Sempre que nos distanciamos de Brasília, percebemos o quanto a capital guarda particularidades. Seja nos desenhos de Oscar Niemeyer e de Lucio Costa, seja nos de outros arquitetos que ajudaram a traçar a cidade, como Glauco Campello, Nauro Esteves e João Filgueiras Lima (o Lelé). Para olhares treinados, prédios e casas residenciais guardam valor semelhante ao de muitos monumentos históricos. Para compreender a importância dessas construções, propomos uma volta no tempo.
Começaremos pela década em que a arquitetura brasiliense se solidificou: os anos 1970. Mostramos nas próximas páginas uma casa no Lago Sul e um apartamento na Colina Nova que se mantêm como referência de uma época.
Eram anos de chumbo. Em 1969, o Brasil passa a ser presidido por Emílio Garrastazu Médici, responsável período mais duro do regime militar, mas também pelo milagre econômico. Em Brasília, as construções dos anos 1960, de traços soltos e leves, meio bossa nova (herança da arquitetura carioca), ganham uma referência mais bruta, condizente com o momento marcial. ;Influenciada pelos desenvolvimentos da arquitetura paulista, surge na capital um brutalismo de contornos próprios.
Marcado pela acentuada fluidez entre interior e exterior e pela associação do uso do concreto a elementos leves de fachada, o brutalismo brasiliense faz a conjugação da gravidade paulista com a leveza carioca;, explica Emília Stenzel, professora de arquitetura do UniCeub.
Entre algumas características da fase, observamos prédios vazados constituídos por prumadas: o prédio dentro do prédio. As pilastras imponentes são desenhadas quase como esculturas. Os cobogós, que nos anos 1960 eram mais modestos, ganham desenhos diferentes. Para os desavisados que ainda acham que, nos anos 1970, esquecia-se de pintar as fachadas, o concreto exposto era uma marca registrada, bem como as vigas aparentes ; preservadas até hoje nos apartamentos da Colina, na Universidade de Brasília (UnB).
Desde sempre, os lagos Sul e Norte abrigam construções heterogêneas, embora o estilo colonial fosse combatido pelos arquitetos modernistas. Nessas duas regiões, poucos projetos setentistas sobreviveram aos desgastes do tempo e às interferências de novos moradores. ;São casas de concreto e tijolos aparentes, telhados planos, escondidos, feitos de barro ou fibrocimento, cuja planta apresentava uma geometria bem-definida;, define o arquiteto Paulo Henrique Paranhos, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Distrito Federal (IAB-DF).
Ao mesmo tempo em que a década representou o apogeu do governo militar, revelou um amadurecimento da arquitetura de Brasília. ;Neste período, o concreto é ;verde-oliva;, é autoritário. Os militares investiram pesado para consolidar Brasília. Começam a construção de hospitais, das superquadras da Asa Norte e concluiu-se a construção da Asa Sul . A década de 1970 é a década de ouro no que diz respeito ao investimento na infraestrutura da capital;, arremata Frederico Flósculo, professor de arquitetura da UnB.
Marcas registradas dos anos 1970
Prédios
- Projeção mais magra: profundidade menor dos prédios
- Prumadas
- Apartamentos vazados
- Concreto e vigas aparentes
- Tratamento escultural das pilastras em concreto (nos prédios mais caros, pilastras em mármore)
- Azulejos no pilotis
- Cobogós trabalhados como peça de arte
Casas
- Cobertura de concreto aparente
- Geometria bem-definida
- Azulejos
- Grandes panos de esquadrias
- Telhado escondido e plano
- Tijolo aparente
- Telha de fibrocimento ou barro
- Garagem exposta (sem cercas)
- Caixa d;água aparente