Perto da fila do supermercado, um item vermelho chamava atenção de todo mundo que esperava impaciente pela sua vez no caixa. Alguns arregalavam os olhos e automaticamente checavam o preço, outros olhavam com cara de quem achou aquilo, no mínimo, esquisito. A peça em questão é uma releitura da clássica cadeira panton, desenhada em 1968, pelo designer dinamarquês Verner Panton. Ao lado da cadeira, alguns móveis em MDF, itens para churrasco, piscinas infláveis, boias para crianças. Entre produtos triviais, a presença da panton tornou-se prova concreta de como o gosto pela estética vintage se estabeleceu como um hit da decoração. Mesmo fugindo ao seu real conceito ; vintage que é vintage precisa ser, de fato, produzido entre as décadas de 1920 e 1980 ; uma peça antiga (ou com cara de antiga) na sala, agora, é como um pretinho básico pendurado no armário feminino.
Segundo a cenógrafa e designer de interiores Karina Arruda, o retrô é apresentado como tendência, mas é um hábito tão antigo quanto a própria decoração. ;Os antiquários sempre existiram e fizeram sucesso, só que com diferentes públicos. Antes, antiquário era loja de colecionador, agora é point dos mais descolados e entendidos;, afirma. Ou seja, o sonho de consumo atual, para quem realmente gosta do assunto, não é uma televisão 3D ou um sofá que reclina em diversos ângulos, é aquele móvel da avó, de pé palito, feito em laca.
A designer de interiores e de produtos Luciana Colesanti concorda que o momento é favorável ao estilo vintage, mas que diferentemente de outras tendências, ele vem como uma inspiração, um detalhe. ;Na verdade, ele é um elemento a mais. Até quem curte uma decoração mais moderninha sacou que pincelar o moderno com alguma peça de 1950 dá personalidade à casa. E também, se fixar só no estilo vintage vai deixar a casa parecendo cenário de novela de época. O ideal para entrar nessa tendência é ir mesclando móveis mais contemporâneos com algum objeto vintage (luminárias e poltronas), por exemplo;, explica Luciana.
A força dessa tendência é tamanha que as grandes empresas já se atentaram para esse desejo do consumidor. São refrigerantes relançados em garrafinhas retrôs, sabonete com embalagem idêntica a de 1950, revestimento de madeira em linhas vintage, tocadores de MP3 em formato de rádio de madeira, frigobar com cara de geladeira dos anos 1960. Para Ana Cecília de Paula e Silva, gerente de marketing da Whirlpool, tais lançamentos são reflexos de estudos aprofundados do novo perfil de consumidores. ;Esse resgate do retrô vem em um momento onde o mundo é muito moderno. Muita tecnologia, velocidade. As pessoas buscam um resgate às origens. Então, quando a tecnologia surge com essa cara de antigamente, as pessoas se identificam.; Ana Cecília conta, por exemplo, que no lançamento do fribobar retrô da Brastemp esperava que a saída não fosse ser tão grande. ;As pessoas compraram e muitas nem ligaram o refrigerador, pois queriam deixar apenas como item de decoração;, relata.
Para Ricardo Varuzza, designer e especialista em mobiliário da década de 1950, 1960 e 1970, o atual boom do estilo vintage não é uma mera questão estética. ;O móvel tem de fato seus diferenciais. Em termos da qualidade do material, do desenho, da criatividade. Uma marcenaria minuciosa, difícil de achar hoje em dia;, opina. Quando Ricardo começou sua coleção de móveis vintage, ainda nos anos 1980 ; essa, aliás, já era uma atitude supervanguardista na época ; já tinha a certeza de que um dia o valor do vintage seria reconhecido. ;Acho que estamos nesse momento agora, no ápice. O vintage não é só objeto de desejo dos moderninhos. Todo tipo de gente aprendeu a apreciar o estilo.;
A supervalorização do retrô não se restringe ao desejo. Comprar um móvel bacana feito há mais de 30 décadas, atualmente, pesa bem mais no bolso do que comprar um móvel zerado. Segundo os entrevistados, o valor se dá pelo crescimento progressivo da procura, o interesse da mídia pelo assunto, a minuciosa restauração de boa parte das peças, e pela exclusividade ; dificilmente você vai se deparar com um igual. Um custo benefício que, para eles, certamente vale a pena. ;Comprar um móvel no antiquário é ter uma atitude sustentável, reciclando, reutilizando. Também é fazer a compra de um produto com uma vida útil incrível. Os móveis de hoje duram muito menos. Um barato que sai caro;, aponta a designer Karina Arruda.
Afinal, o que é o quê?
O termo vintage, originalmente, era uma forma de designar a safra do vinho. Mas quando se fala em moda ou decoração, ele designa as produções realizadas entre as décadas de 1920 a 1980 e que, hoje, mantém suas características originais. Ou seja, aquela cadeira que você comprou, nova em folha, com o design sessentista, é retrô, e não vintage. Já o termo antiguidade é usado para peças criadas antes do século 19, e que não são mais produzidas atualmente.
Décadas influentes no estilo vintage
Década de 1920: tempo de profunda transformação em todo o mundo. Com a decoração e o design, não foi diferente. As influências da art noveau, do cubismo e do art deco eram fortes, mas deram espaço para uma nova estética. As então recentes inovações tecnológicas fomentaram o consumismo e o chamado ;estilo de vida americano; (american way of life). O glamour hollywoodiano se fortalecia com o cinema falado. E a decoração refletia esse estilo vanguardista das melindrosas, os traços de Coco Chanel, a viagem surrealista apresentada em Paris por Picasso e Miró. Vidros coloridos, tecidos lisos e brilhantes. Espelhos, caixas de madrepérola. No Brasil, a Semana de Arte Moderna também quebra paradigmas. Junto ao time de artistas como Anita Malfatti e Oswald de Andrade, estava o pintor, decorador, escultor e artista gráfico Jonh Graz, suíço criado no Brasil, responsável pela criação de móveis que até hoje são grandes ícones do design. Traços limpos, simples e futuristas. A Grande Depressão, no fim da década, freou tanta euforia, que só voltaria na década de 1950.
Ícone: a cadeira Barcelona, de Ludwig Mies van der Rohe e Lilly Reich, de 1929. Favorita nos saguões de escritórios corporativos mundo afora, até os dias de hoje.
Década de 1950: fim da guerra, o mundo começa a se reerguer e a decoração entra na dança consumista que dá o novo ritmo da sociedade do pós-guerra. A ordem é se desligar do passado. Reinventar. Cores vibrantes e movimento. A modernização das fábricas e a produção em massa barateou os custos e tornou o design mais acessível. Os móveis de alumínio e de plástico empilháveis e dobráveis, que se encaixavam no novo padrão de vida da classe média, na qual as casas eram cada vez menores e menos espaçosas, eram sucesso absoluto. A escola alemã de design, Bauhaus, ressurge pela necessidade de funcionalidade. A televisão ajudou a divulgar o estilo dos anos 1950, fazendo com que as tendências, agora, se tornassem mais massificadas.
Ícone: A série de móveis tulipa, de Eero Saarinen, 1955. A cadeira ganhou ainda mais fama ao aparecer no filme Jornada nas Estrelas.
Década de 1960: a psicodelia entra em ação na década do amor livre. Os frutos do baby boom elegeram a irreverência da pop art e o vibrante estilo hippie como a febre da década. E o novo modo de vida invadiu a decoração das casas. A contracultura propunha a originalidade, um freio ao consumismo. Tudo ficou mais inventivo, mais ousado. Os tecidos e papéis de parede tinham formas geométricas padronizadas pela arte gráfica, preenchidas por cores marcantes, como o laranja, o amarelo e o roxo. O despojamento trouxe formas mais arredondadas para os móveis, que vinham em materiais como o acrílico e o plástico.
Ícone: A cadeira Panton, de Verner Panton, 1968. Ganhou ainda mais fama depois de aparecer em um editorial da revista inglesa Nova, no ensaio ;Como se despir na frente de seu marido;.
BAZAR
Quer aderir á tendência? Conheça alguns produtos retrôs que podem se misturar a qualquer decoração, e trazer o clima vintage pra sua casa.