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Eles estão vencendo a guerra?

Contra a tirania dos pequenos, uma mãe de ascendência chinesa defende discilplina extrema. Especialistas, no entanto, rejeitam o radicalismo: nem muito rigor, nem liberdade em excesso

postado em 13/05/2011 11:20

Contra a tirania dos pequenos, uma mãe de ascendência chinesa defende discilplina extrema. Especialistas, no entanto, rejeitam o radicalismo: nem muito rigor, nem liberdade em excessoA professora de direito da Universidade de Yale Amy Chua não acredita que os filhos precisem gostar dos pais quando crianças. Como eles não estão prontos para tomar as próprias decisões, suas escolhas, seus desejos e opiniões não devem ser levados em conta. Para a norte-americana, somente os pais sabem o que é melhor para os filhos. Por isso, não importa se a resolução vai contra o que os rebentos consideram bom. O que vale é garantir um futuro de sucesso para deles, seja com birra, choro ou tristeza.

Após constatar que o modelo ocidental de educação não poderia fazer bem às suas duas filhas, a professora se valeu da ascendência chinesa e, principalmente, da forma como foi criada. Assim, submeteu as filhas a um processo de formação que causaria arrepios em qualquer mãe brasileira. Horas e mais horas de treino musical diário com o instrumento escolhido pela mãe. Nada de festinhas em casa de amigos nem qualquer passatempo que não envolva a conquista de um prêmio. A experiência de Chua tornou-se o best-seller Grito de Guerra da Mãe-Tigre (Ed.Intrínseca, 236 páginas), em que ela fala, sem rodeios, sobre como os chineses apostam numa educação rígida como a melhor forma de criar os filhos.

Diferentemente do que a autora esperava, as personalidades opostas das duas filhas mostraram que uma educação homogênea não conseguiu abafar o que a criança realmente é. Apesar de as filhas serem bem educadas, Chua escancara suas dificuldades com Lulu, a mais jovem e geniosa, e descreve embates ao som do violino tocado pela menina. Educada sob uma rigidez extrema, a autora mostra as frustrações da filha quando lhe nega algo. Apesar de não se arrepender do que faz, em várias passagens é perceptível o temor de Chua de perder o amor das filhas, mesmo acreditando que de que está fazendo o melhor.

Será que a disciplina extrema é fundamental para formar cidadãos bem-sucedidos e responsáveis? A Revista conversou com mães, educadores e outros especialistas em crianças e adolescentes à procura de um meio termo entre rigidez e liberdade na educação. Um caminho capaz de auxiliar pais desesperados na busca do melhor para os seus herdeiros.

Respeito à individualidade
Ana Lúcia Rufino, com os filhos, Matheus e Thiago: uma tática para cada filhoE como dizer não aquele ser pequeno, que simplesmente quer três pacotes de biscoito em vez de um? Como negar mais meia hora de internet antes de dormir? E por que insistir que ele coma vegetais, quando não gosta? Rigidez e liberdade também perpassam esses questionamentos e uma negativa não pode ser vencida por um olhar pidão. ;Sei que terei de usar formas diferentes para educar meus filhos, porque suas personalidades são diferentes. Tento recriminá-los sempre mostrando que os amo, mas acredito que não posso usar as mesmas táticas com os dois, senão não consigo o que quero;, afirma a administradora Ana Lúcia Rufino de Souza Maranho, 42, mãe de Thiago, de 1 ano, e Matheus, de 5.

Para Tania Zagury, a dificuldade em encontrar um caminho único na educação de todos os herdeiros é típico em pais que tiveram filhos nos últimos 20 anos. Em uma pesquisa realizada para um de seus livros, a escritora reuniu um grupo de pais de crianças e outro, de pais com filhos adultos, para fazer a pergunta: O que vocês têm de mais importante para fazer pelos seus filhos? ;Os pais mais velhos disseram com toda clareza: fazer dele um cidadão. Entre os mais jovens, quase a totalidade respondeu: fazê-lo feliz. Mas se responsabilizar pela felicidade de alguém é totalmente improvável;, argumenta. A especialista compreende a grandeza do amor paterno. Porém, seu principal objetivo é mostrar aos pais que estipular regras é também uma forma de garantir a manutenção desse amor.

;É quase impeditivo você querer fazer alguém feliz e ficar o tempo todo dizendo o que pode e o que não pode ser feito. Por isso, não pode haver uma dubiedade de situações, uma hora pode e outra não. É o pior para a criança, porque ela fica sem saber o que fazer.; Todavia, ser pai também é um aprendizado. Muitos, inclusive, não conseguem administrar a rigidez do mundo com o seu filho, mesmo quando a escolha por um rigor disciplinar é dele. É o que acontece diante dos olhos do tenente-coronel Márcio César Dantas Pereira, diretor do Colégio Militar Dom Pedro II.

Para Andreia Ferreira, deixar a filha Isabela, de 7 anos, errar é também é uma forma de educarSão inúmeros os exemplos de pais que não se adaptam aos rigores do colégio. Ele cita, por exemplo, uma mãe que questionou sua autoridade quando ele solicitou que o filho dela mantivesse o cabelo curto, regra para todos os garotos. ;Ela me perguntou quem eu era para decidir o corte do rapaz. Expliquei que, a partir do momento em que ela assinou contrato com a escola, os dois teriam de se adequar às nossas normas.; O diretor também concorda que a escola já deveria receber os estudantes com educação familiar de casa e não ficar com essa responsabilidade. Porém, hoje essa educação tem de ser conjunta. ;Os filhos são espelhos dos pais, o que torna muito mais complicado cuidar de um estudante arredio. Por isso, temos de nos unir a eles e aprendermos juntos;, completa.

A enfermeira Andreia Ferreira da Silva Stacciarini, 38 anos, já entendeu que precisa integrar-se com a escola da filha para que o processo educativo mantenha um caminho único. Sua filha, Isabela, 7 anos, estuda há quatro em uma escola militar e, apesar das mudanças existentes entre a forma com que Andreia foi criada e a forma com que ela educa a menina, a rigidez nos estudos é mister. ;Meus pais não tiveram oportunidade de estudar muito. Já eu pude fazer isso e tento dar mais ainda para a Isabela. Mas nunca pensando em tolhir sua personalidade.; Para Andreia, que foi educada de forma a sempre esperar por um castigo, deixar que a filha erre é mais importante que barrar seu jeito de ser. ;Se ela não fizer correto, estarei aqui para corrigi-la e mostrar como fazer bem. Não sei se esse é o melhor modelo, mas espero criar uma cidadã para o mundo.;

Pais ou psicólogos?
Andrea Sena, com as filhas Thaís, Maria Luiza e Ana Isabel (colo), admite: a pequena tem regaliasSe a receita rígida da autora de Grito de Guerra da Mãe-Tigre é algo inconcebível para a maioria, deixar de impor limites firmes para os filhos também é. ;Se os pais não criam um padrão de comportamento para ensinar os filhos, acabam perdidos. Começam a agir não como pais, educadores por excelência, mas como algo que não são: psicólogo do filho;, alerta Tânia Zagury. Filósofa, mestre em educação e autora de 20 publicações sobre o tema, ela acaba de lançar Filhos: manual de instruções (Ed. Record, 220 páginas), na qual elege as principais dificuldades no trato com crianças e ainda dá dicas aos aflitos pais que não conseguem entender a diferença entre limites e liberdade.

Para a especialista, entender que cada filho é único é uma necessidade e uma prova de respeito à individualidade. Contudo, deixar que as diferenças façam com que a rotina familiar se adapte à vontade deles não só provoca transtornos logísticos, como também garante que as crianças jamais irão saber lidar com o ;não;. ;Dar estímulo a uma criança que se esforça é válido. Mas passar a mão na cabeça dela quando não alcança objetivos não é correto.; Tânia alerta que esse foco exagerado nas diferenças individuais faz com que muitos pais comecem a impedir o progresso do filho que, sabendo que será elogiado em tudo, não vai reconhecer as próprias dificuldades. E, pior, jamais aceitará facilmente que seus desejos sejam negados.

Na configuração familiar atual, todas as decisões são precedidas de um temor exacerbado de errar. Se antes os pais sempre tinham certeza de seus atos ; mesmo daqueles que envolviam a censura a muitas atitudes dos filhos ;, hoje há uma inversão de valores. Os pequenos em tamanho se tornam grandes em opinião e são adulados em demasia. ;Tenho quatro filhos e fui mãe muito cedo. Acho que isso me fez ser muito rígida com os três primeiros, porque fui repetindo o que ainda estava fresco na minha cabeça. Com a menor, sou diferente. Quando ela quer algo, dou logo;, admite a professora Andréa Sena, 40 anos.

Mãe de André Luiz, 21, Thaís, 18, Maria Luiza, 14 e Ana Isabel, dois, a professora acredita que o crescimento dos filhos fez com que ela pudesse relaxar mais no controle sobre eles e que a pequena se vale dos louros dessa mudança. Assim, um choro mais dengoso de Ana jamais será interpretado como foi o de Thaís, por exemplo. ;Hoje, vejo que cada filho tem um comportamento diferente, independentemente de como foram criados. Temos que usar nosso instinto materno para saber lidar com esses sentimentos conflitantes e não podemos sentir culpa por gostar deles de forma diferente.;

Sem radicalismo
Gabriel, 15 anos, acredita que a disciplina mais rígida é um apoio à educação que recebe da mãe, Sheilla MeireAcreditando que a liberdade dos filhos é sempre mais importante, muitos pais perderam o respeito pelos professores, taxando-os de culpados quando as notas estão aquém do esperado. A orientadora educacional de ensino infantil Flávia Melo confirma: várias famílias não respeitam a autoridade do professor. ;Muitos pais relegam a educação dos filhos totalmente a nós, quando essa não é nossa obrigação. Por isso, se algo não sai como eles esperam em relação ao comportamento do filho, não admitem que o problema está em casa.;

Para a orientadora, o rompimento com um modelo de educação rígida ; comum na geração anterior à atual ; não trouxe consigo uma forma nova de ensino. ;Os pais estão confusos: não querem voltar ao modelo autoritário, mas não sabem até onde ir com a liberdade.; Segundo a especialista, ainda não há como definir um meio termo razoável, mas a discussão cada vez ganha mais força, o que demonstra que os pais estão fazendo esforços para alterar essa realidade. A supervisora de vendas Sheilla Meire Leite Barbosa, 43 anos, vem tentando fazer com que esses conceitos estejam em equilíbrio em casa. Mãe de Gabriel, 15 anos, ela acredita que a adolescência é a fase em que a liberdade deve ser mais ligada ao limite.

Sheilla lembra que sua educação foi baseada em pouco diálogo e muitas obrigações e, por não considerar que isso seja saudável, tenta conversar sempre com o filho sobre os mais diversos assuntos. ;Vou soltando o Gabriel aos poucos. Deixo que ele faça algo que quer e observo o comportamento. Se foi bom, libero mais um pouco. Tento ser amiga, mas sei bem quando preciso agir como mãe;, explica. Aluno de um colégio militar, Gabriel não teme a disciplina como algo capaz de tolher seu desenvolvimento. Ao contrário, acha que, na sua idade, os adolescentes são capazes de garantir uma juventude mais proveitosa. ;Nossa geração tem mais liberdade que a dos nossos pais, mas nem sempre isso é bom. Sem diálogo, muitos acham que drogas e bebidas são formas de aproveitar a vida, mas estão errados. A disciplina me fez ser responsável.;

Psicóloga especialista em adolescentes, Luciana Lauretti acredita que somente quando os pais conhecerem o mundo dos filhos é que poderão compreender a necessidade deles por liberdade. E, além disso, poderão traçar até onde ser livre não é prejudicial à educação deles. ;Quanto mais informação os pais têm, mais unidos eles ficam aos filhos. Os pais não têm claro o que é liberdade e o que é limite e acham que invadir a vida dos adolescentes é o mesmo que conhecê-la;, observa.

Aí estaria o erro, segundo Lauretti. Ao não confiar no que se ensina ao filho, o pai recorre à invasão de conversas de internet ou devassas em celulares e desperdiçam a chance de conquistar a confiança da prole. ;Se ele invade, quebra a relação e fica ruim quando o temor do mundo se soma ao de ter um filho que não confia no próprio pai;, completa. Por isso, a relação de amizade deve existir, mas nunca a autoridade paterna pode ser colocada em segundo plano. ;Todos os radicalismos costumam ser prejudiciais. Nem é indicado deixar a criança fazer tudo o que quer, como também não deixar fazer nada do que ela quer;, garante Tania Zagury. Ela frisa que a criança não precisa ser reprimida, mas ela precisa entender que cada direito exigido por ela demanda um dever.

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