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O doce fazer nada

Momentos de total inatividade podem ser produtivos? Inspirado por um chamado na internet, um grupo de pessoas tem a certeza que sim

postado em 18/03/2011 12:47

No início deste ano, um site fez sucesso entre aqueles que dependem da internet para trabalhar. Com uma proposta inusitada, o DoNothingFor2Minutes.com sugeria ao usuário permanecer dois minutos fazendo absolutamente nada. Na tela, uma paisagem marítima ajudava a propiciar o clima necessário para que o pequeno espaço de tempo passe calmamente. ;Apenas relaxe e escute as ondas. Não toque no teclado ou no mouse;, avisava.

O consultor Marcelo Bohrer em pleno exercício da inação. A proposta se revelou árdua: nem mesmo o tom desafiador foi suficiente para que as pessoas conseguissem parar por 120 segundos. A página caminhou rapidamente para o esquecimento. Mas permanece seu mérito de ter mostrado como é conturbada a relação do ser humano com o tempo. E como ainda há muita gente colocando a vida profissional à frente do próprio corpo. Era dessa forma que vivia o consultor criativo Marcelo Bohrer, nome por trás do DoNothingFor2Minutes.com. Seus trabalhos como designer o fizeram entrar em um ciclo vicioso no qual as 24 horas do dia eram insuficientes.

Com o trabalho incessante, veio a conta. ;Meu ritmo de vida estressante acabou me levando a um colapso físico e mental;, lembra. Ele desenvolveu síndrome de burnout, um distúrbio psíquico que é precedido por esgotamento e tem relação íntima com a vida profissional do indivíduo. Contudo, em vez de selar a vida em cartelas de medicamentos para controlar a ansiedade, Marcelo desenvolveu uma prática que tem como grande meta o não fazer: o nadismo. O mentor da prática explica que tudo se resume à valorização dos momentos de quietude.

;Não é um conceito filosófico e sim um convite à prática. Como o tempo livre para se fazer nada é algo muito raro, a proposta é que se escolha fazer nada de propósito, permitindo-se desfrutar desse tempo sem culpa;, explica. Muitos se identificaram com a proposta ; já existem quase sete mil adeptos no país, contabiliza Marcelo. Em Porto Alegre (RS), sua cidade natal, são bastante comuns os encontros do clube de nadismo, devotados exclusivamente à inatividade.

Rosanna Tarsitano se convenceu das vantagens do nadismo e hoje tem sofás estrategicamente posicionados no trabalho e em casaSem churrasco, cerveja ou música, os participantes se colocam em posições confortáveis e se dão minutos de inação. ;Fazer nada é fazer nada;, ensina Marcelo. Só que não é preciso estar em grupo para aproveitar momentos de nadismo. Apesar de ainda pouco difundida em Brasília, a prática tem seus seguidores por aqui, que comprovam que um bom tempo para o nada alivia muito o estresse diário.

;Eu brinco muito porque as pessoas não acreditam. ;O que você está fazendo?;, perguntam. E eu respondo: ;Nada;. E muitas ainda dizem depois: ;Mas você não pode fazer nada;. Posso sim;, afirma a consultora de imagem Rosanna Tarsitano, 41 anos. Após conhecer o nadismo, ela entendeu que aqueles momentos que se dava durante o dia era decisivos para que suas várias tarefas não a fizessem perder o juízo. ;O nadismo me mostrou o bom de ficar parado sem fazer nada. É um momento de contemplação e ela exige que você não faça nenhum esforço.;

Ela, que conheceu Marcelo durante um compromisso profissional, acredita que o nadismo ainda sofre muito preconceito. ;As pessoas sentem culpa por acharem que estão perdendo tempo, por acreditarem que sempre têm coisas demais para fazer, por terem que trabalhar. Só que elas precisam se dar essa pausa.;

Trilha para a contemplação
Marcelo Bohrer diz que, nesses momentos de dúvida quanto ao não fazer, um boa pergunta é: se vive para trabalhar ou se trabalha para viver? Se o espaço dedicado ao trabalho já impede uma visão de si mesmo, acredita o idealizador do nadismo, o perigo é iminente. ;A maior dificuldade é, efetivamente, parar, por completo, sem nenhum objetivo. As pessoas confundem isso com esperar, descansar, meditar. Mas o nadismo é 100% não fazer nada.; Aqui, cabe uma explicação: fazer nada não quer dizer alienar-se. Para Bohrer, o nadismo é uma forma de aproveitar um pouco o ócio, não de vivê-lo como algo religioso.

;Também não é para que se pense nos problemas, mas sim para desfrutar de tempo livre e descompromissado;, ressalta. Apesar de o nadismo não ser meditação, há paralelos entre as práticas. O corretor de imóveis Ricardo Pereira, 52 anos, recorre a ambas. Para ele, a proposta de não se fazer nada, quando direcionada à contemplação, pode sim levar a estados meditativos. ;A principal característica das duas é a observação, feita de forma isenta. E, dessa forma, as vantagens trazidas pelo nadismo são visíveis, porque traz tranquilidade;, acredita.

Ricardo também separa em dois grupos os praticantes do nadismo. Para o corretor, no primeiro estão aquelas pessoas que já se identificavam com as ideias mesmo antes de elas ganharem um rótulo. ;São as que encontram algo que faz parte do estilo de vida delas e, facilmente, se integram.; No outro, estão as que decidem colocar a prática como necessária ao perceber que precisam dar a si mesmas alguns minutos de nada diário. ;Mas todas conseguem benefícios;, completa.

Rosanna faz parte do primeiro time. A consultora mantém em seu ambiente de trabalho e em casa sofás que são seus pontos de nadismo. Além disso, ela tenta convencer seus amigos da importância dos momentos de ócio. ;Estamos muito robotizados e ainda tem muita gente que não consegue pensar em dar-se, pelo menos, cinco minutinhos. É preciso entender que esse tempo é bem aproveitado, porque você está fazendo algo para si mesmo.;

Sem preguiça, sem renúncias, apenas proporcionando ocasiões para a mente descansar. ;Não é preciso largar o trabalho ou os compromissos ; é só criar espaços vazios entre eles;, conclui Marcelo.

As diretrizes do nadismo
Praticar o nadismo pode causar estranheza no início. O criador, Marcelo Bohrer, indica quatro passos seguros para experimentá-lo
1. Pare e curta
Este tempo é totalmente seu para que você desfrute o fazer nada sem pressa.
2. Entregue-se
Abandone a intenção de fazer nada. Esqueça qualquer objetivo, o nadismo não tem nenhum propósito.
3. Sossegue
Privilegie o silêncio e a imobilidade.
4. Observe
Evite ocupar-se mentalmente. Deixe a mente vagar como as nuvens.

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