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Divididas entre o amor e a rejeição

Planejar uma gravidez, preparar a chegada do bebê, arrumar o quartinho e%u2026 entrar em pânico. Conheça mulheres que venceram a depressão pós-parto e saiba por que ela aparece. Homens também não estão livres

Carolina Samorano / Especial para o Correio

O problema é relativamente comum, porém ainda fica escondido sob o silêncio de quem tropeça nele no caminho de volta da maternidade para casa: a depressão pós-parto. Essa vilã, que pega de surpresa de 15% a 20% das mulheres que acabaram de dar à luz, consegue transformar o sonho da maternidade num verdadeiro drama.

Qualquer mulher pode ter depressão pós-parto, segundo a especialista em psicologia obstetrícia Alessandra Arrais, da Universidade Católica de Brasília. ;Para se ter uma ideia, é comum mulheres que desejavam muito um filho e planejaram toda a chegada dele sofrerem com o problema depois.; De acordo com Alessandra, a baixa brusca de hormônios somada ao estresse do período pós-natal são dois dos combustíveis principais para que a doença chegue e se instale. ;No período de pós-parto, a mulher tem 25% mais chances de desenvolver um quadro depressivo do que em qualquer outra fase da vida dela. São mudanças muito grandes e, às vezes, repentinas. Se ela não estiver preparada, sofre.;

Segundo a psicóloga Alessandra Arrais, algumas vezes a mulher que mais deseja o bebê é justamente uma das mais suscetíveis a desenvolver a doença quando ele finalmente chega. ;Quando a gravidez é muito planejada, pode ser que haja uma idealização daquele momento e a mulher acaba colocando muita expectativa na criança. Por exemplo, pode achar que a vida dela só não está nos eixos ainda porque não tem um filho. E aí, quando a criança chega, os problemas continuam, só que ela ainda precisa cuidar de um bebê;, explica.

Ainda que toda mulher esteja sujeita à depressão pós-parto, existe um grupo que merece atenção psicológica redobrada no período pré-natal. De acordo com Fátima Bortoletti, coordenadora do setor de psicologia obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mães adolescentes, mulheres perfeccionistas, com antecedentes de depressão pessoal ou na família, que não têm o apoio do pai do recém-nascido nem dos familiares mais próximos e as muito intelectualizadas devem fazer um trabalho preventivo durante a gravidez, que pode ser determinante quando chegar a hora de encarar de vez a maternidade.

;O pré-natal psicológico é como o médico. Você faz todo um acompanhamento, trabalha o emocional da mãe e do pai, tenta amenizar a angústia e orienta sobre o que vai acontecer, para que o processo não seja traumático;, resume Bortoletti. Para Alessandra Arrais, esse ;trauma; pode ter a ver com o fato de que nem todo mundo nasce sabendo ser mãe, ao contrário do que diz o senso comum. ;Os tempos mudaram. A mulher não é mais criada exclusivamente para a maternidade, não cuida dos irmãos em casa como antigamente. Às vezes, o primeiro bebê que pega no colo é o dela. Esse pré-natal psicológico é uma preparação durante os nove meses para que a mãe receba essa criança sem maiores choques;, emenda.

Eles também sofrem
Não se espante se um dia ouvir uma história de um pai que sofre com a depressão pós-parto ; e não a da sua mulher. As tantas mudanças que um bebê traz para a vida a dois também afetam os homens. Uma revisão de estudos publicada numa revista especializada em medicina nos Estados Unidos concluiu que de cada 10 homens, um tem a doença. Segundo Rennó Júnior, psiquiatra da USP, alguns estudos mostram que entre o terceiro e o sexto mês do bebê, os homens têm duas vezes mais chance de ter uma depressão que em qualquer outro período da vida.
;Eles se cobram da função de cuidar do bebê, não só financeiramente, mas também afetivamente. Esse medo, às vezes, faz com que eles entrem em colapso;, elucida o especialista. Além da cobrança, o susto conta. Ao contrário das mães, que têm nove meses para se acostumar com a ideia de um bebê, alguns pais só se dão conta da paternidade quando pegam o filho no colo. Um outro fator para o qual Rennó Júnior chama a atenção é a queda na taxa de testosterona no período em que o rebento vêm ao mundo, mas essa hipótese ainda está em análise pela ciência. ;Acredita-se que o homem tenha uma queda de cerca de 25% da testosterona no pós-natal, até mesmo para que ele se permita criar laços afetivos com o filho. E, assim como a queda de hormônios pode influenciar a depressão nas mulheres, é possível que tenha um papel determinante também nos homens;, afirma.
A diferença entre as duas manifestações de depressão pós-parto está nos sintomas. Enquanto mulheres têm crises repentinas e inexplicáveis de choro, perdem o sono e o apetite e temem não conseguir cuidar do bebê, os homens ficam irritados, sentem-se negligenciados pela mulher, tendem a aumentar o ritmo de trabalho, o interesse em atividades físicas e podem, inclusive, buscar conforto em relações extraconjugais. Não raro, uma crise no casamento no pós-parto da mulher está relacionada à depressão, segundo o psiquiatra da USP. ;Muitas vezes, homens com depressão têm mulheres com depressão. Uma coisa leva à outra e, inclusive, casamentos acabam por causa disso;, alerta.

Saiba diferenciar
Baby blues
No baby blues, ou blues puerperal, os sentimentos de tristeza aparecem logo nos primeiros dias após o parto, em função da debilidade emocional do período ; com a retirada da placenta, a mulher tem uma queda muito brusca de progesterona, o que pode ocasionar um desequilíbrio psicológico. Até 80% das mulheres estão sujeitas a passar pelo blues puerperal. Mas, atenção: ele normalmente desaparece em 10 dias.

Depressão pós-parto
Pode aparecer até um ano depois do nascimento do bebê. De 15% a 20% das mulheres podem desenvolver o quadro que, ao contrário do baby blues, permanece por mais de duas semanas. Os sintomas variam da hiperatividade à prostração e o tratamento, geralmente, é uma combinação de psicoterapia e antidepressivos.

Psicose pós-parto
O quadro psicótico é extremamente raro. Estima-se que apenas duas em cada mil mães desenvolvam a doença. Ele caracteriza-se pelo rompimento total com a realidade, como alucinações visuais e auditivas, agitação psicomotora, risco de suicídio e, eventualmente, de infanticídio pela mãe. Em alguns casos mais raros, a depressão pós-parto não tratada pode evoluir para uma psicose.
Fonte: Fátima Bortoletti, coordenadora do setor de psicologia obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)

Serviço
O Hospital Planalto tem um serviço gratuito de pré-natal psicológico com futuras mamães. O grupo se reúne semanalmente, durante oito semanas, sob orientação da psicóloga Bárbara Fragale. Mais informações: 8465-6434.