Politica

PL das fake news precisa de mais tempo para debate, aponta pesquisadora

O maior alerta segue sendo a complexidade do tema e o risco de aprovar um texto apressado, que viole a privacidade da informação e direitos fundamentais

Correio Braziliense
postado em 04/08/2020 12:14

Homens espalhando jornal com fake newsA proximidade com as eleições municipais e o desgaste causado pelos linchamentos virtuais estão entre os principais fatores que levam deputados e senadores a apressarem a tramitação do PL das fake news. Na Câmara, o debate sobre o texto ganhou um fôlego extra, com sessões de conversas com especialistas, plataformas e representantes da sociedade civil.

O maior alerta segue sendo a complexidade do tema e o risco de aprovar um texto apressado, que viole a privacidade da informação e direitos fundamentais, como liberdade de expressão. A expectativa do Congresso é que, na próxima semana, deputados comecem a debater as alterações no texto vindo do Senado. Se aprovado, o projeto voltará ao Senado mais uma vez.

Diretora do InternetLab e professora no Insper, onde coordena a Certificação em Direito e Tecnologia, a pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) Mariana Valente destaca a importância de aprofundamento nos dispositivos da lei, ao mesmo tempo que elogia a Câmara por ampliar o debate.

 

Para ela, o ponto mais sensível é o artigo 10o, que prevê a rastreabilidade de dados de usuários do Whatsapp no intuito de garantir a punição de grupos especializados em espalhar fake news com disparos em massa. “Nesse debate sobre o PL das Fake News, surgiu uma proposta de rastreabilidade de mensagens criptografadas. Muitas informações ficaram desencontradas. As pessoas que defendem a proposta argumentam que não viola a privacidade, que não haveria riscos, que seria possível coletar uma pequena quantidade de mensagens, e de outro lado, pessoas disseram que não é possível, que seria necessário coletar todas as mensagens e percebemos uma ausência de aprofundamento técnica, política e jurídica”, alerta.

 

“Decidimos mapear os riscos à privacidade, ou para que se desista da proposta, que parece desproporcional, ou que seja melhorada para contemplar a preservação de privacidade. É diretamente relacionado com a liberdade de expressão, principalmente em privacidade comunicacional. É a possibilidade de as pessoas conversarem entre si sem serem vigiadas, para se expressarem sem perseguição, poderem se coordenar em torno de grupos políticos”, explica. Para isso, o InternetLab ouviu especialistas de várias partes do mundo em um trabalho divulgado nesta segunda (3/8). 

 

Valente destaca que se surpreendeu ao ver que os debates da Câmara se estenderam, o que considera positivo. Ainda assim, ela destaca a importância de mais sessões de discussão com especialistas. Para ela, apesar do consenso sobre a necessidade da lei, não há entendimento sobre os dispositivos. “A gente foi surpreendido por não ser tão rápido. Mas é um assunto que na extensão das questões discutidas, precisaria de muito mais tempo de debate. É preciso formular um diagnóstico do problema de um jeito robusto. Precisaria de um debate em torno do diagnóstico e dos princípios. Não tem consenso nem em torno de rastreabilidade ou transparência, se vai ou não ter um conselho e para que servirá”, elenca.

 

Alguns atores acreditam que a primeira versão é melhor, entrou em um debate de moderação de conteúdo e liberdade de expressão. Me parece que não temos amadurecimento em todos os temas e não tem como ter. É importante tomar medidas. Mas seria o ideal se fixássemos no que é claramente consensual. Medidas de transparência, órgão que continue pensando essas questões, pode ser um conselho, com autorregulação, e transparência para o usuário na moderação de conteúdo. Se a gente conseguisse focar e avançar, seria o ideal. Mas diante de tantos temas, e divergência, inclusive, técnica, a chance de a gente adotar uma legislação que venha a violar direitos, ser ineficiente, piorar o problema, cresce”, lamenta.

 

Para a especialista, trata-se de um tema em que não há consenso em nenhum outro país, por ser muito novo, o que enseja ainda mais cuidado. “Resumindo, é pouco tempo para extensão de questões postas na mesa. Tem que ser algo que estabeleça um chão. Existe um problema. Diante dos receios de não fazer nada diante do problema, estamos correndo o risco de aprovar coisas que não foram suficientemente discutidas”, diz. 

 

“Mas preciso valorizar que a Câmara está fazendo o debate. Do limão, a Câmara está fazendo uma limonada. Mas muito pressionada por esse cenário (de eleições municipais e ataques virtuais coordenados a parlamentares que se opõe ao governo). Mas tivemos mudanças importantes na legislação eleitoral”, destaca. Para ela, mudanças promovidas pelo Tribunal Superior Eleitoral poderiam tranquilizar os deputados. “A resolução do TSE de 2019 inclui coisas importantes como preocupação com disparo em massa, uso de cadastro de eleitores, e isso já vai provocar mudanças, e mesmo quando falamos do Whatsapp, teve mudanças da arquitetura do aplicativo, como a impossibilidade de enviar uma mensagem para mais de cinco usuários. Veremos como se dará o impacto disso nas eleições”, pondera.

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