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Em meio aos levantes contra as canhestras ditaduras árabes, chama a atenção a presença feminina, lutando ombro a ombro com os homens por liberdade e um futuro melhor

postado em 10/03/2011 18:31

Em meio aos levantes contra as canhestras ditaduras árabes, chama a atenção a presença feminina, lutando ombro a ombro com os homens por liberdade e um futuro melhor

Nas páginas do jornal The New York Times, em uma reportagem sobre a atual revolução do mundo árabe, a legenda de uma foto da Líbia chamou atenção: ;Manifestante consola mulher durante protesto.; A frase escolhida para identificar a imagem ganhou repercussão: o fato de o jornal ter desconsiderado a possibilidade da mulher também ser uma manifestante, e não apenas ;alguém que precisava de consolo;, causou mal-estar. Trata-se de um erro grosseiro de avaliação. A Organização Egípcia pelos Direitos Humanos estima que 20% do revoltosos contra o regime de Hosni Mubarak nas ruas de Cairo eram mulheres. Uma cifra considerável dada o retrospecto do país.

Seria esse o prenúncio de uma nova era para as amulheres do mundo árabe? Uma época de maior presença delas na vida pública? Para a professora de relações internacionais Denilde Holzhacker, da Escola Superior de Propaganda e Marketing, é preciso reformular a questão. ;Vale perguntar o que mudou para que elas saíssem às ruas. Provavelmente, isso é um reflexo sim de um novo comportamento. Tanto da mulher muçulmana, que se envolve e se engaja, quanto do homem que reconhece e respeita essa participação. É uma questão de timing. Essa é a hora perfeita para elas levantarem a voz. Aproveitando o protesto que pede democracia, para pedir e conquistar espaço;, acredita. Já o doutor em ciência política Samuel Felderberg, integrante do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da Universidade de São Paulo, acredita que é preciso analisar a situação com cautela. ;A amplitude dos protestos foge do padrão das manifestações usuais. Fica difícil comparar;, pondera.

Para as que estiveram nos protestos, não há dúvidas ; foi um grande passo na busca por direitos iguais. A professora-adjunta da Universidade do Cairo, Marwa Rakha, foi sozinha às manifestações: ;Encontrei pessoas e nós começamos a conversar, independentemente da religião, do gênero ou da idade, independentemente da classe social ou de qualquer coisa. Éramos egípcios revoltados com as mentiras contadas nesses últimos 30 anos, apoiando uns aos outros. Se uma moça caísse, eles a levantavam, ajudavam. Não houve nenhum tipo de abuso ou de violência sexual;, disse ao jornal americano on-line The Huffington Post.

A contadora tunisiana Awatef Yazidi, 30 anos, nascida em uma família muçulmana e convertida ao protestantismo depois de adulta, participou da revolta na capital Tunis ; pontapé da luta árabe pró-democracia. Para ela, não só as mulheres que estavam nos protestos foram importantes para a derrocada do ditador Ben Ali. E, sim, todas as que se envolveram na luta, de diferentes formas. ;Havia todos os tipos de mulheres nas ruas. Advogadas, médicas, policiais, estudantes, professoras. De alguma forma, todas nós participamos dos protestos. Não só segurando faixas, mas também dando entrevistas para os jornalistas, postando vídeos no Facebook, protegendo a vizinhança da confusão, limpando as ruas quando os lixeiros estavam em greve, alimentando pessoas que decidiram ficar na frente do ministério protestando, levando os feridos para os hospitais;, contou Awatef à Revista do Correio. ;São mudanças que vão afetar definitivamente o mundo islâmico. Fiquei muito surpresa ao ver muçulmanos do meu país em oposição ao governo islâmico. Muitos jovens querem se sentir livres, livres para sair, ir a um bar, e muitas moças também não querem usar o véu. Ninguém quer ser oprimido nem ser condenado. O povo não vai mais aceitar opressão. Não depois dessa conquista dos tunisianos e tunisianas;, relata.

Mostrando a cara
Bravas egípcias fotografadas durante o mês de janeiro nas ruas do Cairo: pela queda de Hosni MubarakA mobilização feminina tem a internet como principal aliada. É lá que elas ganham voz e, em alguns casos, podem se proteger das retaliações da censura do Estado. Por meio de blogs, páginas do Facebook e do microblog Twitter, anônimas e nomes de peso da resistência incentivam as massas. No Egito, a ativista política Israa Abdel Fattah, 32 anos, tem papel de destaque no contexto árabe. Em 2008, ela foi uma das responsáveis pela primeira greve geral organizada via Facebook no Oriente Médio, em apoio aos trabalhadores egípcios da cidade industrial de Mahalla. No mesmo ano, também pelo Facebook, fundou o Youth Moviment Egypt (Movimento da Juventude Egípcia), agora um popular agrupamento político do país. Abdel chegou ficar presa por duas semanas, detida pela censura oficial. O incidente fez dela um símbolo da resiliência oposicionista. Depois do episódio, Abdel anunciou o fim de seu envolvimento com movimentos populares e políticos, mas voltou aos holofotes recentemente, na luta contra o governo de Hosni Mubarak. Dando opiniões em seu blog e atualizando a emissora de TV Al Jazeera com novidades relacionadas à oposição.

Em frente à polícia árabe, muçulmana levanta a bandeira egípciaA jornalista egípcia Mona Eltahawy, 44, outra proeminente figura feminina do Egito, também usou as mídias sociais de palanque. A moça é tão influente que solicitou a rede de televisão CNN que trocasse o título da chamada da cobertura da revolução de ;Caos no Egito; para ;Levante no Egito;. E eles a atenderam. Além de opinar e comentar a revolução em seu site, Mona exerce o feminismo: ;Eu não sou boba. Eu sei das terríveis violações aos direitos das mulheres que são cometidas em nome da fé. Mas o Islamismo também me pertence. Quando morei fora e retornei ao Egito, aos 21 anos, aprendi que os homens muçulmanos não são os inimigos, muitos deles me ajudaram a encontrar o meu lugar no Islã. Aprendi que existem outras interpretações da nossa religião, que não ferem esses direitos;, resume.

Assim como Mona, que mora em Nova York, boa parte das intelectuais islâmicas mora no Ocidente. Para a doutora em ciências políticas Sabrina Evangelista, professora da Escola de Guerra Naval da Marinha e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, detalhes como esse evidenciam a delicadeza dessa situação. ;Muitas vezes, as mulheres que se mobilizam intelectualmente estão fora desses países. Não moram mais lá e, por isso, não podem participar tão ativamente da construção da nova cena política. Podem existir mulheres lutando nas ruas, e isso pode até ser um reflexo significativo, mas falar em abertura social é muito antecipado.; Sabrina acredita que o momento de transição é muito complexo, já que a democracia tem que coexistir com a religião. E há sempre o risco de o novo regime ser ainda pior e mais radical. ;As mulheres podem sofrer um constrangimento de ordem religiosa ainda maior. Até porque o maior ponto de opressão feminina não é a política, é a própria religião;, afirma.

Entre o protesto e a vaidade: a antiga bandeira da Líbia foi exibida até nas unhasA Tunísia, considerada uma das nações árabes mais ocidentalizadas (as mulheres podem andar sem véu na cabeça, sair sozinhas, sentar em uma mesa de bar, se divorciar e até abortar), vive esse risco. A mudança de governo pode significar, na pior das hipóteses, um retrocesso. ;Sim, as mulheres têm direitos aqui. E não vamos perdê-los. Ninguém vai tirar isso de nós. Nem mesmo os islâmicos. Pois sempre lutaremos. Olhe bem como as tunisianas lutaram lado a lado com os homens. Mulheres de véu e mulheres de minissaia estavam nas ruas, não importa. Elas estão em toda parte;, afirmou a advogada Bilel Larbi , ao Correio. ;A participação ativa das mulheres pode funcionar como uma blindagem ao fundamentalismo islâmico. Mas, ainda assim, não acredito que a mudança em prol dos direitos das mulheres será tão rápida. São tantos problemas e restrições que não atingem só as mulheres, e sim toda a nação, que em um primeiro momento, talvez a questão feminina fique perdida. Mas o fato de elas irem as ruas já é uma mudança muito importante;, completa a professora Denilde.

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