Revista

Uma questão de fé

Acompanhamos o trabalho de João de Deus, considerado o maior médium em atuação no país. Na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, ele atende políticos, celebridades e anônimos do Brasil e de outras 22 nacionalidades

postado em 23/05/2010 09:22

Manhã fria e seca numa quinta-feira de maio em Abadiânia. Às 7h, pessoas vestidas de branco chegam de todas as direções, nas ruas do pequeno município goiano, distante 115km de Brasília. A norte-americana Denise Cooper, 51 anos, é uma delas. Cabelo louro preso, echarpe azul e fone de ouvido. Ela pedala em direção à Casa Dom Inácio de Loyola, onde trabalha há pouco mais de um ano como enfermeira do hospital espiritual.

Pintada de azul e branco, a Casa Dom Inácio de Loyola é um ambiente de silêncio e sensação de bem-estar. Nos dias de atendimento ; quarta, quinta e sexta-feira ; o público pode variar de 400 a 6 mil pessoas, máximo registrado no mês de junho. Mesmo movimentado, há calma. Mais e mais pessoas encaminham-se à livraria para retirar a senha. Os atendimentos começarão daqui a uma hora.

Ali, estão novatos, que vão à Casa pela primeira vez , e outros que frequentam o local há mais de 10 anos. Todos buscam a paz espiritual e a cura para diversos males por intermédio de João Teixeira de Faria, o João de Deus. Quando a enfermeira Denise chegou, não caminhava nem falava direito. O diagnóstico era esclerose múltipla. ;Tudo é possível e as mudanças podem ser drásticas como foi comigo;, conta. Em 10 dias, segundo relata, voltou a andar, trabalhar, dançar.

Casos como o de Denise são comuns. Muitos falam espontaneamente de suas experiências para aqueles que acabaram de chegar. Mesmo sendo respeitado como médium, João de Deus já foi chamado de charlatão e bruxo. Foi processado por operações realizadas como a entidade Dr. Fritz, perseguido e discriminado. O que se constata, no entanto, são resultados positivos do trabalho do médium.

Curas que impressionam um sem número de médicos, juízes, políticos e pessoas influentes que também frequentam a Casa. ;Pode até ser possível enganar as pessoas por um ou dois anos, mas por mais de 40 anos?;, questiona Hamilton Pereira, 60 anos, braço direito de João na administração do espaço.

Como um templo ecumênico, por abraçar diferentes crenças, a Casa Dom Inácio de Loyola recebe milhões de brasileiros e estrangeiros. A Revista foi até lá. Visitamos o espaço, observamos a intensa movimentação e conversamos com frequentadores. O que vimos e escutamos está descrito em detalhes nas próximas páginas. Também conseguimos chegar mais perto de João de Deus e, numa entrevista exclusiva, ele nos contou um pouco de sua história, do preconceito de muitas pessoas e de sua relação com Chico Xavier, que em 2010 faria 100 anos.

Alcance continental

Segundo registros da Casa Dom Inácio de Loyola, um público de 22 nacionalidades já foi atendido por João de Deus. Do Brasil, é frequente a presença de gaúchos, capixabas, mineiros, paranaenses e catarinenses. Enquanto do exterior, a maioria das caravanas vem dos Estados Unidos, França e Alemanha. Para ajudar no atendimento dos estrangeiros, voluntários trabalham como tradutores. São eles que conversam antes com os forasteiros para anotar o caso, acompanhá-los na fila de atendimento individual e repassar a recomendação da entidade incorporada pelo médium. Juízes, advogados, médicos, políticos, empresários e celebridades recebem o mesmo tratamento na Casa. Segundo Hamilton Pereira, administrador do espaço, alguns pedem um tratamento diferencial, mas logo frequentam livraria, lanchonete e outros ambientes da Casa como qualquer um. ;Quando Chico Anysio vem aqui, por exemplo, ele fica como se estivesse a casa dele;, conta Hamilton.

Entrevista - João de Deus
Minha família é quem acredita na minha fé

A enfermeira norte-americana Denise Cooper acredita ter sido curada de uma esclorese múltilaNascido em Cachoeira de Goiás, em 24 de junho de 1942, João Teixeira de Faria teve de trabalhar desde cedo para ajudar a família. Foi pedreiro, oleiro, cisterneiro, tintureiro, garimpeiro e alfaiate. Analfabeto, aprendeu há três anos a preencher um cheque. Quando tinha apenas nove anos, experimentou a primeira manifestação de mediunidade, apesar de ser católico e de não ter qualquer ligação com o espiritismo. Aos 16, realizou a primeira cirurgia espiritual. De lá para cá, João trabalhou e morou em diversos estados do país até fixar os atendimentos num só espaço, batizado de Casa Dom Inácio de Loyola. A homenagem ao santo, fundador da Companhia de Jesus, tem uma segunda razão. João incorporou essa entidade quando realizou o primeiro trabalho em Abadiânia: um parto. Conhecido pela alcunha de João de Deus, ou John of God, ele é considerado o mais importante médium em atuação no país e já perdeu a conta de quantos pacientes recebeu. Mas sabe que foram milhões em mais de 30 anos de atendimentos na Casa e em viagens realizadas no Brasil e fora. Pai de nove filhos e dono de quatro fazendas no interior de Goiás, João não mistura os assuntos. De poucas palavras, deixa a vida particular de fora. Numa entrevista exclusiva à Revista, o médium falou sobre como tudo começou, sua relação com Chico Xavier, fé, descrença e a possibilidade de assistirmos no cinema à história de João de Deus.

Como o senhor consegue administrar
o tempo entre a Casa Dom Inácio de
Loyola, suas fazendas e sua família?

Isso é fácil, é só você aprender a dividir e tomar conta de tudo. Os três dias eu tiro para minha missão (na Casa), os outros quatro dias eu tiro para o meu trabalho. É saber dividir e não misturar.

Por que as pessoas procuram tanto a Casa?
Isso daí eu tinha vontade de saber porque eu não sou consciente (João é médium inconsciente). Queria saber da vida das pessoas porque daí ficava mais fácil.

O que o senhor acharia de ver sua vida transformada em filme pelo diretor Bruno Barreto (o cineasta já manifestou essa vontade em matéria na imprensa)?
Esse filme vai ser rodado?

Conheço ele, o pai dele; Acho que essa pergunta tem que ser feita para ele e não para mim. Porque ele é o dono da máquina e não eu.

O senhor estaria disposto a colaborar?

Eu não tenho nada a esconder.

Quando o senhor precisa se curar de alguma doença, quem procura?
Em primeiro lugar Deus, depois vocês. Vocês são responsáveis por essa Casa. Acho que na hora que eu estiver numa situação difícil vou bater na sua porta e você vai me servir.

Que conselhos o senhor daria para alguém que descobre que é médium?
Eu não estou aqui pregando religião porque todas as religiões são boas. É acreditar que existe um ser maior, que é Deus.

Como sua família encara sua vocação mediúnica?
A minha família, vou te falar, é a coisa mais sagrada do mundo. A minha família é aquela que acredita na minha fé, que acredita no ser maior. Esta (aponta para a terapeuta e amiga Nishavda), eu conheci ela aqui e ela me levou para a Alemanha. Ela é minha família, minha filha, minha irmã. Você também. Quem é minha família é quem acredita na minha fé.

O que mudou na vida do homem João Teixeira de Faria depois desse trabalho?
Graças a Deus, nada fez na minha cabeça. Porque eu sou filho de Deus. Quem manda é Ele.

Pessoas do mundo inteiro procuram o senhor. Uma delas comparou o que o senhor faz às pregações de Jesus. O senhor acredita que há proximidade?
Jesus foi escolhido por Deus para descer na Terra, praticar caridade e derramar seu sangue por todos. Eu sou um pecador, mas sou filho de Deus. Quem faz é Deus, eu nunca fiz nada. Eu sou apenas um alfaiate.

Que mensagem de esperança o senhor mandaria para as pessoas?
O que eu acredito. Comecei com nove anos de idade, acredito na Igreja Católica, nasci em berço católico e, neste momento, a partir de vocês, sei que estou entrando nos lares dos meus irmãos. A mensagem que envio é que eles acreditem que Deus, esse ser maior, esse arquiteto do universo, quer a paz e a felicidade do mundo.

Por que é tão difícil para algumas pessoas acreditarem no trabalho do senhor?
Não só Jesus como vários pregadores da palavra de Deus, como Moisés; não foram todos que acreditaram nele. É isso. A vida é eterna, só o corpo vai para a terra. Isso aí passa.

O que o senhor pensa sobre previsões de fim do mundo? Alguma coisa há de acontecer?
O que eu penso; Deus fez toda essa maravilha, fez o planeta Terra e seus semelhantes. E Deus faz o que ele quiser, porque Ele quer o melhor para seus filhos. A mesma coisa com um filho. Está errado em dar um castigo, né? Para mim, nada é surpresa.

Mas muitos vêm para a Casa para correr da morte?
Mas a morte não tem vida eterna. A morte é quando você não acredita no criador, você não acredita nessa força cósmica, universal; aí é a morte. Seu corpo é emprestado, ele encosta, vai descansar, mas sua alma vai com Deus. Quando eu falo em espírito, alma, anjo da guarda é tudo um só.

A Casa vive de doações?
Eu tenho um laboratório, tem o remédio, mas a pessoa que não pode pagar leva de graça. As pessoas que me ajudam são voluntárias. Sou contra o dízimo. O primeiro dízimo foi na hora que Judas trocou Cristo por aquelas moedas. Aqui não tem dízimo. Aqui tem as pessoas que ajudam, mas não é obrigado. A pessoa que não tem condições de pagar faculdade, chega aqui e pede. Porque eu não tive condições de estudar; me apareceu essa missão. De dois ou três anos para cá que o Hamilton (amigo e administrador da Casa de Dom Inácio) me ensinou a preencher um cheque. Sou analfabeto.

O senhor tem uma participação importante na economia da cidade?
Acho que não tenho. Não tenho participação em nada. Quem têm são as pessoas que acreditam em Deus e de tão longe vêm para cá. E as pessoas que lutam e trabalham para conseguir isso aí. Eu acho que o povo de Abadiânia é honesto, trabalhador. Nessa missão aqui, não faço nada, quem faz é Deus.

Por que ainda há muitos moradores da cidade que não vêm se consultar na Casa?
Já pensou se todos acreditassem e viessem aqui acreditando? A Casa estaria vazia, as pessoas não precisariam daqui. Cada um pregaria na sua casa.

Quando o senhor descobriu que tinha esse dom e percebeu que poderia ajudar outras pessoas?

Toda vida fui devoto de Santa Rita de Cássia. Com nove anos, saí com minha mãe de Itapaci (GO) para o povoado de Ponte Nova. Logo que cheguei na metade da estrada olhei para o céu (estava limpo), falei que ia chover e, puxando minha mãe, disse que as casas iam cair. De um patrimônio de cento e poucas casas, caíram 40 e poucas. Depois, começou. Isso não tem professor, é um poder de Deus.

Como era sua relação com Chico Xavier?
Eu tenho muito respeito pelo Chico, o Chico é o papa do Espiritismo. Quando eu falei que ia sair de Abadiânia, ele pediu para eu não sair daqui. Ele mesmo escreveu para eu não sair do santuário de Abadiânia.

Neste ano, celebramos o centenário de Chico Xavier e vemos que o nteresse pela espiritualidade é crescente. A que se deve esse maior interesse, na sua opinião?

Acho que a Deus;Deus é o dono de tudo. É meu pai, seu pai, o pai de todos. É acreditar nele. É isso aí.

Abadiânia no cinema

O cineasta Bruno Barreto ; Dona Flor e seus dois maridos (1976), O que é isso, companheiro? (1997), Última parada 174 (2008), entre outros filmes ; esteve na Casa Dom Inácio de Loyola em fevereiro de 2009. Impressionado com o trabalho do médium, a movimentação de estrangeiros na cidade e os relatos de cura, o diretor já se pronunciou quanto à vontade de fazer um filme sobre João de Deus. Segundo Hamilton Pereira, administrador da Casa, houve o convite, mas nada foi decidido. Também houve outro interessado, dessa vez a norte-americana Century Fox. O contrato para as filmagens no entanto foi rechaçado porque a proposta envolvia a disponibilidade de João de Deus duas horas por dia durante quase um ano.

Um hospital espiritual

São oito horas da manhã. Iluminadas por uma claraboia, as paredes da sala de espera espelham imagens de Jesus e Dom Inácio, uma foto de João de Deus, bandeiras do budismo tibetano, símbolos judaicos e um desenho de Chico Xavier abraçando Jesus. Na função de relações públicas da Casa Dom Inácio de Loyola, Tião Lima, 55 anos, é o voluntário mais antigo. Esbanjando sorrisos e abraços até subir no tablado, Tião saúda ao microfone algo em torno de 200 pessoas. São crianças, jovens e adultos de diferentes nacionalidades e classes sociais.

Semblantes de desamparo, angústia e fé na consulta espiritual que terá início após algumas orações e recados. ;É dia de Nossa Senhora de Fátima;, celebra Tião, convidando todos a rezar uma Ave-Maria e um Pai-Nosso, mesmo que a Casa acolha budistas, muçulmanos e evangélicos. Enquanto os pacientes aguardam a formação da fila para o atendimento, alguns passam o tempo assistindo às imagens exibidas na televisão da sala.

São vídeos de cirurgias realizadas por Dr. Fritz, uma das 30 entidade incorporadas por João de Deus. Cortes na pele, raspagens no olho e outras interferências físicas impressionam pela falta de anestesia e também de dor. Hoje, no entanto, tais procedimentos apontados como controversos pela medicina são raros. Segundo o voluntário Cláudio José Antônio Pruja, 56 anos, as denominadas ;cirurgias visíveis; correspondem a 0,001% do total de atendimentos, enquanto a ;cirurgia invisível;, quer dizer, espiritual, se sobressai.

Últimos avisos antes da entrada daqueles que estão pela primeira vez na Casa. O tratamento prescrito pela entidade incorporada por João de Deus deve ser seguido à risca. Além da medicação ; um composto de passiflora e uma garrafa de água fluidificada ;, recomenda-se não tomar bebida alcoólica, nem comer carne de porco e pimenta.

Entra na sala de atendimento a fila dos que vieram pela primeira vez. Logo em seguida, aqueles que já vieram mais de uma vez. As cirurgias acontecem à tarde e são marcadas pela entidade durante a consulta, individual. Sem pressa, as pessoas passam pela primeira sala, onde 100 médiuns formam uma corrente de orações. O primeiro espaço funciona com um filtro espiritual para aqueles que estão chegando. Mais 10 passos, e a fila entra na sala da entidade. Nela, outros 100 médiuns trabalham no atendimento. Numa poltrona adornada por flores, João de Deus atende como a entidade José Valdivino. A consulta pode durar de 20 segundos a poucos minutos.

Não é preciso dizer nada à entidade. Por intermédio de João de Deus, ela identifica a queixa da pessoa: ;a senhora está com dor nos rins;; ;o senhor não sabe o que fazer pelo seu filho;. São problemas de saúde ou familiares, questões existenciais e também agradecimentos pela graça alcançada após o tratamento. ;Posso te pedir um presente?;, pergunta o médium à senhora, que lhe entrega a muleta e segue caminhando.

Outros também pedem conselhos quanto a negócios. Na fila para se consultar, o comerciante gaúcho Fábio Diniz Portela, 43 anos, tem dúvidas quanto à venda ou não da sua pousada em Abadiânia para criar gado com a família, que mora no Sul. Ao chegar na entidade, nada lhe pergunta. Apenas escuta a recomendação para que continue como voluntário da Casa e siga a missão de ajudar outros. Depois de escutar a entidade, Fábio se dirige à sala de passe para, então, caminhar para a área externa.

No jardim ; espaço de meditação ;, ele parece reflexivo com a notícia. Quando Fábio foi a primeira vez à Casa tinham-lhe dado apenas dois meses de vida. Há 18 anos, o comerciante gaúcho recebeu a notícia: estava com câncer no rosto. Um ano depois do diagnóstico, começou o tratamento e se curou. Agradecido por ter sobrevivido, Fábio trabalha na Casa como voluntário há 14 anos e, desde então, mora no município, onde tem uma pousada. ;Sei que ele quer meu bem e ele sabe que me preocupo com as pessoas e com a Casa. Já ajudei e ajudo muita gente. Agora vou repensar a ideia de vender o negócio e sair daqui;, resolve.

Missão que vem da cura

A fila segue e os atendimentos se encerram às 10h e pouco. Após o passe, todos recebem uma garrafa de água mineral fluidificada, ou seja, benzida pelas entidades. Ao fim das atividades matutinas, todos caminham para tomar a sopa. ;O prato também faz parte do ritual;, conta o advogado Eli Gontijo Pereira, 52 anos, voluntário da Casa. Sentados nas mesas dispostas no jardim, alguns demonstram um misto de alívio e de calma após o atendimento. Outros, ansiedade para a consulta marcada para a tarde.

Enfermeira do local, a norte-americana Denise Cooper, 51, termina de almoçar para descansar por meia hora.Acompanhamos o trabalho de João de Deus, considerado o maior médium em atuação no país. Na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, ele atende políticos, celebridades e anônimos do Brasil e de outras 22 nacionalidades No jardim, bancos de madeira doados por quem frequentou a Casa exibem inscrições: Hope, Canada, Jack & Nancy, além de outros nomes de países e de pessoas que por lá passaram. Denise senta num desses bancos. Coincidentemente, num com a inscrição de Jerry, nome do ex-marido, de quem, assim como a única filha e os pais, Denise se despediu.

Há seis anos, a enfermeira tinha uma avançada esclerose múltipla. ;Usava cadeira de rodas e, às vezes, muletas. Precisava de cuidados especiais para me limpar, tomar banho, cozinhar. Não conseguia fazer nada sozinha. Tinha dificuldade para falar, engolir;, recorda. Até que num dia, assistiu na televisão a um programa sobre John of God, como é conhecido João de Deus no exterior. Naquele momento, Denise sentiu que deveria vir ao Brasil. ;Meu corpo me trouxe aqui. Foi ele que me fez prestar atenção nessa necessidade de cura espiritual.;

Em 2005, veio sozinha para Abadiânia. Após 10 dias de tratamento, ela conta que conseguiu o que julgava impossível: dançar a noite toda. ;Quando voltei para os Estados Unidos, sa andando do avião. Ninguém precisou me carregar;, orgulha-se. Depois de idas e vindas, Denise decidiu ficar de vez em Abadiânia há um ano e meio. Hoje ela acredita que trabalha na sua missão, após a cura. ;A única coisa que deixei para trás foi a dor. Aprendo tanta coisa aqui... e é impressionante o quanto podemos fazer pelos outros.;

Levantando-se do banco, ela olha novamente para o nome de Jerry, de quem hoje é grande amiga. ;Lembro-me de uma coisa que ele falou ao me ver depois do tratamento: ;You can;t argue with results; (não se pode discutir com resultados). Acho que é isso que vemos aqui.; Pouco antes das duas da tarde, ela recomeça o trabalho na sala de recuperação. É lá que as pessoas submetidas à cirurgia espiritual repousarão após o atendimento.

Alimento para alma

No centro de Abadiânia, outro espaço criado por João de Deus tornou-se a menina dos olhos do município. A Casa da Alimentação, também conhecida como Casa da Sopa por oferecer o prato feito à base de legumes e frango, funciona todas as terças, quartas e quintas. Na sexta, um lanche com chá, café, bolinho de fubá e bolacha de água e sal também alimenta quem passar pelo local.

Coordenadora da Casa e voluntária, Helena Calixto Haje, 50 anos, fala com muito orgulho das pessoas que são atendidas. ;Distribuímos 1.500 pratos em cada um desses três dias. Tudo aqui é novo e fresquinho. O que eu ponho na mesa da minha casa é o que ponho na mesa aqui.; Na despensa, grãos, carne e legumes são cuidadosamente armazenados para não haver desperdícios. Roupas, sapatos, livros, cadernos e outros itens que compõem o material escolar também são dispostos nas prateleiras. ;Meu marido tem ciúme e diz que em casa eu não sou tão organizada assim;, brinca.

Desde 2005, Helena administra o espaço que ainda emprega oito funcionários. Nesses três dias da semana, ela sai bem cedinho de Anápolis, município a 35km de Abadiânia. Fica até a hora que encerrar o trabalho. ;Gosto muito do que faço. Lembro da primeira vez que vim aqui: deu vontade de abraçar as paredes.;

Atenta às necessidades de quem precisar recorrer à Casa da Sopa, Helena investe também nos cuidados com as crianças que por lá passam para comer, estudar e se divertir na brinquedoteca. ;Também estou ensinando eles a plantar. Nossa horta já está carregada de tomates. Tem cheiro verde, manjericão, hortelã, couve, limão. Daí, as crianças também aprendem que podem fazer o mesmo no jardim de casa.;

Ao lado da Casa da Alimentação, outro projeto de João de Deus aguarda a inauguração. Serão dois consultórios dentários atendidos gratuitamente por dentistas que frequentaram ou frequentam a Casa de Dom Inácio. ;Não temos participação de ONGs, prefeitura, nem do governo. Sobrevivemos das vendas dos remédios, livros e de algumas doações que aparecem às vezes sim, às vezes não;, explica Hamilton Pereira, administrador da Casa.

Economia movida pela fé

Em 1979, João Teixeira de Faria recebeu o apoio do então prefeito de Anápolis, Decil de Sá Abreu, para realizar seu trabalho de mediunidade no município goiano. Também houve a recomendação do espírito Bezerra de Menezes, incorporado por Chico Xavier,
para que João de Deus fundasse uma casa de caridade em Abadiânia. Desde então, o médium atende uma média de 1,2 mil pessoas por semana.

O atendimento é feito todas as quartas, quintas e sextas, com exceção de períodos em que João de Deus viaja para realizar tratamentos fora do país. Em junho, mês de aniversário do médium, a Casa aguarda 6 mil pessoas por dia. Para atender o fluxo de turistas brasileiros e estrangeiros em busca do tratamento espiritual, a cidade tem 37 táxis, 42 hotéis e pousadas, além de 20 lanchonetes e restaurantes.

Secretário de Finanças de Abadiânia e administrador da Casa, Hamilton Pereira, 60 anos, confirma que o trabalho de
João de Deus emprega mais gente que a prefeitura.

;Antes, se chegasse um time de futebol na cidade, enchia as pensões. Hoje, nós temos 1.500 leitos em hotéis que não perdem para os da redondeza.;

Dono do Hotel San Raphael, o sul-africano e filho de gregos Konstantinos Papadopoulos, 33 anos, abriu o novo negócio próximo à Casa de Dom Inácio há quatro meses. Ele e a irmã, Angeliki Ioanna Papadopoulos, 27 anos, compraram o hotel em janeiro após decidirem morar na cidade onde a mãe se curou. Formado em hotelaria na

Suíça, Konstantinos atende clientes do mundo inteiro.
O valor de uma diária pode variar de R$ 80 (solteiro) a R$ 140 (casal). Realizados com o empreendimento, os irmãos não pensam em sair de Abadiânia. ;Sempre quis morar aqui e o Brasil é nosso país agora.;

Em nome do filho


A terapeuta baiana Nishavda Rollhausen, 52 anos, frequenta a Casa há nove anos. Mãe de um jovem de 30 anos, portador de necessidades especiais, ela procurou João de Deus para amenizar as convulsões do filho. O jovem passou por um longo tratamento ; dos dois aos 18 anos de idade ; em um hospital. ;Os médicos também nos aconselharam a buscar ajuda espiritual, além dos tratamentos convencionais. A partir desse momento, comecei a perguntar às pessoas e, na internet, encontrei o trabalho do médium João.;

A mudança na vida do filho foi gradativa. Nishavda acredita que houve uma melhora de 70%. ;O tratamento espiritual requer não só fé e disciplina, mas muita paciência;, ressalta. Desde então, a terapeuta tornou-se habitual frequentadora do hospital espiritual e passou a trabalhar também como guia. Casada com um alemão, ela trazia grupos de mais de 50 alemães para a Casa Dom Inácio de Loyola. Também levou João de Deus para a Alemanha nos anos de 2003, 2004 e 2005. ;Lá, em nove dias, o médium atendeu 15 mil pessoas, em cidades no norte, sul e centro do país. Tanto aqui quanto lá fora ele é uma pessoa simples e age da mesma forma. A missão dele é muito respeitada e de uma grandiosidade incrível.;

Para ficar mais perto dos trabalhos de João de Deus, Nishavda tomou uma decisão. Vendeu um centro holístico que administrava em Salvador para morar no planalto com o filho e, quem sabe, trazer a família baiana. ;Aqui é um lugar onde você encontra conforto, um sorriso amigo, pessoas com quem trocar. É um local muito especial: um oásis nesse cerrado e no Brasil.;


Uma luz de esperança

Em 2006, o gaúcho Victor Miguel Müller foi despedido da empresa de calçados onde trabalhava. Mesmo com a notícia, Victor seguiu em frente e começou a estudar medicina em Porto Alegre. Nesse período, ficou doente. Numa consulta ao médico, descobriu um nódulo no peito. Depois de uma análise, foi constatado o câncer. O industriário buscou tratamento, mas o câncer evoluiu e atingiu o cérebro. Em 2009, a ex-mulher Silésia Silveira da Silva, 44 anos, e o marido dela, Luis Antônio Silva, 23 anos, resolveram buscar ajuda na Casa. ;No hospital, os médicos falaram que poderiam fazer uma cirurgia, mas depois da ressonância magnética acharam muito arriscado, porque ele ficaria em estado vegetativo ou morreria durante o procedimento. Sob minha responsabilidade, tirei ele do hospital e o trouxemos para Abadiânia;, conta Silésia, que tem dois filhos com Victor.

Foi Luis quem veio a primeira vez acompanhando-o. ;Ele não caminhava mais e as mãos estavam parando de se mexer. Agora, apesar das dificuldades, ele está melhorando.; Consciente, mas com muita dificuldade para falar, Victor soube recentemente que na época que veio para a Casa Dom Inácio de Loyola os médicos tinham lhe dado apenas dois meses de vida. E lá se vão oito meses de tratamento com João de Deus. ;É brabo, mas tem que ter força de vontade;, balbucia Victor.

Veja da repórter Maria Júlia

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação