Jornal Correio Braziliense

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O passado revisitado

A convite do Correio, a chef Delza Leite dá a receita de dois pratos com gostinho de antigamente

Se a arte e a moda não cansam de buscar referências no passado, no campo da gastronomia (também suscetível a modismos) a pegada retrô não chega a ser uma tendência. Especialmente nesses tempos de reinado da cozinha fusion, a favorita dos moderninhos. Mas nem oito nem oitenta. Vira e mexe, abrem na cidade estabelecimentos que tentam reviver outras épocas. São hamburguerias, bares e restaurantes cujo apelo, às vezes, é mais estético do que gastronômico.

Para Delza Leite, responsável pelos deliciosos quitutes do restaurante Panelinha, pensar na comida ;de outrora; é pensar em pratos simples, saborosos e preparados com ingredientes não industrializados. ;Antigamente, ninguém tinha acesso a creme de leite, por exemplo, então as receitas levavam nata. Desde o bolo à carne de sol com maxixe, tudo era feito com nata. O azeite e o óleo também não eram itens que constavam na nossa dispensa quando eu era menina. Então usava-se banha de porco para biscoitos, feijoada, frituras;, lembra a chef, cuja infância foi no sertão baiano.

A convite da Revista, Delza se inspirou na reedição do Dicionário do doceiro brasileiro (ed. Senac), organizada pelo historiador e antropólogo Raul Lody, para elaborar dois pratos. Publicado originalmente por Antonio José de Souza Rego em 1892, o dicionário é considerado um clássico absoluto de nossa culinária. ;Foi uma delícia folhear esse livro porque me trouxe muitas lembranças.

Foi como voltar ao passado e ver minha mãe, Dona Perolina, e minha tia Balbina preparando um peixe com tamarindo no fogão à lenha. Hoje isso tem cara de alta gastronomia, mas era o que a gente comia lá no sertão;, conta. A forma como o narrador do livro descreve as receitas é uma diversão à parte, com muitas palavras que caíram em desuso e linguagem rimada.

Mas se revisitar o passado foi prazeroso para a cozinheira, adaptar as receitas ao mundo atual não foi nada fácil. Encontrar a nata, por exemplo, é uma tarefa quase impossível. ;Encontrei em um desses mercadinhos mais chiques. Mas é uma nata industrializada, menos gordurosa. Não dá o mesmo ponto, nem o mesmo gosto.

Acho que deixar com o sabor de antigamente é realmente impossível. As panelas antigas, os tachos de cobre, a lenha que mantinha o fogo acesso ; isso dava um sabor diferente à comida;, analisa, mostrando alguns utensílios da cozinha de sua mãe, pendurados na parede do restaurante. ;Tudo era fresco. O leite de coco a gente fazia na hora, ralando o coco sobre um pano, e espremendo o pano para que saísse o leite sobre uma garrafa. O cuscuz também era uma trabalheira só.

Ninguém tinha fubá pronto;, completa. Talvez, por essas e outras ;dificuldades;, a moda antiga não seja tão bem-vinda nas grandes cozinhas contemporâneas. Resta torcer para que alguns costumes ressurjam ; e as novas gerações possam sentir o que é uma comida literalmente fresca.

Carne de sol na moranga

1 moranga média
1 copo de 500ml de nata
2 colheres (sopa) de óleo de milho para untar a moranga
3 colheres (sopa) de óleo de milho para cozinhar a carne
2 colheres (sopa) de manteiga para refogar a cebola
500g de carne de sol
1/2 xícara de chá de salsinha e cebolinha

Como fazer
Lave a moranga e corte, em seu topo, uma tampa redonda. Reserve.
Retire as sementes e passe um pouco de sal na parte interna.
Pincele óleo de milho no exterior da moranga, cubra com papel alumínio e leve ao forno por 50 minutos.
Espete um palito para ver se está macia.
Quando estiver no ponto, espalhe a nata por dentro com uma colher.
Acrescente a carne de sol com cebolinha e salsinha e uma xícara de chá de molho de tomate.
Acrescente o restante da nata e feche com a tampa.
Leve ao forno por 20 minutos.
Sirva com arroz branco.

Tempo de preparo: 2 horas
Rendimento: 3 pessoas



Bolo do Nhonhô

500g de açúcar
200g de amêndoas bem piladas
8 gemas e 2 claras
125g de manteiga
Canela em pó
1 xícara de farinha de trigo

Como fazer

Transforme tudo em uma massa mole e, com ela, faça bolinhos altos, arrumados em tabuleiros polvilhados de farinha. Leve ao forno quente até dar o ponto.
Tempo de preparo: 40 minutos
Rendimento: 8 pessoas



Serviço:
Panelinha Brasileira restaurante
SHCN CL 316, bloco E, loja 20, Asa Norte
Telefone: 3041-5070