Por Maria Vitória
Há duas semanas o pequeno Khaled, de apenas 4 anos, veste um macacão, semelhante à roupa de um astronauta. A vestimenta colorida, porém, tem uma função. É um equipamento usado em sessões de fisioterapia intensiva para crianças com distúrbios neurológicos, como ele, portador de paralisia cerebral. Ele não anda e só fica em pé se for segurado por outra pessoa. O distúrbio é consequência do parto, prematuro. Ao nascer, Khaled teve parada respiratória e a falta de oxigênio deixou as sequelas neurológicas.
Khaled é o segundo brasiliense a fazer a terapia pediátrica intensiva, a Therapy4Kids ; um programa com o intuito de fortalecer e dar mais resistência muscular à criança. Ela é executada com o uso da unidade de exercício universal (cabos, roldanas e pesos) e o aparelho aranha (cordões enganchados em uma cinta, presa no paciente, com uma suave movimentação). Cada programa é individualizado aplicado com o PediaSuit, um macacão que facilita os movimentos. O primeiro a experimentar a terapia em Brasília foi o menino Luiz Eduardo, mas a família dele decidiu transferir as sessões para julho, no período de férias, pois elas são diárias e duram cerca de quatro hortas.
Khaled fica em pé quando usa o macacão, feito especialmente para ele. E faz com mais facilidades os exercícios com a fisioterapeuta. A vestimenta custa em torno US$ 2,5 mil. ;Ele já consegue se levantar sozinho e não senta mais por cima das pernas, como fazia antes;, conta a mãe, Maria Eduarda. Ela e o marido optaram pelo tratamento ao tomarem conhecimento dos resultados apresentados por outro garoto, que fez a mesma terapia em Salvador. O custo é alto: eles pagarão R$ 10,8 mil pelas quatro semanas de terapia intensiva. Esse valor inclui a vestimenta.
A roupa terapêutica é composta por um material que possibilita a oxigenação dos poros e é anexada por velcros, permitindo um fácil manuseio. Tem colete, short, joelheira, tênis, tapete e cordões de borracha elástica alinhados ao corpo para proporcionar um equilíbrio dos músculos agonistas, antagonistas e sinergistas. ;A proposta do PediaSuit é fornecer estímulos sensoriais suplementares para os músculos e articulações do corpo, auxiliando no movimento funcional, com o uso dos cordões de borracha refletindo nos músculos do corpo;, afirma a fisioterapeuta Anna Carolina Xavier e Chaves, que deu o curso sobre Therapeis4kids em uma clínica de fisioterapia na Asa Sul. Atualmente, ela aplica o método em duas crianças na capital paulista, além de ser coordenadora do Ambulatório de Doenças Neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo.
Segundo a especialista, acompanhados por exercícios repetitivos de alongamento, esses movimentos, realizados todos os dias, ensinam ao sistema nervoso novos caminhos para se mover, se equilibrar e se autocoordenar. Esse programa se desenvolve de três a quatro horas por dia, cinco dias da semana, por quatro semanas. Cada programa é individual, desenvolvido de acordo com a necessidade do paciente.
Durante o treinamento de três dias, realizado em fevereiro, Anna Carolina explicou às fisioterapeutas brasilienses que os principais objetivo do procedimento são a normalização do tônus muscular da criança. Com os exercícios, aumenta a variedade dos movimentos e a força dos músculos. ;A terapia permite que a criança melhore suas habilidades funcionais, sendo um trabalho que visa a independência;, afirma Marta Rosa Gonçalves Pereira, a terapeuta ocupacional responsável por trazer o Therapies4kids e o PediaSuit para Brasília.
Marta Rosa esclarece que a roupa terapêutica é apenas uma ferramenta da terapia intensiva. Segundo ela, o programa consiste em um tempo de aquecimento por meio de placas quentes, massagem e alongamento. Em seguida, são executados exercícios para fortalecimento e aumento da resistência muscular. ;Esses ganhos são adquiridos ao longo do tratamento, com atividades direcionadas diariamente;, diz Marta Rosa, informando que, além de Luís Eduardo, três crianças brasilienses farão a mesma terapia.
Anna Carolina afirma que, por ser um novo método, parte dos médicos desconhecem a Therapies4kids e o PediaSuit e ainda não há literatura científica sobre o tema. Porém, o tratamento só é executado mediante liberação médica. ;O macacão é contraindicado para crianças com escoliose grave e luxação de quadril;, avisa a fisioterapeuta paulista.
Os benefícios do novo método
; Melhora da propriocepção
; Redução dos reflexos patológicos
; Restauração dos padrões de movimento e da postura apropriada
; Estabilização externa e suporte dos músculos fracos
; Correção do alinhamento corporal e estimulação da parte neurológica
; Melhora da fala
; Por aplicar ao corpo uma pressão semelhante à ação da gravidade, acelera o progresso dos movimentos e habilidades recém-aprendidos
Pais criam terapia
O filme Óleo de Lorenzo, de 1992, exemplifica a luta de pais com filhos com doenças graves, em busca de um tratamento e de um diagnóstico preciso. Há milhares de histórias em todo o mundo. O brasileiro Leonardo de Oliveira, ex-piloto comercial da empresa Continental, e a mulher, a empresária americana Eiliin de Oliveira, protagonizam um enredo nesse estilo. Eles são os promotores do método Therapy4Kids, um sistema de terapia intensiva para crianças com distúrbios neurológicos. Um dos destaque desse procedimento é o macacão-órtese PediaSuit. ;É como se fosse um esqueleto externo;, diz Oliveira, aluno do último ano do curso de terapia ocupacional, na Universidade da Flórida.
O casal mora em Lauderdale, uma cidade próxima a Miami, e tem um filho, Lucas, de 8 anos. O garoto, com paralisia cerebral, é o responsável pelo empenho dos pais na pesquisa e na implementação dessa terapia. Como ex-piloto, ele tomou conhecimento dos macacões desenvolvidos para os astronautas russos se moverem na gravidade zero. A roupa era formada por talas, amarrações e botas especiais, com o intuito de manter o corpo na horizontal. Na década de 1980, foi adaptado para ajudar na reabilitação de militares russos feridos na Guerra do Afeganistão. O mesmo equipamento chegou a ser usado na Polônia, onde Oliveira foi conhecer o sistema. ;O modelo era antigo, defasado;, conta.
Os pais de Lucas contrataram um grupo de fisioterapeutas para estudar o mecanismo de ação do macacão e torná-lo mais eficiente. ;Descobrimos um tecido gradeado, mais flexível. Apesar das talas e das amarrações, a criança fica confortável e pode se movimentar;, garante Oliveira. ;Lucas foi o primeiro a usar o equipamento. Hoje, mesmo com as limitações do distúrbio neurológico, frequenta a escola.; A busca por uma terapia eficaz para o filho transformou o casal em empresários detentores de um procedimento inovador para crianças com disfunções neurológicas. Eles patentearam o método e têm três clínicas nos Estados Unidos, todas na Flórida. Exportaram o método para 15 países, entre eles o Brasil. Por aqui, clínicas de sete cidades oferecem o tratamento, que agora chega ao Distrito Federal.