Politica

Facebook cumpre ordem de Moraes

Ao intimar presidente da empresa no Brasil e ameaçar aumentar multa por descumprimento da decisão, ministro do Supremo Tribunal Federal consegue o bloqueio mundial dos perfis de bolsonaristas. Especialistas, no entanto, alertam para riscos à soberania dos países

Correio Braziliense
postado em 02/08/2020 04:11
O ministro Alexandre de Moraes exigiu o bloqueio das contas no âmbito do inquérito das fake news


Depois de informar que não bloquearia mundialmente os perfis de bolsonaristas, como determinou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, o Facebook recuou ontem e cumpriu a decisão do magistrado. A mudança deu-se após o ministro intimar o presidente da empresa no Brasil e aumentar a multa por descumprimento de decisão judicial.

Em nota, o Facebook informou que “havia cumprido a ordem de bloquear as contas no Brasil ao restringir a visualização das páginas e perfis a partir de endereços IP no país”, o que significa que a pessoa com um aparelho com endereço de IP (a identificação) no Brasil não conseguiria ver o conteúdo. A empresa informou que, mesmo que os alvos da ordem judicial mudassem a localização do IP, outras pessoas com endereço do IP no Brasil não conseguiriam visualizar o material publicado.

“A mais recente ordem judicial é extrema, representando riscos à liberdade de expressão fora da jurisdição brasileira e em conflito com leis e jurisdições ao redor do mundo. Devido à ameaça de responsabilização criminal de um funcionário do Facebook Brasil, não tivemos alternativa a não ser cumprir com a ordem de bloqueio global das contas, enquanto recorremos ao STF”, informou o Facebook, em nota.

O ministro havia determinado o bloqueio das contas do Facebook e do Twitter de bolsonaristas, entre youtubers, blogueiros, empresários e políticos, no âmbito do inquérito das fake news, que apura informações falsas e ameaças contra integrantes da Suprema Corte. Com o bloqueio em território nacional, eles conseguiram burlar a restrição mudando a localização das contas no Twitter para fora do Brasil. Os seguidores poderiam fazer o mesmo para continuar vendo o conteúdo publicado por eles.

No caso do Facebook, essa mudança não funciona, e as contas continuam bloqueadas, mesmo com mudança de localização — como explicou a empresa em nota. Para burlar o bloqueio nacional, seria necessária a utilização de uma VPN (Rede Privada Virtual), conseguindo simular o acesso de outro país para poder publicar (no caso do dono da conta bloqueada) ou visualizar o perfil (no caso dos seguidores).

Cooperação jurídica
A ação tomada por Alexandre de Moraes suscitou discussões sobre questões relativas à jurisdição — apesar de a internet ser conectada no mundo todo, as legislações mudam de país para país. Assim, ao determinar o bloqueio das contas de forma global, seria como se uma decisão no Brasil tivesse tido efeitos práticos em todo o mundo.

Diretora do Internetlab, centro de pesquisa em direito e tecnologia, Mariana Valente entende a motivação do ministro, mas avalia que existe uma discussão relativa à soberania dos países. Mariana vê como problemática, de maneira geral, decisões aplicadas de forma global, o que significa que um país acaba aplicando a sua jurisdição em outros.

Os conteúdos de perfis bolsonaristas podem ser de interesse e relevância apenas para brasileiros, mas ela supõe uma situação diferente: “Vamos imaginar que a Justiça em um país autoritário tome a mesma medida contra um ativista e consiga uma remoção a nível global. Quer dizer que a lei do Brasil, que permitiria que aquele conteúdo daquele ativista se mantivesse acessível, não seria aplicada”, pontua.

Mariana explica que, para a decisão de um país alcançar outro, é preciso recorrer a uma cooperação jurídica internacional. Para ela, a decisão de Moraes suscitará um debate no plenário da Corte. Questionada se a medida abria um precedente para o resto do mundo, a especialista explica que é difícil saber como a decisão será vista em outros países — se como absurda ou se outros também solicitarão as mesmas medidas a empresas como Facebook e Twitter.

Especialista em direito digital e proteção de dados, Rafael Maciel avalia que, apesar da discussão de jurisdição, o conteúdo bloqueado é produzido por brasileiros e só interessa a brasileiros. “Não está abrangendo outros países. A competência é da Justiça brasileira”, afirma. O advogado, assim como Mariana Valente, entende que o Facebook agiu de forma correta quando cumpriu a decisão. “Decisão tem de ser cumprida. Você cumpre e recorre”, ressalta. Para ele, a suspensão global gera precedente.

A diretoria Mariana Valente pondera, ainda, que, mesmo que os perfis tenham sido bloqueados, a decisão do ministro não impede que essas pessoas criem contas ou utilizem o perfil de outras para fazer publicações. “Proibir uma pessoa de usar a internet é desproporcional, principalmente porque é fase de inquérito”, destaca.

Youtuber Felipe Neto  no debate das fake news
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prometeu, ontem, acelerar a votação do projeto de lei que busca combater a divulgação de fake news e chamou o influenciador digital Felipe Neto para participar do debate sobre o assunto. Atacado na internet por criticar o governo de Jair Bolsonaro, o youtuber aceitou o convite, feito via Twitter, e agradeceu o apoio do deputado, com quem deve conversar na semana que vem. “A covardia é a virtude dos fracos. Esses ataques só reforçam o caráter daqueles que são incapazes de vencer um debate com argumentos e com respeito. Por tudo que você tem sofrido nesses dias, nós vamos acelerar o projeto de combate às fake news”, tuitou Maia. Como a matéria é vista com desconfiança por alguns setores, ele aproveitou para pedir a colaboração do influencer. “E te convido para uma reunião na próxima semana para discutir e melhorar o PL que está na Câmara”, acrescentou. Poucos minutos depois, Felipe disse estar interessado em ajudar na proposta. “Convite aceito, Rodrigo. Vamos conversar! Muito obrigado pelo apoio”, respondeu o influenciador. O PL nº 2.630/2020, que cria diretrizes para o combate às fake news, foi aprovado pelo Senado, mas tem sido criticado na Câmara.


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