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E a moda descobriu o homem...

Cresce o mercado de vestuário masculino. Em Brasília, novos estilistas e empresários apostam no setor. Mas será que os homens sabem se vestir? A Revista preparou um guia de estilo para ajudá-los nessa tarefa

postado em 30/05/2010 12:00
Um homem entra em uma loja para comprar uma camisa. Olha três ou quatro estampas. Uma de bola, uma de xadrez e uma listrada. Ele sabe exatamente o tamanho da camisa e o do colarinho que veste, tem noção de com quais calças elas combinam e de como ele vai usar os acessórios que tem em casa. A loja em que entrou foi escolhida a dedo porque o estilista é o favorito dele. Para combinar com a camisa, comprou um cardigã. A dica foi lida na revista masculina que assina mensalmente. Ele tem sede de informações sobre moda. Esse perfil descrito reflete o comportamento do homem moderno. Não fique espantado, ele não é raro, embora não seja disseminado. O homem do século 21 é vaidoso e está gastando muito dinheiro com moda.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), os homens representam 35% do segmento do vestuário brasileiro. Sendo que a produção do setor aumentou 14,6% desde 2003. Esse número, entretanto, tende a ficar maior ao longo dos anos. Se antes eram distantes da moda, hoje os homens são público-alvo. Segundo o gerente geral do Iguatemi Brasília, Fernando Simões, o shopping escolheu propositadamente uma série de lojas para contemplar o homem ; além de vestuário, engloba redes especializadas em aparatos tecnológicos. ;Notamos que o homem, além de tecnologia, tem se preocupado em adquirir marcas, roupas com estilo, corte e tecido de qualidade;, justifica. A pergunta que vem em mente é: desde quando os homens começaram a ter tanto interesse por moda?

No Brasil, só no início do século 21 os homens estão redescobrindo a arte de vestir. A culpa é da geração nascida nos anos 1970 e 1980, que resgatou uma cultura de expressão pessoal que estava perdida há algumas décadas. A coordenadora do curso de design de moda da Universidade Anhembi Morumbi, Eloize Novalon, acredita que o aumento do número de homens solteiros é outro fator determinante. ;Os homens se casam mais velhos que antigamente e muitos são divorciados. A solterice e uma conta bancária maior fazem com que eles se tornem mais vaidosos.; Nesse grupo, incluem-se os gays, que estão dominando quase sozinhos esse mercado desde os anos 1980.

Esse crescimento, entretanto, está no começo e ainda falta muito para os homens brasileiros chegarem perto do consumo fashion das mulheres. Em algumas partes do mundo, esse número já é balanceado. Na Itália, por exemplo, a indústria do vestuário é bem dividida. Homens e mulheres têm peso igual na cadeia produtiva da moda. Tanto que eles ganharam a própria semana de moda em Milão, prova de que já quebraram a maior barreira entre o homem e a moda: o preconceito.

A resistência persiste

Se a cultura de moda masculina é consequência do potencial de consumo dos gays, a resistência dos heterossexuais à moda pode ser também creditada a esse fator. Desde os anos 1980, os heteros associam moda aos gays. A psicóloga Pascale Navar, autora do livro Moda e inconsciente: olhar de uma psicanalista, acredita que o preconceito ainda é motivo para distanciar os dois universos. ;O homem que se cuida tem que insistentemente confirmar a sua masculinidade;, escreve. Ou seja, o cara que gosta de se arrumar sofre o preconceito de outros homens e também de mulheres. ;Elas têm um papel importante em disseminar esse preconceito;, argumenta Eloize Novalon.

Ironicamente foi um homem que despertou o interesse do mundo em roupas: o rei da França Luís XIV, que criou um universo de desejo que envolve a moda (leia quadro na página seguinte). Depois de séculos se arrumando, nos anos 1980 a ala masculina ficou sem rumo. Os homens perderam a identidade com a emancipação da mulher. Isso afetou consideravelmente a forma de se vestir. Mas, aos poucos, eles estão se redefinindo e a indústria da moda acompanha o fluxo. Além da semana de moda em Milão, os parisieneses destinam sete dias exclusivos para eles. Nas passarelas brasileiras, as marcas para homens atraem cada vez mais atenção, como é o caso da carioca Reserva e da badalada Osklen. ;Os estilistas masculinos estão conseguindo acompanhar o ritmo do ciclo da moda feminina e fazer com que os clientes aceitem essas mudanças;, opina o alfaiate João Camargo, nome por trás da Camargo Alfaiataria.

É claro que a moda masculina já tinha variações de tendências, mas elas não são tão voláteis quanto as femininas. Há 16 anos estilista da marca masculina Richards, Marcello Gomes conta que os dois ciclos têm se aproximado cada vez mais rápido. ;Há uns 10 anos, eu demorava cinco anos para atualizar consideravelmente a minha coleção, hoje em dia faço, no máximo, em um ano e esse período está diminuindo cada vez mais rápido;, explica. As mudanças nas coleções masculinas estão mais relacionadas a proporções do corpo e a cores ; bem mais simples que as destinadas às mulheres, que mudam quase todas as peças a cada estação.

Os mais-mais do design masculino


Foi nos anos 1980 que os primeiros designers masculinos começaram a se estabelecer. Eles foram pioneiros em criar o desejo de consumo nos homens. Uma das técnicas usadas foi propaganda em filmes. Em Gigolô americano, por exemplo, o personagem de Richard Gere só usava ternos Giorgio Armani. Com o lançamento do filme, o estilista virou referência como o homem dos ternos. Além de Armani, se destacam Ralph Lauren, Calvin Klein, Jean Paul Gaultier, Martin Margiela, Alexandre Herchcovitch e a grife Reserva.


Os estilistas brasilienses
Quarteto maravilha


Se o mercado da moda brasileira é recente, a história fashion de Brasília é ainda mais nova. Somente cinco anos atrás, os brasilienses organizaram seus eventos de moda e o calendário de desfiles, o que provocou mudanças no trabalho da indústria do vestuário brasiliense. Estilistas da capital se fortaleceram e começaram a exportar design. Aos poucos, estão colocando a capital no cenário fashion nacional, inclusive como referência de moda masculina.

Dos 20 estilistas que desfilam em eventos locais, oito deles se dedicam à arte de desenhar roupas para homens. É uma média bem acima dos 25% de desfiles masculinos em eventos nacionais. A Revista juntou os designers de destaques Anna Paula Osório, Akihito Hira, Sann Marcuccy e Romildo Nascimento para discutir os rumos da moda masculina brasiliense. O consenso? Fazer roupas para homens na capital é tão difícil quanto desenhar para as mulheres. Faltam estrutura, investimento e mão de obra qualificada. Apesar disso, alguns acreditam que esse é um mercado promissor.

Sann Marcuccy

Ele desenha uma linha feminina e outra masculina e afirma com categoria que os homens são menos ousados na hora de se vestir. Sann credita a falta de interesse deles também à escassez de publicações especializadas. ;Os homens ainda têm aquela visão de que moda é assunto para gay e que comprar roupas bonitas é para pessoas fúteis. Mas, aos poucos, isso tem mudado;, acredita.

Romildo Nascimento
Estilista que desenha uma roupa mais casual, ele acredita que falta ousadia nos brasilienses. ;Tenho que fazer muitas adaptações do que coloco nas passarelas para vender. Por isso, nem sempre se torna uma atividade tão lucrativa como a coleção feminina. ;Neste ano, desfilou apenas a coleção feminina. Apesar disso, confessa a paixão pelo design do vestuário masculino. ;Ainda não desisti, no próximo desfile pretendo desenhar uma passarela inteira para homens.;

Akihito Hira
Menos entusiasta que Anna Paula, o alfaiate acredita que o vestuário masculino é um mercado em expansão. ;Os homens são resistentes a conceitos novos. Como estamos
há pouco tempo no mercado, ainda temos muito espaço para conquistar.; Ele teve que fazer adaptações na sua loja para sobreviver. Isso significa vender também roupas femininas.
;É preciso mecanismos auxiliares para conseguir se manter no que a gente gosta.;

No início do ano, o estudante e produtor de eventos Teddy Victor, 23 anos, não estava passando por uma fase boa. Tinha terminado com a namorada e estava um pouco sem rumo. Foi quando cruzou com a amiga e stylist Larissa Cruz. Conversa vai, conversa vem, ela foi rápida e direta com o amigo: ;Você se veste mal. Por que você não me deixa cortar o seu cabelo e te ajudar a comprar umas roupas novas?;. Sem conseguir arranjar motivos para recusar o convite da amiga, Teddy topou o desafio.

Larissa procurou Márcia Rocha, amiga e consultora de moda. Juntas, elas fizeram uma rápida entrevista com o estudante. Descobriram os gostos, a maneira como Teddy comprava roupa e até quanto ele estava disposto a gastar. Logo perceberam que ele usava roupas de um tamanho maior que o dele. Depois, elas o ensinaram a trabalhar com estampas e camadas de roupa, e finalmente cortaram o cabelo do rapaz.

A mudança mais radical foi a física. Mas Teddy começou a tomar gosto pela coisa e aprendeu a se arrumar um pouco mais. Ele não costuma sair para comprar roupas, mas sempre que vê algo que o interessa dá uma investida. Com o tempo, as pessoas começaram a notar que ele estava mais arrumado. Não demorou muito para o estudante reconquistar a namorada.

Assim como Teddy, Márcia Rocha acredita que qualquer pessoa pode mudar radicalmente o visual. Basta deixar o preconceito de lado. ;Os homens têm que começar a prestar atenção em como as pessoas estilosas se vestem, seja nas ruas, nas revistas, em blogs especializados e até em livros;, sugere.

Guia de estilo


Alguns culpam a falta de informação, outros a falta de interesse. Mas é fato: a maioria dos homens tem uma séria dificuldade de se vestir bem. A Revista preparou um guia para ajudá-los nessa empreitada.

Os pecados capitais

A maioria dos homens é herege quando se trata de moda. Eis
alguns absurdos apontados por alguns manuais.

# Regata: camiseta sem manga é para prática esportiva e só.
# Carteira no bolso, porta-celular e pochete: homem também tem que usar bolsa. Os jovens podem comprar mochilas; os trabalhadores, as bolsas carteiras; e os executivos, pastas de couro.
# Tênis de academia: os calçados desenvolvidos para malhar foram desenhados apenas para esse fim. Não importa o quanto você pagou por ele, com calça jeans é melhor calçar um All Star ou outro, feito para ocasiões informais.
# Terno barato: todo mundo tem que ter um terno bom no armário. Invista pelo menos R$ 1 mil em uma boa peça.
# Sapato social com sola de borracha: sapato social tem que ter cadarço e sola de couro. Sola de borracha e elástico são inadmissíveis. Tome cuidado para coordenar a cor do sapato com a cor do terno: terno preto e sapato marrom é proibido. Não se esqueça também de mantê-lo engraxado.

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