postado em 01/05/2011 06:12
Aceitar o próprio corpo depois de sofrer uma queimadura exige equilíbrio. Cada personagem de um acidente com fogo busca mecanismos muito próprios para aceitar a nova imagem. O dançarino Giovane Aguiar, 40 anos, encontrou na dança uma forma de exibir seu tronco marcado sem receios. Quando tinha 7 anos, foi se livrar de uma caixa de marimbondos ateando fogo nos insetos. Uma rajada de vento mudou o rumo do fogo e transformou para sempre a história do garoto. Cerca de 40% do seu corpo foram queimados. Ele passou mais de um mês internado no Hospital de Base, naquela época o único local preparado para cuidar desse tipo de ferimento.[FOTO1]
Daquele tempo, só tem lembranças doloridas. ;O tratamento doía demais. A gente tinha que entrar em uma banheira para limpar o machucado. Uma vez arranquei todas as cascas com a mão para não precisar tomar aquele banho;, lembra. Para aumentar o sofrimento, teve de ficar isolado, por causa do risco das infecções, e ver a família por mais de 47 dias através de um vidro.
No corpo, as cicatrizes ficaram. A pele mais enrijecida, no entanto, não impede em nada os movimentos livres e flexíveis de um dançarino. Justamente isso ajudou Giovane a aceitar sua imagem. ;Na adolescência, a queimadura me descolou do coletivo. Não me reconhecia. Segui caminhos diferentes das outras pessoas da minha idade. Estava procurando resposta para minha vida. Tudo isso tem a ver com o acidente;, conta. ;Tinha uma solidão muito grande dentro de mim. Não atribuía minha dor ao fogo, mas às pessoas. Como não me abria muito, a dança me conectava com os outros.;
Em 1996, ele resolveu dividir sua experiência com outros que padeciam do mesmo sofrimento. No Hran, coordenou a Oficina de Contato e Improvisação, um projeto de reabilitação para pessoas queimadas. Era uma maneira de entrar em contato com a própria ferida, exibi-la e aceitá-la. O momento de se tocar e tocar o corpo marcado do outro. Mostrar àquele grupo de pessoas que era possível retomar a vida. ;Quem sofre uma queimadura sofre uma agressão e não está aberto para o mundo. As pessoas chegavam para os encontros usando golas altas, blusas de mangas compridas. Algumas nunca tinham experimentado um contato afetivo;, comenta. Depois da oficina, descobriam que a cicatriz também podia ter sua estética própria. ;As pessoas nunca imaginavam que um corpo queimado também pudesse ter a sua beleza.;