Revista

O mito do bacalhau

O prato favorito da Semana Santa tem origem bárbara, mas se identificou perfeitamente com a cultura cristã portuguesa

postado em 14/04/2011 18:35

O prato favorito da Semana Santa tem origem bárbara, mas se identificou perfeitamente com a cultura cristã portuguesaEm primeiro lugar: tecnicamente, bacalhau não é um peixe. Não existe a espécie bacalhau nadando nas águas gélidas da Noruega, tampouco nas da Islândia, como nos acostumamos a imaginar. O que existe são vários peixes que podem ser transformados em bacalhau pelo processo de salga e cura (secagem). Ele pode ser o cod Gadus morhua, o saithe, o zarbo ou o ling. Mas não se preocupe, você não é o único que, quando come um bacalhau, não faz a menor ideia de qual peixe está sendo consumido. Você, a torcida do Flamengo e eu, que realmente não sabia disso até meu encontro com o chef e professor de gastronomia Filipe Rocha, do Iesb. Mea culpa. Uma história que, como explicou Filipe, começou com os vikings, desbravadores da pesca do mais tradicional tipo de bacalhau, o cod Gadus morhua. Como eles não tinham sal, apenas secavam o peixe até que ficasse completamente endurecido, o que também funcionava para fins de conservação.

Tempos depois, o povo basco aprimorou a técnica com o processo de salga e, lá pelo ano 1000, começou a comercializar o bacalhau. ;Foi uma mudança grande porque, na época, a armazenagem e a conservação eram muito difíceis. Aos poucos, outros peixes passaram a sofrer o processo. Então, outros povos adotaram a técnica;, conta Filipe. Os portugueses, por exemplo, gabam-se de ter uma receita de bacalhau para cada dia do ano. A tradição teria começado na cidade do Porto, hoje sinônimo de bacalhau de qualidade. Como herdeiros da cultura lusitana, os brasileiros aprenderam a apreciar essa carne. Especialmente em tempos de quaresma, quando a venda do bacalhau cresce vertiginosamente.

A relação foi criada quando a igreja católica decidiu que, nos 40 dias que antecediam a Páscoa, os cristãos não podiam consumir carnes ;quentes;. O comércio aproveitou a deixa e empurrou o bacalhau para o povo. Desde então, a relação do bacalhau com as festa cristãs sempre foi muito próxima. ;Mesmo para quem não é cristão é uma boa desculpa para comer o prato;, afirma o chef, enquanto distribui fatias de ovo cozido sobre o purê gratinado que encobre o peixe que acabou de sair do forno. A receita, o bacalhau a Zé do Pipo, ele aprendeu a fazer quando trabalhou para uma rede de restaurantes portugueses. ;Era um sucesso.; Depois da primeira garfada, a gente entende o porquê. É divino. A receita quem inventou, obviamente, foi o Zé do Pipo, português do Porto que, na década de 1960, ganhou o concurso ;a melhor refeição ao melhor preço; com esse prato. Vai apenas purê de batatas, maionese com mostarda, cebolas bem refogadas e bacalhau. Algumas fatias de ovo, um ramo de salsa e azeitonas dão o toque final.

Se eu convenci o leitor a se aventurar na receita do velho Zé, aí vão algumas dicas na hora de comprar e preparar o peixe: primeiramente, verifique se o lombo está limpo e sem resíduos de vísceras. Ele não deve apresentar manchas escuras. Depois, segure-o pela ponta e certifique-se de que está duro como uma tábua de madeira. Se envergar muito é um mal sinal. Guarde-o na parte mais baixa da geladeira, sobre as gavetas de vegetais, coberto com papel-filme. Retire a pele e os espinho quando ele ainda estiver seco e salgado. Na hora de dessalgar, deixe-o imerso em uma bacia d;água ; troque o líquido de seis em seis horas. ;Para evitar que o cheiro empesteie a casa, deixe cubos de gelo na água ; o processo de troca da água deve durar 48 horas;, explica Filipe. Outra dica é com relação a cocção do peixe, que não deve passar dos 100;C. Ou seja, a água não deve ferver, borbulhar. Assim evita-se que ele perca seu gosto e resseque demais. No mais, siga a receita ensinada pelo chef. Dá trabalho, mas vale a pena, garanto.

Bacalhauà Zé do Pipo
O prato favorito da Semana Santa tem origem bárbara, mas se identificou perfeitamente com a cultura cristã portuguesa
Ingredientes

1,2kg de lombo de bacalhau dessalgado e limpo
2 litros de leite
2 folhas de louro
3 dentes de alho
Pimenta-do-reino em grão a gosto
800g de batata
900g de cebolas cortadas em tiras
2 cravos-da-índia
Noz-moscada a gosto
2 gemas
Azeite
80g de manteiga
10ml de vinagre de maçã
20g de mostarda
3 ovos cozidos
150g de azeitonas galegas

Como fazer
Coloque as postas do bacalhau em uma panela e cubra com leite.
Cozinhe com as folhas de louro e os dentes de alho por 5 minutos em fogo brando (sem deixar o leite ferver).
Deixar resfriar dentro do leite.
Retirar as postas, coar e reservar o leite.
Pode-se passar as postas por farinha e dourar em azeite.
À parte, refogar as cebolas em azeite com o cravo até que fiquem transparentes e macias.
Temperar com sal, pimenta-do-reino e noz-moscada. Reservar.
Cozinhar as batatas e fazer um purê.
Juntar a manteiga e ligar com um pouco do leite usado na cocção.
Corrigir temperos e reservar.
Elaborar uma maionese com as gemas, o vinagre e 400ml do azeite acrescentado em fio.
Acrescentar a mostarda e temperar com sal e pimenta-do-reino.
Untar um refratário e formar uma ;cama; com um pouco do purê e cebola.
Arrume as postas de bacalhau e espalhe por cima delas o restante da cebola.
Cubra com a maionese e utilize o que sobrou do purê para decorar as laterais do prato com a ajuda de um bico de confeiteiro.
Decorar com os ovos cozidos e azeitonas.
Gratinar em forno bem quente.

Tempo de preparo
:2 horas
Rendimento: 5 pessoas

Serviço
Chef Filipe Rocha
8183-3585

Agradecimento:
Iesb

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação