postado em 29/10/2010 11:59
Pelo som da campainha, deveria ter entendido que o dia tinha terminado com um acontecimento inesperado. Um som tímido, fraco, somente um anúncio.Certamente não era um amigo: nenhuma das pessoas com quem me relaciono é assim tão educada. Talvez pudesse ser uma visita dos Testemunhas de Jeová, ou mesmo o Padre para a benção de Natal. Os Hare Krishna seguramente não seriam. Eles são mais barulhentos, com todos os seus cantos e os pandeiros.
- Oi, Ana, estou incomodando? Passava por aqui, e então...
Certamente muito mais agradável que o Padre ou os Hare Krishna, a visita de minha irmã não era, todavia, menos inesperada...
- Claro que não incomoda: mas que cara é essa... perdeu seu gato?
- Perdi Alberto...
- Onde?
- Onde? Sei lá! Foi-se embora, largou-me, escafedeu-se... de que outra forma se poderia dizer? Continuo a repetir para mim mesma, mas não consigo colocar isso na minha cabeça.
- Bem, você pode dizer: "Me dispensou! Encheu-se definitivamente de mim"
- Obrigadíssima, irmãzinha! Fiz muito bem em vir aqui para procurar um pouco de conforto, de uma pessoa tão sensível como você...
- Só tentava fazer com que você assumisse o fato: você me perguntou como dizer, não foi? De qualquer forma, vem e me conte o caso todo na cozinha, enquanto eu preparo uma torta salgada para levar esta noite ao jantar na casa do André. Como você deve saber, estamos nos aperfeiçoando para o concurso de dança da próxima semana.
Indo para a cozinha, procurei absorver a notícia e entender melhor o que acontecia. Será possível que todas as histórias de Sara terminam sempre da mesma maneira? Foi assim com o Lucas, dois anos antes, ele "se encheu definitivamente" dela, como também tinha acontecido com o Giovanni, antes ainda. Seria minha irmã assim tão chata?
Ela olhava um pouco desambientada ao redor da cozinha, como se visse pela primeira vez a minha ilha com os banquinhos altos. A expressão era de um leve mal-estar. Pensei que fosse o meu CD de Bossa Nova. Abaixei o volume.
- Como você cozinha bem, disse ela. Eu não consigo nem comer... Não consigo pensar, trabalhar... Não consigo sequer chorar! E pensar em quantos litros e litros de lágrimas ainda tenho de verter.
- Olha, se é de choro que você precisa, veio exatamente ao lugar certo: tenho um quilo de cebola para descascar e cortar em pedacinhos bem pequenos, só para começar. Vamos: pegue a faca, e aqui estão as cebolas.
Se a ideia por si só era boa, o resultado foi, espetacularmente, além das expectativas. Já na segunda cebola os olhos dela estavam cheios de lágrimas, na quarta, o nariz estava congestionado. Apesar disso, não parava de falar entre uma fungada e outra.
- Aconteceu de maneira repentina, de um dia para outro: e quem poderia imaginar? Todos diziam que éramos um casal invejável, perfeito...
- Perfeito? Fala sério! Já na primeira olhada dava para entender que vocês eram mal resolvidos, mal ;amalgamados;. Ele alto, você nanica; depois de conhecermos melhor os dois, as incongruências saltavam ainda mais aos olhos: você elegante, alegre, culta, e ele... bem....
- Resumindo, digamos a verdade: todos sabem que você não podia nem ver o Alberto. Ele, ao contrário do que você pensa, era sensível, doce, carinhoso e...
- Em primeiro lugar, o Alberto não "era". Ele apenas largou você, não está morto! Pelo contrário, seguramente está vivo e vivendo, só que em alguma outra parte bem longe daqui.
- Se você quer saber, posso até imaginar onde estará... Lembra-se daquela colega dele com quem fomos a Londres no ano passado? Banal...
Não entendi bem se a banalidade era uma característica própria da colega de Alberto ou se banal para minha irmã era a "escapada", com uma companheira do escritório.
Talvez Sara se referisse à história em si mesma, porque, de fato, o cenário se repetiu várias vezes, com pouquíssimas variantes, também no caso de Lucas. Já na época do Giovanni, ao contrário, a verdade nunca chegou a ser descoberta, ao menos pela família; talvez se tratasse, banalmente, da mesmíssima história. De qualquer maneira, me parecia que, lentamente, as lágrimas estivessem por terminar.
Agora se preparava para entrar na fase do furor cósmico. As cebolas escorriam sob seus dedos, enquanto a faca avançava no ritmo da música.
Decisão, determinação, raiva: naquelas mãos velozes começava a reconhecer a Sara de sempre, mesmo se de vez em quando, quase escondida, sacudia ligeiramente a cabeça, em silêncio, como se a discussão sobre Alberto (talvez com Alberto) continuasse somente dentro de si mesma.
- Terminei! Agora me sinto melhor. Finalmente sem choro... e chega o momento da vingança: quero colocar essas cebolas na panela, com minhas mãos, e vê-las murchar, enrugando-se e dobrando-se todas na dança do fogo; você vai ver como bem rápido vão perder toda a soberba e ficarão dóceis, moles e inertes.
- Então, vá e coloque todas no fogo, mas sinto lhe dizer que não será tão rápido quanto você disse, porque precisamos usar fogo baixo e um pouco de manteiga. E não esqueça a tampa. Vão ficar prontas em uma hora, exatamente o tempo que se precisa para fazer a massa folhada.
- Tem razão, mana. Na cozinha, como na vida, precisamos de paciência....
Agora a voz estava cansada, os ombros baixos e as costas encurvadas; o moral voltava a cair vertiginosamente.
Todas as vezes que tínhamos visto terminar uma história de Sara, em família, tínhamos vivido esses altos e baixos com ânsia e terror. Agora, no entanto, o meu terror era o de recomeçar a ouvir a apologia de Alberto.
Enquanto meu cérebro, confuso que estava, procurava rapidamente qualquer assunto um pouco mais interessante ou qualquer coisa que a pudesse fazer passar o tempo, ela já largava na minha frente.
- Veja, retomou ela, é que sem ele a vida se torna repentinamente vazia! Estão vazios o armário, o cabide do banheiro e vazias a cama e a geladeira...
- Me desculpe, Sara, mas a geladeira estava vazia mesmo antes do acontecido... Não se lembra como ele a esvaziava? Parecia que tinha uma solitária, até quando vinha aqui. Uma coisa que sempre me deixava louca era vê-lo entrar na cozinha antes do jantar e ficar cheio de curiosidade: abria todas as panelas, metia os dedos em cada prato, provando daqui e dali. Fala sério! Você tem que admitir que ele é invasivo e um pouco mal-educado.
- Por nada deste mundo o teria escolhido para mim. Sei muitíssimo bem que não era adaptado "para os seus gostos".
Seu tom de voz voltou a ser cortante, invejoso. Era melhor começar logo com o preparo da massa folhada, se não ela ia querer iniciar uma briga.
Depois de pegar uma tábua, mal tinha eu começado a fazer a massa com um pouco de manteiga meio mole e um copo de vinho branco, e ela já estava pronta para recomeçar tudo, enquanto com um movimento imperceptível dos olhos, fixamente para frente e para trás, olhava o rolo de abrir massa.
- Ele sempre me acusava de não nos envolvermos suficientemente com nosso amor... "Não importa se você usa margarina ou manteiga na massa folhada, o importante é que faça com amor" Eu não entendia bem. Para mim, o importante é a energia dos braços que vai fazer o movimento certo do rolo de massa. Agora, olhando para você, entendo o que o Alberto queria dizer. Você me escuta, mas uma boa parte do seu coração e da sua cabeça está lá, na massa. No seu movimento há ritmo e paixão. Agora entendo o que queria dizer. Ele também amava alguns ritos na cozinha: o preparo, a espera, o silêncio e a concentração. Dizia que, para se chegar ao equilíbrio perfeito dos sabores, era necessário escutar, observar, cheirar e tocar. Somente em último caso provar, quase como se o gosto fosse o sentido menos importante na cozinha... "Precisamos deixar aquele prato bem espertinho para a mesa", dizia ele com ar divertido.
Agora Sara parecia falar consigo mesma, e eu estava calada. Chega de jogos, alfinetadas e sarcasmo. Era preciso reconhecer, porém, seu mérito. Aquele Alberto adivinhava as coisas. Se não com explícita aprovação, ao menos com o silêncio. Silêncio aprovado.
No entanto, o rito do folhado tomava forma: estendido o retângulo, fiz as clássicas três dobras do tipo "livro" e o coloquei para descansar por meia hora. Depois, novamente estendi a massa folhada, e adicionei sobre ela a manteiga mole e, outra vez dobrei e a recoloquei na geladeira. As dobras da massa foram viradas repetidamente por seis vezes. Ao final, o folhado estava pronto para ser estendido na fôrma e ser furado com pequenos buraquinhos.
Agora Sara ficou pensativa.
- Não sei se é mais chato repetir essas dobras para fazer que a massa folhada fique encorpada ou a espera interminável para que estas cebolas percam toda sua arrogância.
- Esta torta salgada é uma tentativa chatíssima de modificar o caráter das coisas com um põe e tira, põe e tira...
- Encare como um lento percurso para amalgamar sabores diversos. De cada um deles se deve poder distinguir a individualidade, mas ao mesmo tempo todos deverão se fundir em um encontro único. De qualquer modo, e lembre bem, esse raciocínio é válido somente na cozinha. Então, veja se não vai tirar o Alberto de novo para dançar, que nesse caso não tem nada a ver, e quem vai acabar dançando é você.
Sem me dar conta, tinha levantado a voz; uma coisa totalmente fora de propósito. Por sorte Sara, conhecendo-me bem, tinha entendido, fez pouco caso e passou por cima.
- Está bem, irmãzinha, entendi o recado. Vamos lá, porque não estou com vontade de ficar de mãos abanando e só olhando você: me deixa fazer alguma coisa.
- Se você quiser, pode se dedicar ao recheio: deve bater ligeiramente três ovos com uma lata de creme de leite, um pouco de sal, uma boa quantidade de pimenta-do-reino triturada; depois junte as cebolas quando estiverem frias após terem sido refogadas, usando uma colher de sopa. Você vai encontrar tudo na geladeira e no armarinho amarelo.
Quando começou a bater os ovos, já me parecia mais serena. Os olhos sorriam, os lábios... bem, os lábios pelo menos não tinham aquele biquinho de bebê chorão, parecendo uma ruga para baixo, uma sad face, que na boca de Sara irritava-me de maneira despropositada. O seu rosto não a merecia. Nunca.
- Sabe que fazer recheios sempre me deixa de bom humor? Quando começa a dar consistência, emite sons todos seus, parece que tem vontade de me dizer alguma coisa, de falar comigo.
- Escute Sara, tudo bem que Alberto deixou você, mas começar a falar com o recheio me parece um pouco demais...
- Não. Pare de me gozar! Além do mais, por um momento eu não tinha o Alberto na cabeça... Pelo contrário, estava pensando naqueles momentos em que a mamãe nos fazia misturar o recheio. Você lembra como a gente ria? Mexendo bastante com o garfo, tentávamos fazer com que o recheio fizesse uns barulhos indecentes, e ela ficava brava! "Não se brinca com a comida! Cozinhar é uma coisa séria" Você realmente é igualzinha a ela.
De repente me sentia velha e chata, rabugenta... Que peso ser a irmã mais velha, a mais racional e sensata, aquela "com a cabeça sem nenhum buraco". Que saco! (Se é que se pode dizer assim)
E que saco ter a responsabilidade de consolar uma irmã, por causa de um homem que foge, pelo menos duas vezes por ano!
Menos mal que o forno já estava quente: 180; C por 45 minutos e chegaria o momento de dar baixa, por hoje.
André estava esperando por mim e pela minha torta salgada para se juntar ao bufê e à música.
À medida que ela desembuchava as façanhas de Alberto, filtradas pelo coador da desilusão, eu podia sentir a chegada dos primeiros perfumes da torta: as cebolas, tão maltratadas pela Sara, iniciavam a propor a sua delicadeza envolvente, somente contrastada pela determinação austera da pimenta-do-reino, que durante o cozimento deixava transparecer a sua presença mais evidente.
A massa folhada, de sua parte, compunha os contrastes com seu perfume quente, inconfundível... Mamãe realmente tinha razão quando garantia que a cozinha não traía jamais, e encontra sempre o modo de fazer você se reconciliar com o mundo.
Talvez, mesmo para a Sara tinha chegado o momento de acreditar nesse pequenino prazer, para reintegrar-se a uma realidade não necessariamente feita de homens a serem seduzidos e conduzidos a uma estabilidade que não conseguia nunca se tornar real.
- Sabe Sara, notei que você é muito boa na cozinha. Deveria se dedicar mais a esta atividade...
- Tem razão, eu também estava exatamente pensando nisso. Você lembra o que sempre dizia a vovó? "Os homens são pegos pela boca... Coloque-os à mesa e fique segura de que eles não desaparecerão jamais da sua casa" - É... o próximo farei sentar-se à mesa já na primeira noite!
Minha irmã era única, não se desmentia jamais; com essa frase eu já imaginava os próximos choros (com ou sem cebola), a raiva, a desilusão, a incredulidade pela enésima ruptura, por mais uma ferida no coração.
Por sorte, o tempo do forno tinha terminado. O meu antepasto estava pronto para ser levado ao André.
Para Sara, ao contrário, tinha chegado o momento da baixa!
- Até a próxima, irmãzinha... e prometo a você que será para a torta... nupcial, em vez da de cebola!
Sara, a incorrigível: na minha cozinha existiria sempre um lugar para ela, para suas tortas e... para as suas lambanças. Até o dia que se decidisse a aprender a cozinhar. Sozinha.