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Novos padrões à mesa

Todos os fins de semana, uma fila de espera de mais duas horas se forma em frente a um restaurante simples, com cara de boteco, em São Paulo. Tanta disputa tem uma razão: o delicioso baião de dois preparado por dona Edi

postado em 21/01/2011 17:17

Em uma visita relâmpago à cidade de São Paulo, sob a chuva torrencial que alagava rapidamente as ruas do bairro Pinheiros, um querido amigo estava ansioso para me mostrar um de seus restaurantes preferidos: o bar e restaurante do Biu. O local, na verdade, é um boteco que abriga, meio que escondido, um salão repleto de mesas e cadeiras de madeira. Todas ornamentadas com toalhas vermelhas sob uma folha de papel manteiga ; exatamente igual a um restaurante de beira de estrada.

Todos os fins de semana, uma fila de espera de mais duas horas se forma em frente a um restaurante simples, com cara de boteco, em São Paulo. Tanta disputa tem uma razão: o delicioso baião de dois preparado por dona Edi

Na parede, camisetas retrôs do Corinthians dividem espaço com dezenas de quadros que ostentam matérias sobre o estabelecimento, críticas gastronômicas recebidas e até premiações. O garçom pega a cerveja gelada na geladeira coberta de adesivos do "timão", que fica entre as mesas, e serve os clientes: jovens moderninhos, artistas plásticos, famílias, senhoras distintas, empresários, turistas, famosos e anônimos que devoram os pratos com a pressa típica do paulistano. "Aqui em São Paulo ninguém tem tempo a perder, então oferecer uma comida rápida é tão importante quanto oferecer uma comida boa", explica o comerciante Rogério Gomes, 27 anos, filho de dona do bar.

O ambiente é tão simples, que se tornou descolado. Em São Paulo, essa pegada de fugir do padrão estético das classes mais abastadas, porém mantendo a qualidade do serviço, tem um apelo comercial vibrante em todas as áreas ; por aqui as coisas não são tão diferentes, vide o sucesso da tradicional pizzaria Dom Bosco, entre outros. Ainda melhor que a constatação de que fugir do padrão virou tendência na gastronomia é perceber que quando a comida é realmente boa, nada mais importa. Lá no número 776 da Rua Cardeal Arco Verde, o Biu ficou famoso por causa do clima acolhedor e pelo delicioso baião de dois, carro chefe do restaurante.

A história começa lá em 1981, quando o paraibano Severino Gomes, 64, mais conhecido como Biu (na Paraíba, Biu é o apelido de tudo quanto é Severino), se casou com a baiana Edinólia Gomes (a famosa Dona Edi), 53. Juntos, abriram um barzinho. Nos domingos, eles se reuniam com os dois filhos para comer fora. Mas nunca encontravam uma comida nordestina ; em especial o baião ; que fosse realmente gostosa. "Resolvemos inventar o nosso. Foi uma semana inteira de testes, até chegarmos ao definitivo. Minha mãe cozinhava direto. Ficou tão bom que passei dois meses comendo baião todos os dias", conta Rogério.

Dona Edi, empenhada, preferiu fugir da receita clássica cuja base, já cantava Luis Gonzaga e Humberto Teixeira, é "juntar feijão de corda, numa panela de arroz;" Nem mesmo se inspirou em outras reinvenções já conhecidas, como o arrumadinho alagoano (basicamente um baião reinventado) ou o rubacão paraibano. Colocou na panela o bacon, a linguiça, a carne de sol, o queijo coalho, o azeite de dendê, o leite de coco, a manteiga de garrafa e o cheiro verde (além, lógico, do feijão e do arroz) e inventou o baião mais concorrido da metrópole. Edi explica que, mesmo com tantos detalhes, o segredo, como em qualquer vertente da gastronomia, é saber temperar com os aromáticos de base. "Eu uso cebola e alho como tempero. De vez em quando, uma pimenta-do-reino. E só. Tem gente que não acredita que esses ingredientes sejam a base, mas quando você aprende a usá-los na medida certa, tudo fica muito saboroso. Especialmente se é feito com carinho", analisa Dona Edi.

Tantos atributos formaram uma clientela que, mais do que fiel, se tornou amiga da casa. "É mais que normal aparecer clientes que em vez de pedir algum prato do cardápio, pede ;comida de mãe;. Eu vou lá e faço um bife acebolado, com farofinha e batata frita. Eles chegam e me abraçam, agradecendo. Dinheiro nenhum paga isso", lembra. Apesar do já conhecido apelo descolado que a decoração simples traz para o restaurante, Edi sabe que muita gente ainda torce o nariz. "Às vezes, nossos clientes trazem as namoradas novas, e elas vêm todas arrumadas, de salto, e, quando olham para o salão, fazem uma cara de que não gostaram. No fim das contas, elas viram clientes e continuam frequentando o restaurante depois que o namoro acaba", diz, com bom humor, a cozinheira. Os interessados em conhecer os quitutes do bar de Biu que se adiantem. O boteco tem fila de espera de quase duas horas nos fins de semana. De deixar qualquer restaurante fino como o olho daquele tamanho.


Receita

Baião de dois
Todos os fins de semana, uma fila de espera de mais duas horas se forma em frente a um restaurante simples, com cara de boteco, em São Paulo. Tanta disputa tem uma razão: o delicioso baião de dois preparado por dona Edi
Ingredientes
150g de bacon em cubos
200g de linguiça defumada em fatias
300g de carne de sol desfiada
1 xícara de feijão de corda
5 xícaras de arroz
150g de queijo coalho cortado em cubos
3 colheres de sopa de azeite de dendê
3 colheres de sopa de leite de coco
2 colheres de sopa de manteiga de garrafa
Cheiro verde ou coentro
Alho e cebola a gosto

Como fazer
Cozinhe o feijão e reserve.
Depois, faça o arroz bem soltinho.
Enquanto isso, aqueça uma frigideira grande com a manteiga e frite o bacon.
Em seguida, acrescente a linguiça e a carne de sol, mas não deixe fritar demais.
Adicione a cebola e o alho e deixe refogar um pouco.
Somente depois coloque arroz, feijão, queijo e leite de coco.
Misture com calma.
Adicione o azeite de dendê, o cheiro verde ou o coentro e misture até ficar com um consistência úmida.
Se preferir, cubra com fatias de carne de sol e sirva numa travessa guarnecida com batata doce e abóbora cozida.

Tempo de preparo: 40 minutos
Rendimento
: 3 pessoas

Serviço
Bar do Biu
Rua cardeal Arco Verde, 776. Pinheiros, São Paulo
(11) 30816739

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