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Não minta para mim!

É possível, por meio de expressões faciais, descobrir muito mais do que as palavras verbalizadas. Participamos de uma aula para aprender a identificar esses sinais

postado em 20/05/2011 11:07

A executiva de couching Karina Nascimento, 35 anos, precisa identificar bem o que sentem seus clientes para conseguir fazê-los alcançar as suas metas ; objetivo de seu trabalho. A papilocopista Rose Rochael analisa a fundo as emoções das pessoas com quem conversa no trabalho. Só assim consegue que os seus retratos falados sejam os mais específicos possíveis, ajudando nas investigações. O diretor de marketing Renan Botelho, 28, não pode se ater apenas à linguagem falada quando conversa com aqueles com quem faz negócios. Também tem que perceber todos os trejeitos e reações para conquistar bons contratos.

As diferenças profissionais dos três se esbarram quando a fala não consegue dar conta do que eles precisam para executar um bom trabalho. Mas saber por meio de gestos e reações além da voz quando o outro não está sendo sincero é algo difícil, mesmo que essas técnicas acompanhem o ser humano desde sempre. ;A linguagem corporal é primitiva. Quando a pessoa sabe treinar sua percepção dela, vai ver as emoções do outro considerando o que foi dito, como foi dito e as reações que o interlocutor teve durante a fala.;

É possível, por meio de expressões faciais, descobrir muito mais do que as palavras verbalizadas. Participamos de uma aula para aprender a identificar esses sinaisQuem explica é o psicólogo Sérgio Senna, especialista em linguagem corporal e professor da técnica. A Revista participou de um intenso sábado de aula, na qual os segredos dos movimentos da face foram discutidos, diante das microrreações que o rosto humano faz, involuntariamente, e dão tanta informação quando uma resposta bem articulada ; muitas vezes, até mesmo de forma mais verdadeira do que com palavras. Na sala de aula, gente das mais diversas profissões e idades com um único interesse: conhecer melhor as pessoas com quem se relacionam.

;Trabalho em uma empresa familiar com 450 funcionários, centrada em mim, meu pai e minha mãe. Quis aprender a lidar melhor com todos, especialmente para garantir uma melhor interação profissional com quem negocio;, explica Renan Botelho. E por que um curso para ensinar algo que, teoricamente, acompanha a todos desde nascimento? Para Sérgio Senna, a dinâmica das relações humanas se fixou demais no que foi dito e escrito, como se essas formas fossem as únicas de confiança para garantir veracidade na informação, e isso fez com que a humanidade esquecesse o quanto é válido olhar o que o rosto fala.

;Não deveríamos nos esquecer dessa linguagem primitiva, ligada às emoções, e que não deve ser desprezada. Não é uma questão de que uma vai prevalecer. Até porque o conteúdo da mensagem também é muito importante, bem como a forma com que ela é dita;, frisa. O curso é baseado nos estudos de Paul Ekman, psicólogo norte-americano considerado um dos maiores especialistas nos estudos das emoções e expressões faciais. Ele divide o rosto humano em 22 músculos, que, em movimentos conjuntos, denotam expressões como raiva, alegria, tristeza, surpresa e medo, mesmo quando o discurso é contrário. São gestos rápidos, que duram menos de um segundo, mas que, para um olho treinado, criam diversas possibilidades a mais de interpretação.

;Com esses gestos, podemos sentir melhor o que a pessoa quer dizer. Analisar a face me dá capacidade de entender as sutilezas que trarão elementos do crime para facilitar a investigação;, explica Rose Rochael. A papiloscopista explica que o choro, a raiva, o riso amarelo, todos esses aspectos ativam áreas específicas da face, agora conhecidas por ela, e são decisivos para que a vítima consiga explicitar melhor o que viu. ;Elas choram, se emocionam e eu preciso estar atenta às suas expressões, para saber o que perguntar e fazer com que se abram ainda mais.;

Como na ficção
O desejo de compreender além do que se diz é tanto que os estudos de Paul Ekman se tornaram sucesso também na televisão. Desde 2009, o Dr. Cal Lightman (interpretado pelo ator Tim Roth) se vale da linguagem corporal no seriado Lie to me. A série mostra como essa forma de comunicação não verbal é capaz de expressar a verdade maquiada nas palavras. O uso da linguagem corporal é frequentemente contestado pelos personagens do seriado, mas a alta taxa de sucesso e o charme do personagem principal garantem a continuidade do emprego. Com o pendor exagerado dos sucessos da televisão, a série, muitas vezes, dá a impressão de que qualquer movimento diferente durante uma conversa pode indicar uma mentira. Nesse ponto, estudar as levezas dos movimentos do rosto pode levar a definições errôneas.

Para Sérgio Senna, o mais importante de todo o processo é o contexto em que ele se insere. ;Sempre digo que é preciso analisar tudo e não considerar essas interpretações como uma receita de bolo. Há o risco de alguns considerarem todas as microrreações como algo além do que foi dito, mas isso só pode ser afirmado quando tudo ao redor é analisado junto;, garante. Ou seja: apesar das mais diversas técnicas, sempre existirão aqueles mentirosos que conseguirão ir mais longe que um ator oscarizado. E os colegas que, nervosos, demonstram reações atípicas, mas são verdadeiros no que dizem. ;Acredito que saber mais de linguagem corporal pode sim trazer prejuízos a quem vê mentira em tudo. Mas, até mesmo para atendimentos comuns no meu dia a dia, vejo que ela traz mais vantagens que desvantagens;, acredita Rose.

Chegar perto dos personagens do seriado só com muito estudo. E é o que Karina Nascimento vem fazendo. Em sua profissão, o relacionamento sincero com o cliente é indispensável. Executiva de couching, ela trabalha a partir de metas traçadas por quem a contrata. E, com elas em mente, tem de direcionar as ações para descobrir os melhores caminhos. ;Nem sempre o que eles me falam é o que pensam. Com esse estudo, consigo ligar o que ouço com as emoções imediatas. Isso facilita meu trabalho.; Ela dá como exemplo o momento em que, falando de alguma meta, o cliente faz uma expressão angustiada, mesmo que suas palavras sejam corajosas.

;Ali já sei que é um ponto difícil. No couching, é fundamental manter a ligação. Sabendo olhar bem suas reações faciais, entendo melhor o que fazer com as pessoas. E é algo que você treina diariamente, com todos ao seu redor;, completa. Sérgio Senna explica que dominar essa arte é como ter uma máquina do tempo, que te dá cinco minutos de vantagem ao perceber, na face, o que a pessoa sentiu, antes mesmo de ela dizer. ;Você pode se dar conta que o interlocutor está incomodado com aquela conversa e interrompê-la. A pessoa nem mesmo vai perceber que aquele momento não era confortável. Passamos a ver um pouco antes as reações das pessoas.;

Entenda os sinais
Interpretações dependem de contextos específicos. Deduzir sensações a partir de detalhes pode levar a erros. O importante é analisar todas as formas de comunicação, verbal e não verbal, antes de chegar a um veredito. Mas não custa nada um olhar mais atento às expressões que o interlocutor faz durante um bate-papo. Quem sabe você não consegue entender melhor os que te rodeiam?

Raiva: a expressão mais fácil de ser reconhecida, porém há sempre os que querem escondê-la. Imagine que, no trânsito engarrafado, você leva uma fechada de outro motorista. Imediatamente, os músculos da face se enrugam, especialmente os da testa e os que levantam o nariz, formando entre os olhos a expressão que caracteriza a raiva. Em situações menos caóticas, esse tipo de atitude também pode denotar que a pessoa está irada, mesmo que um sorriso amarelo venha acompanhar o contexto.

Tristeza: os mecanismos faciais da tristeza também são baseados no enrugar da testa, mas, nesse caso, menos evidente e com um leve cair de sobrancelhas. A sensação de estar triste também faz com que os lábios caiam, naquela imagem típica de desenhos animados em que o personagem parece prestes a chorar. Muitas vezes, ela vem acompanhada da raiva e, por isso, é importante ficar atento aos olhos caídos junto de sorrisos largos: tem muita gente triste rindo por aí, pode ser até um amigo pedindo ajuda sem ter coragem de falar.

Surpresa: se já fizeram sua festa de aniversário sem que você se desse conta, provavelmente as fotos do momento em que os parabéns começaram explicitam bem essa sensação. Claro que, em casos como esse, a surpresa não quer ficar escondida, até porque ela vem ao lado da felicidade. Aos que precisam contê-la ; caso de alguém ser pego na mentira ;, fique bem atento aos olhos: eles sempre irão abrir, mesmo que o assustado não deixe os músculos da testa enrugarem demais. Uma pequena abertura da boca também é esperada, mas dificilmente virá caso a pessoa tenha de esconder o que sente.

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