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Destituída de vice-liderança no Congresso, deputada diz que é preciso avançar com as reformas prometidas por Bolsonaro na campanha

Correio Braziliense
postado em 24/07/2020 04:12
Destituída de vice-liderança no Congresso, deputada diz que é preciso avançar com as reformas prometidas por Bolsonaro na campanha

 

 

“Governo perde com minha saída”

Aliada de primeira hora de Jair Bolsonaro e chamada de “irmãzinha” pelo presidente, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) esperava mais consideração do Planalto no movimento fulminante que a retirou da vice-liderança do governo no Congresso. Ela atribui a destituição do cargo ao seu voto contrário ao Fundeb, em divergência com a orientação do governo. Bia Kicis enxerga com naturalidade a aproximação com o Centrão, com reflexos na ocupação da Esplanada e na formação de uma base governista. Mas lamenta a sua retirada dessa posição estratégica — “O governo perde com minha saída”. Apesar desse dissabor, a parlamentar segue firme na defesa do representante maior do bolsonarismo. Afirma que o doutor Drauzio Varella e outros falaram de “gripezinha”; é da opinião de que o paciente é que deve decidir pelo uso de cloroquina; critica as “violações às garantias individuais” cometidas por governadores e prefeitos na imposição do isolamento social. E ataca com veemência os dois inquéritos do Supremo, sobre fake news e atos antidemocráticos, dos quais consta como investigada. “Querem calar os conservadores. Eu não aceito”. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio.

Como recebeu a decisão do presidente de tirá-la da vice-liderança do governo na Câmara?
Recebi com surpresa. Dei um voto contrário a uma orientação do partido na questão do Fundeb, porque votei de acordo com minhas convicções a respeito do tema, e sabia que meu voto não influenciaria em nada o resultado da votação. Eu sabia que o resultado era importante para o governo, mas como não havia risco, optei por fazer uma objeção de consciência. Mas respeito a decisão do presidente de trocar a liderança. Só gostaria que tivesse sido feito de outra forma, que eu não ficasse sabendo pela imprensa.

Sentiu-se traída?
Não me sinto traída. Quando a gente ocupa um cargo como esse, é passível de ser trocado, porque a decisão é sempre de quem nomeia. Por qualquer motivo, a pessoa pode entender que é melhor mexer aqui, mexer ali. E isso não significa triação. Mas o presidente poderia ter tido mais um pouco de delicadeza para comigo, ter me informado para eu não saber pela imprensa. Mas não foi traição.

Mas a destituição da senhora, defensora ardorosa do governo, reforça a tese de que deveria ter havido mais delicadeza.
Eu entendo que deveria ser uma forma mais personalizada, exatamente por ser uma pessoa tão próxima do presidente. É muito comum as pessoas ficarem sabendo de demissão pela imprensa, mas quando você tem uma ligação com a pessoa, é uma questão até de delicadeza ser informada diretamente. Repito: não considero isso uma traição. Mas gostaria de ter sido informada pelo presidente.

A que atribui a decisão dele?
Atribuo ao voto que eu dei. Acredito que algumas pessoas próximas ao presidente talvez não tenham ficado satisfeitas com o fato de eu ter votado assim, sendo vice-líder no Congresso. A votação foi na Câmara, então não estava como vice-líder ali. Eu estava como uma parlamentar normal, do bloco de apoio do presidente.

Como vê a aproximação do Bolsonaro com o Centrão, ocupando cargos no governo que eram destinados à ala mais fiel do presidente?
Esses cargos nunca foram destinados à ala mais fiel do presidente. Esses cargos permaneceram com os ocupantes de outros governos. A verdade é que a Esplanada é ocupada por pessoas ligadas aos governos do PT, do MDB. Não tem praticamente ninguém que seja dos aliados mais ligados ao presidente. Nós não temos cargos na Esplanada. Isso nunca foi uma preocupação do presidente. A gente até acha que deveria ter trocado há mais tempo. Acho que é um movimento natural, quando você quer ampliar a sua base, que estava muito fragmentada, e oferecer cargos para que as pessoas participem mais do governo. O importante é que não haja corrupção. Ocupar os cargos não é problema.

Mas e os cargos de vice-liderança no Congresso?
São muitos vice-líderes. É natural, você não vai botar só os seus aliados mais chegados. Você precisa trazer gente de todos os partidos. Isso é o normal; tanto que na liderança do Congresso, após a saída da Joice Hasselman, eu era a única do PSL. Eu lamento que tenha saído, porque era uma das maiores colaboradoras com o governo em todas as pautas do Congresso. Eu sempre fui muito atuante. Acho que o governo perde com minha saída. Mas, espero que quem entre faça um bom trabalho. Cumpra sua missão.

Continua aliada do presidente?
Completamente aliada do presidente. Nâo existe hipótese de eu romper com ele por causa disso. Posso ficar triste, chateada, mas é impossível romper com ele. O presidente costuma dizer “Ah, você é minha irmãzinha”. Irmãos às vezes têm rusgas, brigam, têm ruídos, mas tudo fica bem.

Recebeu alguma sinalização do Planalto de como poderá colaborar após a destituição?
Não recebi nenhuma sinalização. Não estou esperando por nada de especial. Volto para onde sempre estive, para a base do governo. Apenas sem fazer o trabalho que eu fazia na liderança.

Nas redes sociais, algumas pessoas falaram de forma jocosa: “Está vendo o que aconteceu com Bia Kicis? Protegeu tanto o governo, e vem uma resposta como essa”. Isso a revoltou?
Não, olha: eu também recebi muitas mensagens de carinho, de apoio, de reconhecimento. Não vou ficar me atendo a essas mensagens, porque eu não “protegi” o presidente e agora fui tratada assim. Não gostei da forma como saí, mas estou lutando ao lado do presidente pelo Brasil que eu acredito. Sou uma aliada de primeira hora e vou continuar sendo.

O voto contrário ao Fundeb foi consciente?
Foi um voto consciente. Não significa que tenha sido fácil. Foi muito difícil decidir, na medida em que havia uma orientação do governo, na medida em que eu tinha falado para o major Victor Hugo (líder do governo) que votaria contra, e ele me pediu para votar a favor, para não dividir a base. Eu falei: “Vitor, para mim, é um voto de objeção de consciência. Sou uma pessoa que não acredita em mais Estado para educação. Sou uma pessoa que luta contra a doutrinação nas escolas. Esse modelo do Fundeb não está dando certo. É claro que eu quero que as pessoas sejam atendidas na Educação. O Estado tem o obrigação de dar acesso. Mas, nesse modelo, o Brasil investe muito, e o resultado é péssimo. Eu acredito em outro modelo. Até tentei votar com o governo, mas não consegui. Falou mais alto a minha consciência, porque isso é uma das pautas da minha campanha. Votei honrando o voto de meus eleitores.

Mas a discussão relativa ao Fundeb era voltada a recursos, e não à doutrinação. Os eleitores vão entender isso?
Com relação a investimento, já há muito recurso. Alguém pode dizer “Ah, vai faltar recursos para o ano que vem!” A gente vota uma PEC e prorroga o modelo atual por mais um ano. E vamos repensar o modelo. O problema aí é que nós temos, agora, um modelo cristalizado na Constituição. E eu não concordo com o modelo. Nossa Constituição é muito inchada. Eu, como parlamentar, gostaria que nós pudéssemos desconstitucionalizar muitas matérias. Isso está indo na contramão daquilo que eu acredito. Sou a favor do financiamento; temos que cuidar da educação, trabalhar para que haja qualidade. Mas, não acredito que, botando na Constituição, a gente vai resolver o problema.

Como vê a postura mais tranquila do Bolsonaro?
Acho ótimo ele estar mais tranquilo, mas a gente precisa avançar nas pautas que trouxeram o presidente para o Planalto. Esse acordo que está sendo feito, para aumentar a base no Congresso, é para conseguir aprovar as pautas reformistas, a reforma administrativa, o novo pacto federativo. Tem muita coisa que precisa ser tocada. Então, que esse acordo sirva para o Brasil andar.

Há risco de o presidente tomar uma linha diferente em razão desses acordos, ficar calmo demais?
Não acredito. O presidente tem a missão dele. Sabe o que quer, mas precisou retroceder um pouco porque os projetos não estavam andando. Precisou  mudar a tática. Às vezes você tem de mudar uma tática, mas mantendo o objetivo.

Em relação à covid-19, estamos vivendo uma situação dramática. O presidente exagerou quando falou em “gripezinha”?
O presidente falou em gripezinha, assim como o Drauzio Varella falou em gripezinha, muitas pessoas falaram em gripezinha. E a gente sabe que a dificuldade maior do governo é a comunicação. O presidente às vezes se irrita, fica cansado, é muito atacado pela imprensa, falam muitas mentiras sobre ele. E às vezes ele fala uma coisa, e nem sempre é exatamente aquilo que ele quer dizer. Eu nunca olhei essa pandemia como sendo uma gripezinha. Mas o certo é que 85% das pessoas que serão infectadas passarão sem maiores problemas. No entanto, em torno de 15% terão sintomas mais graves — e até 4% desses 15% podem vir a óbito. Precisamos tomar cuidado. O isolamento, o lockdown tem se mostrado ineficiente, também. A realidade é que estamos vivendo uma coisa nova. Eu não sou médica, não me aventuro a dar conselhos sobres coisa médica. A gente precisa despolitizar a pandemia.

Mas, quando o presidente defende a cloroquina, ele não está politizando a pandemia?
O presidente tem a convicção, porque foi informado por muitos médicos.

Mas, a senhora disse que não é médica. Nem ele é médico.
Eu não sou o presidente. Cada pessoa, com seu médico de confiança, deve decidir o que fazer. Mas isso sou eu. O presidente é o presidente. Não foi só o presidente que politizou. Todo mundo politizou, a esquerda politizou. As pessoas começaram a chamar a cloroquina de “remédio do Bolsonaro”. Então, acho que a coisa não caminhou bem. Eu prefiro tomar outro rumo. Agora, o que mais me espanta não é a questão da cloroquina; são as violações aos direitos, garantias e liberdades individuais. Isso está sendo muito mal conduzido no nosso país. Governadores, prefeitos prendendo pessoas nas ruas; guardas municipais tratando com brutalidade; tirando uma pessoa que está na praia, tomando um sol, sendo que todo médico — a favor ou contra a cloroquina — sabe que a vitamina D e o Sol são essenciais para o combate ao coronavírus. Arrancar a pessoa de uma praia, enfiar em um camburão, levar para a delegacia... Isso é de uma brutalidade. Além de tudo, viola a Constituição.

A senhora é investigada no inquérito das fake news. E há uma discussão sobre o tema no Congresso. Como enxerga isso?
Enxergo com muita preocupação e perplexidade. Estamos vivendo um dos inquéritos mais obscuros deste país. É extremamente preocupante, para mim, que sou advogada, do meio jurídico, ver todas as irregularidades que foram feitas nesse processo. E não importa que o procurador da República tenha ratificado em parte, e que o plenário do Supremo tenha ratificado. Os vícios desse processo não se sanaram porque violam o sistema acusatório brasileiro. Outra coisa: fake news é um crime que não existe. Estão querendo imputar às pessoas um crime que não existe. Fico muito preocupada com esse inquérito, com o outro das manifestações chamadas de antidemocráticas. De antidemocráticas, não têm nada. Povo na rua é que é democracia. Cria-se uma narrativa e as pessoas vão repetindo, até criar uma verdade na cabeça das pessoas, e elas ficam impossibilitadas de enxergar a realidade. Abomino essa prática, essa narrativa. Vou lutar contra isso todos os dias, como cidadã e como parlamentar. Como investigada, fico indignada. Não aceito ser investigada nesse processo, que sei que não fiz prática nenhuma de fake news. O que acontece é que querem calar a minha opinião. Aquelas pessoas que não veem o mundo como eu vejo, que não respeitam a pluralidade de ideias, que não respeitam a democracia — embora digam que sim —, querem calar os conservadores. Eu não aceito.

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