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Adeus forçado

Em alguns casos, os donos se veem obrigados a sacrificar seu animal de estimação para acabar com o sofrimento causado por alguma doença. A decisão sempre é difícil

postado em 21/12/2010 19:41

Carolina Samorano // Especial para o Correio

Lá se vão três anos desde que o analista de sistemas Guilherme Ávila, 51 anos, e a mulher, Maria de Fátima Torres, 47, despediram-se da rottweiler Mia. Como nenhuma amizade de três anos termina sem uma pontinha de dor, principalmente se a separação se dá para sempre, os dois ainda se emocionam ao lembrar o dia em que ela morreu. "Só de falar eu fico triste", começa Guilherme. Mia tinha 3 anos quando foi diagnosticada com leishmaniose. Mesmo com o exame acusando uma quantidade alta de leishmanias no sangue da cadelinha, ela não esboçava nenhum sintoma da doença. Continuava a correr pelo quintal e a fazer festa para os donos com a mesma energia. O diagnóstico, no entanto, não deixava muitas opções além da eutanásia, pelo bem da família e dos vizinhos ; muitos crianças e idosos. "Foi traumático ter que tomar essa decisão, principalmente porque ela estava bem", lembra Maria de Fátima. "O sentimento é de traição", resume Guilherme, com a voz embargada.

Maria de Fátima com a foto de Mia: sacrifício por causa do diagnóstico de leishmaniose

Casos como o de Fátima e Guilherme de encarar a eutanásia ; ou a morte assistida ; do bichinho devido a complicações e doenças não são assim tão raros. Quando o animal adoece e começa a apresentar mais sinais de sofrimento e dor do que o olhar de travessura e o rabinho agitado, pode ser hora de prestar um último cuidado ao amigo e optar pela injeção letal. Segundo o médico veterinário Eduardo Lima, os casos mais comuns que terminam numa dolorosa eutanásia para os donos são os de câncer terminal e de leishmaniose, como aconteceu com Mia. Embora o animal não sinta nada no procedimento, que não dura mais que cinco minutos, a dor da despedida quase sempre deixa marcas nos donos que demoram a sarar. "Como em muitos casos os animais já são velhinhos, são histórias de quase 15 anos de companheirismo que terminam ali, famílias que consideram o animal um filho. Até nós, veterinários, acabamos nos envolvendo", relata Eduardo.

O caso de Mia, que não apresentava sintomas, foi especialmente marcante para o casal. "Fiz a cova dela um dia antes no nosso quintal, enquanto ela me chamava para brincar. Foi devastador", conta Guilherme. Como, por questões legais, um dos proprietários precisam estar presentes no momento da eutanásia, Guilherme se voluntariou para acompanhar os últimos momentos de Mia. "Escolhi o momento em que todo mundo estaria fora de casa. Ninguém precisava ver aquilo." Só duas semanas depois ele começou a se acostumar com a ideia de não ter mais a cachorrinha por perto. "Ele andava pelo quintal, olhando para o vazio, não falava nada. É duro mesmo, principalmente para quem vê", relembra Fátima.

Geralmente, a indicação para a eutanásia vem do veterinário quando o pet não consegue mais dar conta das necessidades biológicas básicas. "A eutanásia é sempre a última solução. Não se indica o procedimento por nada", esclarece Eduardo Lima. "Normalmente, é quando o animal sente muita dor, não se alimenta mais, não levanta para fazer xixi nem cocô, não consegue mais andar nem beber água sozinho", completa a veterinária Bárbara Lopes. Casos de acidentes, como atropelamentos, que resultam em morte cerebral ou politraumatismos (fraturas e lesões múltiplas pelo corpo) também podem receber a indicação para evitar mais sofrimento para o bichinho.

Eduardo e Bárbara contam que alguns proprietários chegam a pedir a eutanásia dos seus animais por "qualquer motivo". Braveza, desobediência, mudança de casa, doença simples, latidos constantes. Mas, se não há justificativa para a eutanásia ou se há tratamento viável, o veterinário não pode ceder, ainda que o dono insista. "Há um código de ética a ser seguido. Sem indicação clínica não há eutanásia. Veterinário nenhum faz", alerta Bárbara. Além disso, como o procedimento costuma ser mais barato do que alguns tratamentos complicados, alguns proprietários pedem a eutanásia por não poder arcar com os custos dos medicamentos. "Nesse caso, geralmente a gente pega o animal e cuida até aparecer alguém que queira adotar", conta Eduardo Lima.

Depois de ter que optar pela eutanásia para acabar com as dores do dog alemão Bug, companheiro de 12 anos da família, o funcionário público Alberto Peçanha, 59 anos, não pretende ter outro animal tão cedo. Bug já era idoso quando foi diagnosticado com câncer e começou a se debilitar. "Cuidei dele até o último dia em que pude. Depois, ele deitou, não queria mais levantar e, como pesava 80kg, ficava muito difícil levantá-lo dali." O veterinário aconselhou Alberto a sacrificar o velho amigo. "Não foi fácil vê-lo morrer. Como não seria se fosse com uma pessoa", lembra Alberto. "Mas sei que fiz o melhor para ele, pela situação em que ele estava. Faria com uma pessoa também."

Fátima e Guilherme demoraram dois anos para arrumar outra cadelinha depois da morte de Mia. Azar ou não, antes de Mel, a nova cachorrinha, completar um ano tiveram de dar a ela o mesmo destino de Mia. Mel contraiu leishmaniose, mas, ao contrário de Mia, teve os sintomas e logo já demonstrava dor e sofrimento. "Foi duro, mas foi mais fácil porque, nesse caso, sabíamos que era o melhor para ela", conta o casal. "Às vezes, nos perguntamos se não foi castigo por termos eutanasiado a Mia sem que ela estivesse com os sintomas. Sei que era uma doença grave, mas penso que, se fosse um filho, faríamos qualquer coisa para salvá-lo, e ela era como uma filha", emociona-se Guilherme.

O momento da partida
De acordo com Eduardo Lima e Bárbara Lopes, por mais triste que seja a hora da despedida, o processo é rápido e nem um pouco doloroso para o bichinho. Primeiro, aplica-se uma anestesia geral que seda o animal. "Dependendo do estado físico do animal, só de aplicar a anestesia ele já falece", sublinha Bárbara. Só depois que a anestesia faz efeito é que é aplicada a injeção de cloreto de potássio que leva a uma parada cardiorrespiratória. O procedimento é o mesmo para cães e gatos. "O único sofrimento, que é mínimo, é na hora de pegar a veia, como se fosse para aplicar um soro", avisa Eduardo.

Desde 2008 é proibido o uso da polêmica câmara de gás. A alteração da metodologia foi feita pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária, que indica a eutanásia somente para os casos em que o bem-estar do animal está ameaçado.

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