O romantismo está com os dias contados. Fadado ao fim. À beira da extinção. E a expectativa é de que, com sua ausência, o amor se torne uma experiência menos avassaladora e, enfim, possível. Essa é a aposta de muitos estudiosos em comportamento humano. Pode até parecer contraditória ou até inverossímel, afinal o amor romântico está em todas as salas de cinema, nas prateleiras de livrarias, nas telas da televisão e no imaginário de uma farta parcela da população, sobretudo do sexo feminino. Mas o fato é que há motivos para desconfiar que o romantismo está mesmo perdendo adeptos. O principal deles é progresso natural da sociedade.
Houve um tempo em que as uniões eram frutos de interesses sociais e políticos. No século 12, o amor cortês entra em cena e começa a desenhar o conceito do romantismo, que se estabeleceu no século 19. Mas a prática de se unir em nome de uma paixão ou de um amor só se popularizou mesmo em 1940, quando as ideias românticas se propagaram mundo afora e começaram a ser vistas como a principal, ou única, razão capaz de levar as pessoas ao casamento. Então, viver a dois passou a ser uma aposta na felicidade eterna e dependende do amor pleno e exclusivo do outro. Ou seja: uma ilusão.
Com as profundas mudanças sociais, cada vez mais as pessoas buscam a individualidade e o autoconhecimento como meta de vida. Nessa trajetória, conceitos como ;cara-metade;, ;felizes para sempre; e ;almas gêmeas; começam a ser aposentados. ;A tendência é que as pessoas aprendam a não mais delegar a própria felicidade na mão do outro. Deixar de lado o tal complexo de Cinderela, no qual o ser amado vira a salvação de sua vida;, opina a terapeuta, especialista em relacionamentos humanos, Regina Vaz.
;O romantismo nada mais é do que um conjunto de expectativas e ideais que regem as mentalidades, a maneira de pensar, de viver. É uma coisa muito mentirosa porque te leva a criar expectativas de ações, fidelidade e felicidade que não correspondem à realidade;, decreta a psicanalista Regina Navarro Lins, autora de A cama na varanda e, diga-se de passagem, casada ; e muito bem casada, garante ela ; há 10 anos. Para o psiquiatra e escritor Flávio Gikovate, as relações conjugais do século 21 serão, de fato, mais práticas e frias. ;O fim da noção de que somos metades que se completam pela fusão e o surgimento da concepção de que somos unidades devem ser vistos com alegria, pois estamos mais perto da verdade;, esclarece.
A visão pode parecer cética, mas tem lá o seu sentido. ;Já viu como tem gente casada e infeliz?;, provoca Regina Navarro. Por quê? ;Provavelmente, porque tinham o amor romântico em mente;, afirma. Mas se a análise pode revoltar ou mesmo desanimar alguns, há o lado bom da teoria: com o fim do romantismo, as pessoas poderão amar com muito mais liberdade e sinceridade. Sem juízos, cobranças, desespero, dor. Será que isso significa o fim dos ramalhetes de rosa, das gentilezas e das cartas de amor?
Sim, mas só no sentido de fazer a corte, de conquistar uma dama idealizada, como acontecia no amor cortês, garante Regina Navarro. ;Isso não tem nada a ver com ser gentil. Homens e mulheres vão continuar enviando flores um para o outro, e isso não ter algo a ver com as expectativas do amor romântico. A diferença pode parecer sutil, mas na verdade é enorme;, pontua.
Teorias à parte, tudo quanto é restaurante já está abarrotado de reservas para o Dia dos Namorados, comemorado no próximo sábado, e as floriculturas mal dão conta das encomendas. Prova de que ainda não faltam pessoas dispostas a protagonizar uma bela cena romântica. Conversamos com quatro casais que ainda acreditam e investem no romantismo. Resta saber se, para as próximas gerações, histórias como as deles serão meros contos de fada.
Ajudinha do destino
Há 16 anos, eles fizeram um pacto. De que sempre surpreenderiam um ao outro com manifestações de carinho e surpresas. Mas o que poderia ser um martírio criativo para o casal se tornou a receita de sucesso do casamento dos servidores públicos Bruno Barros, 34, e Fernanda Buralli, 34. Eles se viram pela primeira vez no colégio, quando cursavam a sétima série (hoje oitavo ano). Dois anos depois, trocaram os primeiros beijos na escuridão de uma sala de cinema. Ele viajou para um intercâmbio e ambos ficaram um tempo sem se encontrar. Por coincidência, ela se mudou para a rua em que ele morava quando voltou ao Brasil.
Começaram a namorar e, em quatro meses, anunciaram o noivado. Como eram novos ; ambos tinham 18 anos ; resolveram que a data do casamento só sairia depois da formatura dos dois. Antes da graduação, Fernanda engravidou. Moraram juntos na casa dos pais de Fernanda e, quando o filho Luán completou 3 anos, foi o pajem do casamento dos pais. Depois disso, compraram apartamento, tiveram mais duas filhas, Maria Clara, 4, e Valentina, 3, fizeram inúmeras viagens, passaram em concursos públicos e ainda planejam um quarto filho.
Tudo isso permeado por muita paixão e companheirismo, segundo eles. Para honrar o combinado feito no início do namoro, eles fazem de tudo. ;Estou sempre maquinando alguma surpresa para ela;, conta Bruno. Certa vez, Fernanda ganhou um cartão de Bruno em forma de coração. No verso, uma chave colada.
Desceu do prédio e deu de cara com um carro embrulhado em uma enorme fita vermelha. No porta-luvas, uma garrafa de champanhe e duas taças de cristal.
A última de Bruno foi uma viagem surpresa. ;Tínhamos acabados de chegar de Maceió com as crianças e, na correria, esquecemos uma mala no aeroporto. Quando chegamos em casa, o Bruno me avisou que no dia seguinte faríamos juntos uma pequena viagem a Pirenópolis, para descansar. Fiquei toda feliz e arrumei minha malinha;, conta. No dia seguinte, o marido avisou que, antes de pegarem a estrada, passariam no aeroporto para resgatar a mala esquecida. Enquanto Fernanda buscava a bagagem, Bruno fez o check-in e, quando ela apareceu, avisou que embarcariam juntos em um avião, mas que não contaria qual o destino do voo. ;Aquilo foi realmente especial;, lembram. Juntos, passaram a semana em um resort em Ilhéus. ;Inventei para o hotel que estávamos de lua de mel, então tivemos todo aquele tratamento romântico. Pétalas de rosas na cama, espumante no quarto. Parecia que a gente tinha voltado no tempo;, detalha Bruno.
Para o casal, as grandes surpresas são realmente memoráveis, mas são as pequenas demonstrações de afeto do dia a dia que fazem a diferença. ;Lembro que ela deixava bilhetes no meu carro com enigmas. Eu tinha que decifrá-los para descobrir qual seria a programação da noite. Os jantares que fazemos na varanda do apartamento. As mais de 10 ligações que fazemos um para o outro todo dia. Acho que aí está o verdadeiro romantismo;, filosofa o maridão, que é totalmente contra a teoria do fim do amor romântico. ;Acho que o que veremos no futuro é um resgate desses valores;, opina Fernanda.
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