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Usina de açúcar de 1994 implantada pelo Incra virou ruína em Medicilândia

Paulo Silva Pinto - Enviado Especial
postado em 29/06/2014 07:00
Medicilândia (PA) ; O real vai dar certo? ;Só acredito vendo;, disse, aos 15 anos, Eurélio Alves, que plantava cana na Vila Pacal. Sua família e as de tantos outros agricultores tinham, em julho de 1994, quando a moeda foi lançada, bons motivos para desconfiança depois de terem acreditado tanto em projetos ambiciosos do governo durante o regime militar.

Depois de inaugurada a Transamazônica, o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) implantou uma usina de açúcar em área derrubada da floresta e dividiu lotes à sua volta para que os colonos plantassem cana. O local escolhido foi dos mais simbólicos: um distrito da nova cidade de Medicilândia, criada a 90 km de Altamira, principal município da região, com nome que homenageia Emílio Garrastazu Médici, o general-presidente responsável pela estrada que rasga a mata.
A inauguração da usina, em 1974, já trouxe um prenúncio das dificuldades. Não era possível produzir açúcar em quantidade e qualidade suficiente. A solução foi trazer sacos de Pernambuco para compor as imagens.

Com o tempo, a usina deslanchou. Em 1979, chegou a produzir 300 mil toneladas. Depois, porém, o teor de sacarose da cana foi caindo gradativamente. Recuperar o desempenho exigiria investimentos maciços em melhoramento genético das plantas e em fertilizantes, algo que o Incra estava cada vez menos disposto a bancar. O empreendimento chegou a ser privatizado, mas o comprador, um grupo de São Paulo, não pagou as prestações e o negócio voltou ao Estado.

Esperança

Em 1995, era tocada por uma cooperativa. ;Com moeda forte, a usina pode voltar a crescer;, dizia, confiante, o chefe da moenda, Francisco Amorim da Silva, funcionário da Abraão Lincoln desde a inauguração. Hoje, ele vive com a família em uma casa da Vila Pacal, que pertence ao Incra, e se sustenta com a aposentadoria rural. Mora ao lado do que era a agência do Banco do Brasil, onde chegaram as primeiras cédulas de real da cidade: um lote de R$ 70 mil deixado por uma Kombi com escolta do Exército.

A usina parou de funcionar em 2000. O prédio que era do BB na Vila Pacal transformou-se em ruína: apenas paredes, sem portas ou janelas. A agência do banco está no centro de Medicilândia. Trabalha nela como vigia Fábio, filho de Francisco, que, à época da implantação do Real, tinha 13 anos e já era funcionário da usina. Francisco não tem mais esperanças na retomada das atividades da Abraão Lincoln. Tampouco lhe sobrou algo do otimismo que tinha duas décadas atrás na estabilidade econômica. ;Hoje, você pega uma nota de R$ 100 e nem tem dificuldade de trocar. Ficou tudo muito caro. Tinham que baratear as coisas;, afirma.

Ex-cético


É o ex-cético Eurélio quem sorri atualmente, mas sem esbanjar otimismo. Tornou-se vigia dos escombros da usina, o que lhe garante R$ 1,3 mil por mês. Morando de graça em uma casa que pertence ao Incra com a mulher e duas filhas, tem tevê, máquina de lavar e uma moto. Não depende só do salário: cultiva 3 mil pés de cacau em um lote do Incra, o que rende quase uma tonelada do produto nos melhores meses. ;Minha vida melhorou;, atesta.

A usina transformou-se em algo irrecuperável, com maquinário que só poderá ser vendido por 20 centavos o quilo, como sucata. Resolver o problema e regularizar a situação dos agricultores com a venda de lotes poderia proporcionar ao erário R$ 20 milhões, na avaliação de técnicos do Incra em Brasília. Mas não é simples mexer com esse vespeiro. A usina segue encostada, consumindo R$ 10 mil mensais em vigilância.

Mesmo sem cana, Medicilândia segue cada vez mais próspera graças ao cacau. A qualidade é reconhecida, sobretudo pela dificuldade dos produtores da Bahia de retomarem o patamar de colheita anterior aos anos 1960, quando começou a infestação da vassoura de bruxa. A multinacional Nestlé e outras grandes empresas recorrem a Medicilândia para abastecer suas fábricas. Como o cacau precisa de sombra, a floresta tem se recuperado na região, atestam imagens de satélite. Na área que cultiva, Eurélio plantou também pés de ipê e mogno.

O dinamismo da região é atestado por Raimundo Nonato Cunha, 40, que na implantação do real mudou-se para Medicilândia. Hoje, além de plantar cacau, ele tem um supermercado. Casado com a maranhense Conceição Oliveira, tem três filhas adolescentes. ;Na nossa infância, era tudo mais difícil. Elas vão ter mais estudo do que nós;, aposta Conceição. (PSP)

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