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Eu pechincho, tu pechinchas...

Entenda como funciona a indústria de promoções de roupas e acessórios -- um diferencial do mercado de moda que deixou de ser temporário para se tornar um chamariz de clientes o ano inteiro. E aprenda a conjugar o verbo pechinchar com pessoas que só compram em liquidações, bazares e outlets

Flávia Duarte
postado em 03/09/2010 19:04

Tem gente que não pode nem ouvir a palavra liquidação. O coração dispara e a ansiedade chega a níveis de quase enlouquecer se não for o primeiro a chegar até a loja e garantir os melhores produtos. Exageros à parte, quem não adora a ideia de adquirir um produto que seja sonho de consumo, paquerado há tempos, pela metade do preço? Ou quase a preço de custo? Até mesmo os menos consumistas não deixam passar uma oportunidade como dessas.
A sensação de ter feito um excelente investimento faz com que muita gente vire um pesquisador de ofertas e se torne quase profissional no quesito: os especialistas em moda barata. Pessoas que esperam a temporada de descontos para comprar roupas, acessórios e renovar o armário. E sabem que uma boa dose paciência é essencial para pagar bem menos por uma nova peça de roupa ou um par de sapatos.
Com tantos ávidos por descontos, as opções de venda nesses moldes também têm aumentado. Agora, é possível gastar menos para repaginar o guarda-roupa durante o ano inteiro. Além da tradicional liquidação que marca a virada das coleções, as lojas cada vez mais organizam bazares e outlets. Sem falar nos brechós e sites especializados em oferecer produtos por uma pechincha. Um desbunde para consumistas espertos, econômicos ou sem grana de sobra mesmo.

Uma regra de mercado
Primeiro é preciso entender que as liquidações estão previstas no ciclo de vida de qualquer produto. Assim, em algum momento, você vai se deparar com modelos a preços menores. É preciso saber a hora certa de comprar. Como explica Alexandre Ayres, especialista em planejamento e estudo de mercado da Neocom Consultoria, a queima do estoque excedente faz parte da atividade varejista porque, necessariamente, o lojista terá mais produtos disponíveis do que venderá durante a estação. ;Ele precisa ter um estoque excedente para realizar o mínimo de vendas e garantir a variedade de tamanhos e cores;, justifica. Matematicamente, se ele quiser vender uma peça, terá disponível pelo menos cinco exemplares da mesma. Caso contrário, o cliente não encontrará as especificações que procura, frustra-se e não volta mais.
Acertadas as quantidades, prevê-se que entre 10% e 15% do estoque caia de preço ao fim da coleção. São as esperadas liquidações de estação, que fazem a alegria dos consumidores e ajudam os lojistas a não sair no prejuízo nem ficarem abarrotados de sobras. Mas tudo isso deve ser feito com planejamento e muito cálculo. ;O único problema é quando a liquidação se torna uma maneira de fazer dinheiro para cobrir os gastos dos lojistas e resolver problemas financeiros. Isso faz com que ele baixe os preços no auge da estação, condicionando o consumidor a comprar apenas em época de descontos;, diz Alexandre.

Quem espera a virada de temporada para procurar preços mais baixos corre o risco de não achar o tamanho ou a cor do produto desejado. É o ônus da economia. Mas, se o cliente encontra os descontos em época de prateleira cheia e diversificada, por que razão, então, compraria o produto com o preço cheio? Na época certa, para os empresários, reduzir os preços também representa um bom negócio. ;O mandamento número um é ;não se casar; com o estoque antigo. A obsolência de uma peça pode ser eterna e aí é melhor vendê-la a preço de custo que ficar com ela sempre;, alerta o consultor de varejo Igor Paparoto.
Estoques persistentes, portanto, exigem ações criativas para, literalmente, desová-los ao longo do ano e não apenas no mês que antecede os lançamentos. O excesso de concorrência faz com que um ou outro produto com desconto sirva como isca para chamar a atenção do consumidor e, por isso, mesmo durante a temporada, o preço cai em algumas peças ;A elasticidade dos movimentos de liquidação se dá por conta de um conjunto de fatores da economia (se vai mal, tem mais liquidações) e de estratégias de empresa para atrair tráfego e levar gente para a loja, que sempre acaba comprando alguma coisa que não está com desconto;, explica Igor.
A empresária Simone Amorim tem uma loja de roupas femininas há dois anos. Quando chegava a nova estação, ela tinha que arrumar um lugarzinho para guardar as sobras do catálogo anterior. Se a cliente buscava alguma coisa que não tinha na nova coleção, recorria ao estoque antigo. E sempre vendia. Por isso, há um ano, decidiu criar uma arara com peças promocionais, que fica na loja o ano inteiro, tudo pela metade do preço. ;Para mim, é uma forma de atrair uma cliente que só compra liquidação. Outras acabam entrando na loja para ver as peças com desconto e levam outras da nova coleção;, garante Simone. ;Se você deixa estoque antigo parado, rasga dinheiro;, comenta a empresária, que sempre participou de bazares da cidade para pôr fim às sobras.

Ana Paula, Carol, Isabella e Yara formam uma espécie de clube da pechincha: unidas pelo consumo


Mesma opinião tem a empresária Karen Castro, há seis anos no ramo de calçados. A cada nova temporada, ela recebe cerca de 10 mil pares na loja. Desses, mais ou menos 20% entravam em liquidação. Mas, ainda assim, nem tudo era vendido. Até 3% ainda resistiam nas prateleiras. ;No começo, a gente não sabia o que fazer com esse excedente. Chegamos a doar certa vez;, lembra. Para ganhar dinheiro com a sobra e oferecer um atrativo a mais para a clientela, Karen e as duas sócias criaram um outlet dentro da própria loja. No subsolo, fica um espaço reservado a quem não quer saber de tendências, mas de grandes achados. ;Com isso, ganhamos uma clientela nova, que adora a ponta de estoque.; E, claro, como toda mulher vaidosa que se preze, nenhuma entra sem dar uma espiada nos pares que acabaram de chegar das fábricas.
Mais ousado ainda foi o empresário Fernando Japiassu. Há um ano, ele criou uma loja com perfil de outlet para vender suas peças fitness e moda praia, que produz há mais de 10 anos. Um lugar onde tudo custa no mínimo 50% do valor que estava em uma das suas lojas durante a estação. Foi uma forma de vender a preços mais baratos as peças de fabricação própria que não acabavam com o fim da coleção. ;Antes, a gente vendia os modelos para malhar em feiras temáticas, mas não tínhamos para onde levar as peças moda praia. Com o oulet, vendemos as peças separadamente e as pessoas compram os itens para fazer conjuntos, por exemplo.;
A etiqueta do ;de tanto por tanto; é de fato um atrativo para o consumidor. Mas, para que a economia não seja atropelada e a concorrência prejudicada por lojas que liquidam no auge da estação, o consultor de varejo Alexandre Ayres aponta os bazares, realizados em parceria com várias marcas, como uma alternativa eficiente para vender mercadoria a baixo custo e ainda ter lucro. Na prática, é quando shoppings ou empresas reúnem diversas lojas com o marketing de queimar estoques passados. Isso mostra que se trata de uma ação específica e temporária. Sem falar que a divisão do ônus para divulgar o evento faz com que o lojista reduza os custo e possa melhorar ainda mais as ofertas. ;A queima de estoque bem feita não pode competir de maneira predatória com a coleção, nem criar a doutrina no cliente de esperar para comprar quando o preço abaixar;, alerta o especialista.
É justamente isso que pretendem as duas dezenas de lojistas que participam do Bazar de Moda da Revista do Correio, no Pontão do Lago Sul, em 18 e 19 de setembro. Unir marcas para atrair consumidores apaixonados pelas etiquetas ;Sale;.

Bagatelas compartilhadas

Fã de uma promoção, Andréa Hypólito divulga pela internet bazares, brechós e garage sales da cidade

Também foi pela internet que a empresária Andréa Hypólito, 24 anos, encontrou o meio mais eficiente para trocar informações de bazares e liquidações na cidade. Ela sempre adorou organizar seus próprios bazares em casa. Revendia peças usadas e novas para as amigas e para as amigas das amigas. Era uma forma de renovar o visual e de se desfazer do que entupia o guarda-roupa. Para divulgar a feira de descontos pessoal, criou o twitter Vai ter bazar. Agora, ampliou a linha de ação. Não só divulga pela rede social os eventos de bagatelas que organiza como qualquer outro que encontra pela cidade. ;Se vejo um placa de bazar, brechó, garage sale, divulgo na internet;, explica a jovem, que pretende prestar um serviço de agenda de consumo barato na cidade.
Isso porque ela própria ama pechinchar. ;Toda mulher tende a ser ansiosa e quer comprar. Eu aprendi a me controlar muito e só comprar quando o preço estiver valendo a pena.; Volta e meia, passa em uma loja, namora uma peça e diz: ;Só volto quando entrar na liquidação;. Se ouve da vendedora uma tentativa de convencimento como ;só tem esse;, ;até lá não terá mais esse modelo;, Andréa não volta atrás. ;Vou ter que lidar com essa frustração;, conforma-se.
De tão organizada e contida, a empresária reformou o armário do marido na última liquidação. Com papel e caneta, fez as contas. Tudo que ele precisava para dar uma repaginada custaria uma média de R$ 7 mil. Andréa o orientou a esperar os descontos. As mesmas compras saíram por R$ 4 mil. A moça ainda aproveita as ofertas constantes para comprar lembrancinhas e presentes para os amigos e para a família. O agrado sai mais barato e o bolso agradece.

Quanto vale o usado?
Uma das alternativa para quem deseja pagar mais barato por roupas, sapatos e acessórios são os brechós. Peças de outrem, ainda com etiquetas ou pouco usadas, saem muito mais em conta do que na loja. É só não ter preconceito e garimpar. Procurar aquilo que não sai da moda, que está em excelente estado, que você sonhou e não pôde comprar na época em que ela brilhava ; e valia ouro ; na arara do shopping.

Loucas por compras; baratas
Andréia Cordeiro se orgulha dos seus achados: ela gosta de aliar qualidade e preço justo As amigas Carol Almeida, 28 anos, Ana Paula Caldas, 29, Yara de Sá, 34, e Isabella Pimenta, 30, são bem sucedidas no trabalho, bonitas e bem vestidas. Vaidosas demais e um tanto consumistas. Adoram roupas, sapatos, perfumes, maquiagem e acessórios. Mas gostam de pagar um preço justo por tudo isso. Assim, elas criaram uma rede vigilantes de descontos, promoções e bons negócios. Se uma descobre uma liquidação, avisa para as demais.
Carol é uma das que mais viaja pelo mundo. Aproveita os preços no exterior para pagar a metade do que pagaria aqui. As amigas têm a chance de fazer as encomendas. Yara e Ana Paula estão sempre ligadas nos blogs e site com dicas promocionais. Isabella avalia valores. Atualizada, conhece o preço do que está na loja, o câmbio do dólar e, quando vê algo mais barato, já sabe ao certo se o negócio vale a pena ou não.
De tão apaixonadas pelo consumo, essas amigas costumam ir aos Estados Unidos e à 25 de março, em São Paulo, em busca dos melhores preços. Vão juntas. Se programam antes de sair de casa, sabem até o dia dos queimões e descobrem os melhores outlets e ofertas do destino. Aí, é só se esbaldar e gastar mesmo.
Outra que se orgulha das belas aquisições feitas em promoções é a funcionária pública Andréia Cordeiro. Ela assume que só consome moda barata. Quer dizer, com qualidade e a preço justo. Sua filosofia é: ;Por que pagar R$ 120 se posso pagar R$ 60?; O armário é lotado de pechinchas. A bolsa de couro de R$ 30, a peça da Forum por R$ 70 e o vestido longo que de R$ 700 saiu por R$ 170. Como ela consegue isso? Batendo perna.


Karen Castro mantém no subsolo da sua loja um outlet para atender quem não se importa com tendências, mas ama um achadoAndréia é do tipo que não pode ver uma placa escrito ;SALE; que entra no lugar. Gostando ou não da loja, conhecendo ou não a marca. Vai que é justamente ali que encontrará um vestido lindo por poucos reais? Sua tentação são os sapatos. Se tem algum que ;conversa com ela;, como brinca, namora e espera abaixar a cifra. ;Mas se me dizem que é o último, não resisto. Compro mesmo;, entrega-se.

Conselhos preciosos
Garimpar. Esse é o termo que a administrador Andréa Pires, 50 anos, mais conjugou quando morava em São Paulo, o lugar onde pipocam brechós, feiras e outlets. De lá, trouxe a experiência de como pechinchar e, por hobby, ajuda as amigas a encontrar boas liquidações e fazer um planejamento antes de torrar tudo. Ela mandou algumas dicas para o leitores da Revista também. Anote:
- Garimpar requer foco e isso só acontece se você sabe o que quer. A indecisão leva ao consumo exacerbado e à sensação de não ter se realizado. Sabe aquelas pessoas que compram, compram e chegam em casa arrependidas? Elas mal se conhecem. Por isso, é importante criar uma referência e construir um estilo. Você pode encontrar ideias em blogs, jornais, revistas e eventos de moda.
- Tire um dia para bater perna, mesmo sem estar na época de comprar. Ver vitrines é um excelente exercício para conferir se suas referências estão adequadas. Aproveite para pesquisar as tendências.
- Se conheça. Entenda seu momento de vida e construa um estilo. De acordo com a sua rotina (trabalho e atividades), procure aquilo que lhe agrade e misture para ver se combina com você.
- Faça um levantamento de suas necessidades. Avalie o que tem no armário e o que gostaria de ter. Isso leva a uma revisão no guarda-roupa. Faça uma lista das coisas deseja para compor seu estilo.
- Depois, saia para garimpar. Pesquise e visite comércios de rua, veja as dicas de lojas e brechós que têm nos blogs e vá às lojas de departamento, que costumam ser mais baratas.
- Prefira peças atemporais, com bom acabamento, que usará por muito tempo e em várias ocasiões.
- Aproveite a liquidação da estação e escolha itens para usar no próximo ano. Compre na liquidação deste inverno o que for usar nos dias frios de julho do ano que vem.

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