Correio Braziliense
postado em 28/07/2020 04:02
O DEM e o MDB, que integram o Centrão na Câmara, anunciaram que vão sair do bloco — liderado pelo deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) e que tem 221 dos 513 parlamentares da Casa. O desembarque vai ter impacto no governo federal, que, nos últimos meses, se aproximou do grupo para formar uma base de apoio e conseguir aprovação de pautas. Agora, o Executivo vai lidar com uma bancada de 158 integrantes (leia Análise da notícia).
O líder do DEM, Efraim Filho (PB), disse ao Correio que a saída é amigável. “Não teve bronca, não teve briga, não teve divergência. É uma posição em nome da autonomia do partido, e vida que segue”, afirmou.
O Centrão foi montado em 2019 para definir a formação da Comissão Mista de Orçamento (CMO). É composto por PL, PP, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, Pros e Avante. Alguns estão mais alinhados com o governo (como o PP, PSD e PL) e outros têm posição de mais moderados, como o Solidariedade. Essa diferença de posicionamento é um dos motivos da saída dos dois partidos. Outra causa é a disputa pela Presidência da Câmara, marcada para fevereiro.
Vice-líder do governo na Câmara e próximo ao presidente Jair Bolsonaro, Coronel Armando (PSL-SC) avaliou que, apesar de existir um bloco, os parlamentares têm vontades independentes. Para ele, na Casa, há momentos em que interesses do grupo prevalecem, e em outros há convergência com o Executivo. A saída, conforme o parlamentar, tem mais relação com uma briga por liderança, já vislumbrando as eleições para a Presidência da Câmara.
Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira afirmou que a saída do Centrão significa para o Executivo que o bloco não passa a integrar a base do tamanho que o governo queria. Para ele, a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que cria o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) já foi um exemplo disso. “Se o governo não tivesse feito a concessão que fez, teria uma derrota vergonhosa”, explicou.
O impacto também ocorre para o bloco e para Arthur Lira, que está de olho na presidência da Casa. Teixeira ressalta que a capacidade de agir coletivamente reduz, e o grupo corre o risco de perder importância. O professor explicou, no entanto, que esses partidos não costumam ter unidade, principalmente o MDB, ou seja, ainda que as legendas saiam do Centrão, pode ter parlamentares que continuarão no bloco.
Cristiano Noronha, cientista político da consultoria Arko Advice, avaliou que a saída dos partidos, sem dúvida, reduz o número de parlamentares e o poder do bloco, em um primeiro momento, e que isso acaba “pulverizando um pouco mais o diálogo que o governo tem que ter com a Câmara”. “Mas eu acho que o efeito é marginal. Foi uma mensagem que os dois partidos quiseram passar de que o (Arthur) Lira não fala por todos os partidos do Centrão”, argumentou.
Fundeb
Uma divisão que surgiu bem clara no Centrão foi quando alguns partidos negociaram com o governo um apoio maior às pautas do Planalto em troca de cargos em ministérios. Outras legendas ficaram mais distantes, falando em autonomia em relação ao Executivo, casos de DEM e MDB.
Na semana passada, o racha ficou evidente após a votação do Fundeb. Arthur Lira agiu como um articulador do governo e tentou retirar o texto da pauta, para o Planalto ganhar mais um tempo e tentar emplacar suas propostas. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), queria votar a matéria e ela foi mantida na pauta, mostrando o poder do parlamentar entre seus pares.
Questionado sobre a relação entre a votação do Fundeb e o “desembarque” do partido, Efraim Filho admitiu que a apreciação da proposta contribuiu para a decisão. “Ali, teve um episódio, que foi um requerimento de retirada de pauta por parte do bloco. O fato de a gente ter a relatora do Fundeb, Professora Dorinha (TO), gerou um ruído interno na bancada, mas foi superado, tanto que logo depois foi retirado. Mas, para evitar repetição de episódios como esse, o curso natural das coisas era já ter feito a saída do bloco. Acho que esse episódio acaba simbolizando a saída, mas sem nenhum tipo de estresse”, ressaltou.
Em sua página no Twitter, o líder do MDB, Baleia Rossi (SP), escreveu apenas que a presença do partido “no bloco majoritário da Câmara se devia às cadeiras nas comissões”. “Manteremos diálogo com todos”, frisou.
Sucessão
O desembarque dos partidos tem estreita relação com o processo de sucessão à Presidência da Câmara. Efraim Filho negou qualquer relação com a mudança na cadeira, mas já há muita articulação na Casa nesse sentido. “A influência disso na decisão (de sair do bloco) é zero. O Democratas só vai tratar disso após as eleições municipais”, enfatizou o líder do DEM.
Sabe-se que Arthur Lira está de olho na vaga de Maia, que quer fazer um sucessor. Dentro do PP, há, ainda, Aguinaldo Ribeiro (PB), além de outros nomes do Centrão, como o presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira (SP). Existe disputa para ver quem será o nome do atual presidente da Casa e quem será indicado pelo Executivo.
Coronel Armando, por sua vez, apontou uma relação da saída dos partidos com o processo sucessório. “Isso revela a liderança do Maia no DEM e do Baleia Rossi no MDB, partidos fortes que podem estar querendo compor o novo presidente”, frisou.
Na semana passada, o deputado Glaustin Fokus (PSC-GO) disse ao Correio que se discute a formação de uma espécie de “grupo 2”, descolado da figura de Arthur Lira. Há conversas entre PSL, PSC e Pros nesse sentido. “A ideia é fazer um grupo, uma divisão. Trilhar o mesmo caminho (do PP), mas em um caminhão diferente, em ônibus diferente, mas continuando na base do governo”, relatou.
Panos quentes
Pelo Twitter, Arthur Lira minimizou o movimento dos colegas no Centrão. “O chamado bloco do Centrão foi criado para formar a comissão de Orçamento. Não existe o bloco do Arthur Lira. O bloco foi formado para votar o orçamento e é natural que se desfaça. Ele deveria ter sido desfeito em março, o que não aconteceu por conta da pandemia”, escreveu.
Pedidos de impeachment
Se o Palácio do Planalto se aproximou dos partidos do Centrão à medida que os pedidos de impeachment chegavam à Câmara e preocupavam o governo, ao perder o DEM e o MDB, o bloco já não seria suficiente para barrar uma solicitação. O vice-líder do governo, Coronel Armando (PSL-SC), diz que os pedidos, no momento, não têm sustentação. “Dizer que não preocupa seria inconsequente, mas não existe um motivo que não seja acusação política para desgastar o governo”, afirmou. O cientista político Cristiano Noronha acredita que isso já não está no cálculo político, uma vez que a probabilidade de impedimento caiu muito nas últimas semanas.
Análise da notícia
Resta a Bolsonaro partir para o varejo
Denise Rothenburg
O racha no Centrão terá reflexos em vários pontos do relacionamento entre o governo e o Congresso. O principal deles: não adianta nada o presidente Jair Bolsonaro querer negociar com os líderes do PP, Arthur Lira, e do PL, Wellington Roberto, e achar que está tudo resolvido em relação aos partidos que compõem o velho bloco. Não está. O MDB não responde ao comando do Centrão. Quem dirá o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e seu líder do DEM na Casa, o deputado Efraim Filho. Portanto, Bolsonaro, a partir de agora, terá de negociar as votações partido por partido.
O DEM, por exemplo — que comanda a Câmara, com Maia, e o Senado, com Davi Alcolumbre —, quer manter seu protagonismo nas negociações. Tanto é que, logo depois da derrota do governo na votação do Fundeb, Maia foi ao Ministério da Economia conversar com Paulo Guedes, num gesto para reforçar a necessidade de diálogo entre os Poderes. Mostrou que ainda está no jogo, embora tenha apenas mais seis meses como presidente da Câmara.
A saída do bloco indica ainda que, na Presidência do Congresso ou fora dele, o DEM não responde ao comando de Arthur Lira. Se o governo quiser dialogar com o DEM, terá de ser com os representantes do partido. O mesmo vale para o MDB, que tem o deputado Baleia Rossi como líder, presidente do partido e pré-candidato a presidente da Câmara em oposição a Arthur Lira. Com a eleição para presidente da Câmara cada vez mais próxima, nenhum grande líder partidário vai querer ser usado como recheio para a empada do vizinho. Cada um quer ter a sua própria fornada. E ser “o cara” para negociar com o governo. Nesse cenário, resta a Bolsonaro o varejo. Partido por partido. Dá mais trabalho, mas é mais seguro do que comprar gato por lebre nas mãos de poucos.
Presidente volta ao trabalho no Planalto
O presidente Jair Bolsonaro voltou a despachar no Palácio do Planalto, ontem, depois de mais de duas semanas de isolamento no Palácio da Alvorada para tratamento da covid-19. No sábado, ele anunciou pelas redes sociais que testou negativo para a doença e, no mesmo dia, já saiu de moto para ir à loja onde comprou o veículo, em novembro do ano passado. Antes de anunciar o resultado negativo, o chefe do Executivo havia feito um outro teste, na última quarta-feira, que deu diagnóstico positivo para o vírus. O resultado freou os planos do presidente de “voltar à normalidade”, já semana passada, e fazer viagens para o Nordeste.
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