A moda sempre foi para poucos. Antigamente, os desfiles de alta costura eram apresentados para convidados exclusivos e as notícias sobre o que acontecia nas principais passarelas ficavam restritas às revistas especializadas. Hoje, blogs, sites e portais de notícias disseminam uma quantidade imensa de informações a respeito de tudo o que ocorre no mundo fashion. E, se Hermés, Balenciaga e Balmain ainda são sonhos de consumo para a maioria, o que essas e outras marcas vendem pode ser visto, copiado e, sobretudo, desejado por consumidores que nem de longe podem ser considerados elite. Com acesso a informações sobre moda, mesmo quem não tem muito dinheiro ficou mais consciente sobre o que gostaria de vestir.
No mundo, esse fenômeno resultou nas redes fast-fashion. Marcas europeias copiavam o que se via exclusivamente nas passarelas e vendiam em larga escala a preços modestos ; 15 euros por casacos, 5 euros por saias. Assim, as tendências, antes restritas às elites, começaram a aparecer nas ruas em uma velocidade muito mais rápida. No Brasil, essas redes ainda não viraram uma febre. Mas isso é questão de tempo. Aos poucos, tradicionais magazines, como Renner, Lojas Marisa, Riachuelo e C estão investindo em moda. Além de fechar parcerias com nomes de peso, esses estabelecimentos têm montado uma equipe de compra e criação conectada aos principais bureaus de tendência. Quase na mesma dimensão que as grandes redes do mundo: Zara, TopShop e H.
Pode-se considerar uma série de fatores quando se analisa a recente aceleração do fenômeno no Brasil. Mas a ascensão da classe C à posição de grupo com o maior potencial de consumo do país é determinante. Hoje, esses trabalhadores recebem entre R$ 1.126 e R$ 4.854 e representam 50,5 % da população e 45,66% do poder de compra -- maior que os 44,12% das classes A e B. Além disso, são vorazes consumidores de informação. ;O pessoal de baixa renda está ansioso para consumir moda;, analisa o presidente da Riachuelo, Flávio Rocha.
;O desafio é criar roupas para um público sem orçamento para consumir moda, mas que tem acesso à informação sobre moda;, pondera. ;A classe C consome fast-fashion em grande quantidade, e não se preocupa se a peça tem qualidade e durabilidade;, explica Emerson Otsuka, coordenador do curso de Negócios da Moda da Universidade Anhembi Morumbi.
Luxo para muitos
Cientes do potencial de consumo das classes C e D e do aumento desse desejo por moda, as empresas de fast-fashion brasileira antecipam os desejos do mercado, que, quem diria, acabam atingindo em cheio também os consumidores das classes A e B. Para conseguir tal façanha, as grandes magazines correm atrás de estilistas consagrados para firmar parcerias. As marcas contratam um designer, que desenha uma coleção exclusiva. Os produtos são mais simples, de material mais barato e produzidos em larga escala. As peças chegam às lojas com uma grande estratégia de divulgação. Em alguns casos, há filas no dia do lançamento. ;A ideia é dar condições para todos os brasileiros se expressarem por meio da moda;, justifica Flávio Rocha, presidente da Riachuelo.
As parcerias não resultam em uma linha com a mesma qualidade e inovação das marcas originais. Mas estão longe de serem comuns e sem graça. ;É uma oportunidade para as classes C e D ter acesso a peças de design legítimas;, argumenta Oskar Metsavaht. O estilista fechou a mais recente parceria brasileira com a Riachuelo. ;Fiz uma coleção pensando na Classe C, mas acho que os fashionistas vão gostar;, explica. Oskar é conhecido, entretanto, por desenvolver tecidos, o que encarece os seus produtos. Na coleção para a Riachuelo, ele teve que usar materiais mais simples e trabalhar com design para criar um estilo.
;Todo designer quer que suas criações sejam usadas por todo mundo. Eu, felizmente, consegui baratear a minha produção sem afetar a qualidade do meu design;, colocou o estilista. Oskar nega que seja uma versão mais barata das suas criações na Osklen. Mas as semelhanças não podem ser ignoradas. Se é válido do ponto de vista fashion ou não, não importa. ;Não é o Oskar que está se popularizando é o cliente Riachuelo que está cada vez mais chique;, conclui o presidente da Riachuelo, Flávio Rocha.
Grandes parcerias
Ney Galvão para Riachuelo
Nos anos 1970, a Riachuelo fechou uma das primeiras parceria entre a moda e as magazines. O estilista baiano Ney Galvão desenhou vestidos de festa e tops. Mas a coleção foi recebida com muitas críticas, pois não ;ficava bem; um ícone da alta-costura, como ele, fazer moda popular.
Karl Largenfeld para H
O estilista da Chanel, Karl Largenfeld, sempre foi um lançador de tendências. Tanto de moda como de mercado de moda. Ele foi o responsável pela primeira parceria nesse estilo a alcançar fama mundial. Em 2004, fez uma coleção para a H, que acabou nos primeiros dias, causando revolta no estilista. A rede se recusou a reeditar a coleção e a parceria acabou. Chegaram a vender peças a preços caríssimos em sites de leilão on-line.
Kate Moss para Top Shop
Não existe uma pessoa que goste de moda que não considere Kate Moss um dos principais ícones fashion do mundo. Por isso, quando foi anunciada, em 2007, a parceria entre a modelo e a rede inglesa Top Shop houve um frisson internacional. Na primeira coleção, Kate pegou as peças favoritas do seu guarda-roupa e as colocou nas araras. Para divulgar a coleção, ela ficou de manequim na vitrine da loja em Oxford Street. Depois de três anos, entretanto, foi decretado o fim da parceria. Já estão nas lojas e no site oficial a última coleção da modelo para a rede.
Lanvin para H
No início de setembro, começaram os boatos que Alber Elbaz, um dos maiores estilistas da atualidade, iria fazer uma coleção para a fast-fashion H. Elbaz é o nome por trás da maison Lanvin, que tem feito sucesso com os seus vestidos bufantes, com babados e de um ombro só. A coleção está prevista para chegar às lojas em 20 de novembro, nos Estados Unidos, e 23 de novembro, na Europa. A promessa é de causar um frisson nas lojas. ;Foi um grande exercício para mim entender qual era a relação da alta moda com o fast-fashion. Noventa por cento das mulheres não podem comprar Lanvin, então vamos deixá-las ter um gostinho;, explicou o estilista à Vogue.com.
Oskar Metsavaht para Riachuelo
No dia 16 de novembro, a coleção de Oskar Metsavaht para a Riachuelo chega às lojas. O estilista é diretor criativo da Osklen e se tornou um dos maiores nomes da moda nacional. Hoje, uma roupa sua é objeto de desejo de jovens de diversas classes sociais. A coleção que ele desenhou para a magazine brasileira é cheia de clássicos da Osklen: o tênis, calça saruel, camisetas e vestidos longos. São 100 peças, entre roupas e acessórios masculinos e femininos, que custam entre R$ 29 e R$ 250.
Isabela Capeto e outros para a C
A C foi além das parcerias convencionais. A marca convidou a estilista carioca Isabela Capeto para desenhar uma coleção infantil. As primeiras peças foram lançadas em 2009, foi uma linha dedicada apenas as meninas de 1 a 10 anos. Esse ano, ela lançou uma segunda coleção especial para o dia das crianças. Dessa vez com uma coleção para meninos também. São calças saruel, saias balonê, vestidos de camadas, calçados, roupa de banho e acessórios. A linha é um sucesso de venda.
Na contramão
Exatamente por sempre ter sido elitista, a indústria fashion incita desejo. A fórmula é simples: o preço exorbitante faz com que certas marcas sejam acessíveis a poucos, despertando um sentimento de satisfação em quem pode comprar e uma vontade em quem não pode. O resultado? Tais empresas viram marcas valiosas. Com o crescimento da economia e o impulso ao consumo, essas marcas angariam novos clientes. Isso ocorre hoje no Brasil.
A classe C brasileira sempre consumiu muita moda, mas era restrita ao varejo popular. Com a ampliação do poder de compra, ela começou a transitar por lojas que antes estavam distantes de seus orçamentos. Algumas lojas, que querem aumentar suas vendas na classe C, aproveitam-se dessa tendência e ampliam seu mix de produtos básicos para agradar a todos os públicos.
Mas outras marcas, que são ícones mundiais do consumo de luxo, temem popularizar demais suas linhas e perder seus consumidores fiéis. ;Acredito que as marcas devem se manter no mesmo patamar de origem para que não percam identidade e atratividade;, argumenta Emerson Otsuka, coordenador do curso de Negócios da Moda da Universidade Anhembi Morumbi. Pensando nisso, algumas empresas costumam aumentar os preços quando seus produtos ficam muito populares. É o caso da bolsa 2:55 da Chanel. Em seis meses, a grife anunciou dois aumentos, o primeiro de 20% e o segundo de 15%. Tudo para manter-se no patamar de sonho de consumo para clientes com menor poder aquisitivo.