Altos, baixos, gordos, magros, calvos, cabeludos; Características particulares e únicas definem homens e mulheres graças às infinitas possibilidades de combinação genética. Entre tamanha diversidade de rostos e corpos, algumas noções do que é belo se sobressaíram ao longo da história. Neste século 21, no entanto, derrubadas fronteiras geográficas e culturais que impediam o conhecimento de diferentes povos e culturas, o ;diferente; passou a ser um valor estético.
A beleza depende dos olhos de quem vê ; e a ausência dela também, como atesta o escritor Umberto Eco. ;O feio é relativo aos tempos e às culturas, o inaceitável de ontem pode ser o bem aceito de amanhã e o que é percebido como feio pode contribuir, em um contexto adequado, para a beleza do conjunto;, analisa o autor em História da feiúra (Ed. Record).
Isso explica o fato de mulheres de cabelo comprido, corpo esguio, seios fartos e olhos claros dividirem atenção com mulheres tatuadas, de dentes separados, de seios pequenos e corpo musculoso ; características que até 20 anos atrás não seriam tão atraentes. Da mesma forma, homens altos, de corpo atlético, traços fortes e cabelo curto atraem tantos olhares quanto aqueles de baixa estatura, cabelo bagunçado (ou calvos), barriguinha charmosa ou magreza evidente. Estaríamos passando por uma fase em que, segundo Eco, ;feio e belo seriam duas opções possíveis a serem vividas de modo neutro;.
Na ficção, belos e perfeitos ditam as regras. Esse é o caso da saga Feios (Ed. Galera), bestseller absoluto nos Estados Unidos. No enredo, Tally Youngblood é considerada feia, mas isso não parece ser um dilema para a adolescente. Assim que ela completar 16 anos, o governo presenteará a jovem com uma operação plástica. A história, que em 2011 estreia nos cinemas, é do norte-americano Scott Westerfeld. Ao fazer uma crítica social disfarçada de ficção científica, o autor disseca o comportamento de jovens ávidos por intervenções estéticas e explora o preço pago pelo desejo de ser ;perfeito;.
Isso porque a noção de beleza ainda está ligada à ideia de simetria, de perfeição. Tal conceito sempre foi explorado por artistas ; na proporção áurea ; quanto por cientistas. Mas para o físico Marcelo Gleiser, em seu último livro Criação imperfeita (Ed. Record), a origem da vida depende de uma equação diferente: da existência de assimetrias. ;É o imperfeito, e não o perfeito, que deve ser celebrado. Como no famoso sinal de Marilyn Monroe , a assimetria é bela precisamente por ser imperfeita;, argumenta. O físico ainda defende a necessidade de uma mudança de parâmetros da ciência. ;É hora da ciência mudar, deixando para trás a velha estética do perfeito que acredita que a perfeição é bela e que a ;beleza é verdade;.;
Na prática, queixas quanto a padrões de beleza promovem um grande número de buscas por atendimento psicológico. No consultório da psicóloga Alessandra Fonseca, homens e mulheres na faixa dos 25 aos 30 anos são os pacientes que mais relatam esse tipo de problema. ;Isso afeta pessoas consideradas bonitas e ;feias;. Ou seja, a questão está muito mais associada à autoconfiança, à autoestima, à forma como me vejo diante do mundo;, observa. Segundo a especialista, a partir do momento em que a pessoa percebe atributos, comportamentos e atitudes próprias, esse conjunto de fatores ganha mais valor que a aparência física. ;No final das contas, o ;feio; é um padrão que depende de um referencial.; Será que, então, a fronteira entre belo e feio ainda faz sentido?
Uma questão de atitude
No cinema, na música ou na moda, a diversidade de biotipos torna-se cada vez mais democrática. Basta notarmos algumas divas da música atual como Lady Gaga e Amy Winehouse. Ambas tornaram-se belas seja pela excentricidade, caso da primeira, ou pelo estilo retrô, moda ditada pela britânica. A ordem é ter atitude, independentemente do tipo físico. Vale até fazer pose para blogs de moda de rua ou participar de agências de modelos nada convencionais. Caso da agência londrina Ugly Models. No casting da empresa, cerca de 900 modelos dividem-se em categorias que prezam pela ;beleza incomum;. São homens e mulheres muito tatuados, intelectuais, motociclistas ou mesmo, donas de casa.
Na capital paulista, um projeto parecido também tinha como objetivo mostrar o bonito fora das convenções. Criado pelos fotógrafos Felipe Lopez e Marcel Nascimento, e pela produtora Luana Vianna, o Ugly People Studio entrou em cena no ano passado e repercutiu na mídia. O objetivo da equipe era fotografar pessoas narigudas, altas, baixas, gordinhas ou magras, mas estilosas acima de qualquer suspeita. ;O nome ugly (feio em inglês) pode ser considerado uma brincadeira com esse padrão de beleza que faz com que os outros sejam chamados de ;diferentes;. Mas diferentes do que? Do que é imposto pela mídia?; , questiona Felipe.
Para o pesquisador Umberto Eco, cinema, televisão, revistas, publicidade e moda ainda propõem modelos de beleza que não são tão diferentes dos antigos (referentes à Antiguidade Clássica). ;Tanto que poderíamos imaginar os rostos de Brad Pitt ou de Sharon Stone, de George Clooney ou de Nicole Kidman retratados por um pintor renascentista;, destacou o autor em História da feiúra. Fundamentais neste contexto de padronização da beleza, os jovens seriam responsáveis pela mudança de alguns parâmetros. ;Os mesmos jovens que se identificam com tais ideais (estéticos ou sexuais) são também fãs ardorosos de cantores de rock, (;) maquiam-se, tatuam-se, perfuram-se as carnes com alfinetes para ficarem mais parecidos com Marilyn Manson do que com Marily Monroe;, arremata o escritor italiano.
Leia a íntegra desta matéria na edição 282 da Revista do Correio