremo fossem bloqueados e que o fato da sede estar localizada no exterior não reduz a responsabilidade das empresas. “A decisão de bloqueio saiu com o motivo, para que fique claro para a empresa que opera a rede poder cumprir a determinação. Existe um conflito entre a tecnologia e o direito. Por mais que seja uma empresa norte-americana, tem os representantes dele no Brasil. Essas empresas criam outras aqui dentro, que responde por esses atos do Facebook no Brasil. O mesmo vale para as outras. O Marco Civil da Internet diz que, a priori, o provedor de conexão não responde pelos danos causados pelo terceiro, mas o provedor de aplicação, como é o caso das redes sociais, responde depois de ser notificado para retirar o conteúdo do ar”, destaca.
O cientista da computação Alex Rabello, especialista em Regulatory Compliance pela University of Pennsylvania (EUA), destaca que diante da recusa em cumprir a ordem judicial, é possível que o magistrado tome outras decisões sobre o caso. “O próprio Judiciário pode tomar outras medidas, como notificar os provedores de internet, de rede. Eles têm, de acordo com a legislação, competência para ficar monitorando e auditar essas redes. Se recebem uma notificação da Justiça, podem bloquear. Quando se fala em dados fora do Brasil, o governo tem ferramentas, acordos, que pode tomar, inclusive por parte do Judiciário. É possível solicitar que a empresa, por exemplo, seja multada nos Estados Unidos, pois utiliza nosso espaço geográfico”, explica.
Fux critica plataformas
O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a responsabilização das redes sociais no combate às fake news. “Não é possível que uma plataforma não possa ter, com tantos instrumentos tecnológicos, um meio de filtragem daquilo que vai causar um efeito sistêmico extremamente nocivo para o país”, disse, durante debate virtual, ontem, pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
Para o magistrado, o discurso de defesa do conteúdo não pode exonerar as plataformas de realizar uma triagem de notícias falsas que possam ser nociva ao país. “Quer trabalhar nessa área tão sensível? É preciso ter instrumentos capazes de filtrar elementos que atentem contra a soberania do país. É minha opinião, diante dos fatos alarmantes que tivemos conhecimento.”
Fux também falou sobre a responsabilidade da sociedade no compartilhamento das fake news. “Quando tiver uma notícia de grande repercussão, é preciso que haja uma checagem da população antes de compartilhar. A população compartilha sem checar, e a melhor fonte de checagem é a imprensa oficial”, afirmou.
Senadores aprovaram um projeto de lei sobre o tema no fim do mês passado após um vai e vem de versões e uma série de polêmicas. O texto recebeu 44 votos a favor e 32 contra.
A proposta está na Câmara, onde deputados a debatem.O primeiro de 10 encontros entre parlamentares e especialistas ocorreu na semana passada. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o objetivo é fechar um texto de consenso, “ainda melhor” do que o aprovado pelo Senado.
Alvos do inquérito
Luciano Hang
• É dono das lojas Havan. Usou redes sociais para convocar apoiadores de Bolsonaro a participar dos atos de 15 de março pró-governo e contra STF e Congresso.
Sara Winter
• Uma das principais ativistas pró-Bolsonaro, é youtuber e líder do movimento Os 300 do Brasil, formado por apoiadores do presidente e que chegou a montar acampamento em frente ao Congresso para protestar contra o Legislativo e o Judiciário. O acampamento foi retirado pela polícia.
Allan dos Santos
• Blogueiro e responsável pelo site Terça Livre. Amigo dos filhos de Bolsonaro, é tido como um dos líderes do chamado Gabinete do Ódio. É classificado como um dos principais influenciadores do esquema de notícias falsas e ofensas contra o STF.
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