Correio Braziliense
postado em 01/08/2020 04:13
Ex-juiz, apontado como pré-candidato à Presidência, em 2022, está no centro de dois PLs da Câmara que aumentam o período para que ex-magistrados e membros do MP possam disputar cargo eletivo. Um garante a não-retroatividade, mas outro deixa a questão em aberto
Os deputados federais Fábio Trad (PSD-MS) e Beto Pereira (PSDB-MS), ambos autores de projetos de lei que propõem quarentena política a magistrados e membros do Ministério Público, divergem sobre possibilidade de a proposta atingir o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro, possível candidato à Presidência da República, em 2022. Enquanto Trad é enfático ao dizer que seu texto não retroage — ou seja, não alcança quem já deixou a magistratura, como é o caso do ex-juiz da Lava-Jato em Curitiba —, Beto afirma que, no âmbito do seu PL, a questão fica em aberto e deverá ser discutida pelos parlamentares. A divergência mostra que matéria suscitará amplo debate.
A proposta de quarentena política ficou em evidência após o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, defender a exigência de um período de oito anos de inelegibilidade para ex-juízes que se candidatem a cargo eletivo público — atualmente o prazo é de seis meses. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), defendeu a proposta e disse que o assunto deve avançar nos próximos meses na Casa.
O deputado Fábio Trad apresentou o projeto, em novembro do ano passado, enquanto Beto Pereira levou o dele à Câmara meses antes, em abril. Há algumas diferenças entre as matérias: o do deputado do PSD abrange não somente juízes e membros do MP, mas também policiais civis e militares, e pede um afastamento de seis anos antes das eleições. Já o do parlamentar tucano propõe um prazo de cinco anos.
Trad afirma que “a toga é incompatível com pretensão eleitoral”. “Daqui a pouco, vai ter juiz com sentença pensando nas eleições, e não no direito”, criticou. Assim como ele, Maia disse, em recente entrevista, que a proposta não pode atingir Moro, que abandonou a magistratura em 2018 para ser ministro do governo Bolsonaro.
“Estou começando a suspeitar que há um movimento utilizando-se desse argumento em relação ao Moro para tentar não aprovar o projeto. Mas é preciso frisar que ele (o PL) não retroage”, frisou Trad. A Constituição é clara ao dizer que lei alguma pode retroagir para atingir direito adquirido. Mas há como precedente a Lei de Ficha Limpa, que atingiu políticos condenados antes de ser aprovada.
O deputado do PSD afirma, no entanto, que a Ficha Limpa tem a ver com crimes, e que não faz sentido equiparar isso com a nova regra para magistrados, membros do MP e policiais. Trad ressalta, ainda, que acha improvável que um deputado sugira algum dispositivo que possa atingir Moro para impedi-lo de, eventualmente, ser candidato à Presidência em 2022.
“Uma proposta como esta seria tão imoral e descaradamente casuística, direcionada a atingir Moro, que eu duvido que algum deputado tenha coragem de deixar suas digitais. Além disso, a meu ver, e com base em consultas jurídicas feitas, seria inconstitucional tentar retroagir com a lei. Portanto, creio que isso não entra na proposta”, destacou.
Em aberto
O PL de Beto Pereira também não prevê que nova lei atinja quem deixou o posto de juiz ou cargos no MP. Mas, para ele, a questão ainda está em aberto. “Se vai atingir ou não magistrados que aposentaram ou se afastaram antes da aprovação da lei, isso é algo que ainda será necessário interpretar”, salientou. A proposta dele prevê um afastamento de cinco anos –– por ela, Moro poderia ser candidato só em 2023, se o projeto atingir aqueles que abandonaram a magistratura.
Questionado se uma proposta que atinge o ex-juiz da Lava-Jato não poderia ser vista como específica para impedir que o ex-juiz, hoje opositor do presidente Jair Bolsonaro, seja candidato, o parlamentar nega. “A política é tão dinâmica que seria egoísmo pensar que você está fazendo algo em função de A ou B”, assegurou.
Conforme Pereira, tem sido cada vez mais recorrente a participação de juízes e membros do MP em processos eleitorais, e é importante observar o princípio de imparcialidade da magistratura. “Quando tangencia a política, você começa a ser parcial e a emitir juízo de valor sobre as matérias, o que descaracteriza o princípio constitucional de imparcialidade”, explicou.
Trad afirma que propôs o prazo de seis anos, pensando em abranger uma eleição municipal, uma nacional e a reeleição, mas que o período poderia ser reduzido a quatro anos, a depender do debate. Para ele, se um magistrado precisa aguardar três anos para poder entrar na advocacia, após deixar o cargo, é preciso repensar o período de apenas seis meses, como é exigido hoje, para entrar na vida pública, que pressupõe uma responsabilidade coletiva.
Segundo o deputado, no entanto, um prazo de inelegibilidade de oito anos, como foi proposto por Toffoli –– e que suscitou o debate sobre o tema ––, seria excessivo. “Oito anos é para ficha suja e esse não é o caso”, observou.
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