Carolina Samorano / Especial para o Correio
Numa sexta-feira de manhã, um grupo de 20 pessoas aguarda, com papéis e algumas varetas nas mãos, a chegada do professor. Os cortes de cabelo modernos e os sapatos coloridos entregam que elas mantêm alguma intimidade com a moda. Preocupada, uma das anfitriãs olha para o relógio e faz algumas ligações. ;Já era para ele estar aqui há muito tempo.; A sócia saíra para buscar o convidado há mais de meia hora e já era tempo de ter voltado. Quando ele finalmente chega, são 40 minutos de atraso. Culpa do trânsito causado por uma greve nos transportes públicos na cidade, que acabou bagunçando a programação do primeiro dia do workshop sobre modelagem tridimensional, módulo básico. Ele entra, sorri para todo mundo e, um pouco sem graça diante da hora avançada, apressa-se em dar início aos trabalhos. ;Estou tão chateada com o atraso. Ele não gosta de fazer ninguém esperar. Prefere chegar antes do que todo mundo;, lamenta uma das organizadoras do curso e sócias do lugar, Elenise Bandeira.
O convidado de honra é o renomado estilista paulistano Jum Nakao, conhecido principalmente pelos desfiles quase sempre performáticos e provocadores na semana de moda paulistana, a São Paulo Fashion Week. O mais famoso e sempre lembrado deles é Costura do invisível, de 2004, quando ao final da apresentação as modelos rasgaram as roupas, feitas em papel vegetal. Mas ali ninguém parece olhar para o estilista como quem está diante de um dos maiores nomes da moda brasileira. Ele perde o sobrenome e vira só Jum, uma pessoa que domina como ninguém as técnicas de modelagem e não se importa em repassá-las a quem interessar possa. Acredita, como ele diz, que os workshops sejam uma forma de educar para a moda, de fazer com que os alunos percebam que criar é bastante diferente de copiar o que se tem aos montes por aí.
;Somos ainda um país esteticamente analfabeto. As pessoas querem criar sem pensar em como se estrutura tudo aquilo, em como se molda uma roupa;, frisa. ;Moda é muito mais do que essa superfície de tecidos sobre a pele. É uma forma de você descobrir quem você é.; Foi mais ou menos essa maneira de pensar sobre moda que conquistou não só os alunos ali presentes, mas as anfitriãs do curso. Enquanto Jum mostra moldes e fotos antigas dos primeiros modelistas projetadas na parede, elas observam e não resistem em soltar elogios.
;O legal no Jum é que ele está sempre disposto a aprender também. Não é uma relação de cima para baixo;, analisa a estilista brasiliense Sandra Lima, que foi orientada por Jum quando era um dos novos talentos do Capital Fashion Week. Hoje, ela faz a força que pode para que outras pessoas tenham acesso a tudo o que ele sabe e, por isso, é um dos nomes por trás das oficinas que acabam de começar. ;Além do conhecimento, a diferença dele para os outros é que ele vem até as pessoas. Ninguém precisa pagar fortunas para ir até ele. E não porque pedem, mas porque ele quer.;
Essa é a segunda vez que Jum vem a Brasília para ministrar o workshop de modelagem. Fugindo de clichês, o ambiente não se parece com um ateliê moderno nem com um backstage de desfile e menos ainda com uma sala de aula de faculdade. A única semelhança com qualquer um desses ambientes talvez sejam os manequins espalhados na varanda. O cenário que acolhe Jum e os alunos é uma casa branca de madeira, numa esquina, a poucos quilômetros do Congresso Nacional, na quase pacata Vila Planalto. A simpática casa nem parece pertencer à capital de traços duros de Niemeyer e, para a maioria das pessoas ali, isso faz parte da graça do workshop.
Principalmente para as donas do espaço, Elenise Bandeira, Sandra Lima e Rosely Ferreira. Desde fevereiro funciona na casinha de madeira o Patch na Vila, que, além de contar com um espaço para venda de produtos de designers da capital ; de acessórios em prata a móbiles quase arquitetônicos ;, abriga um ateliê permanente de patchwork. Tecidos coloridos transformam-se em bonecas, tapetes e bolsas. ;A ideia é trazer a arte para a Vila. E isso é quase uma luta porque é um absurdo como, às vezes, Brasília deixa de olhar para o lugar de onde nasceu;, provoca Elenise, frisando que jamais pensou abandonar a Vila e levar suas criações para o Plano Piloto.
No quarto e último dia do workshop, os alunos estão reunidos no gramado da varanda da casa moldando com os papéis e as varetas nos manequins o que aprenderam com Jum. ;Queria trazer uns músicos para tocar nesse gramado;, planeja Elenise, também professora de música. Antes do ;lanche junino;, com direito a pé-de-moleque e cachorro-quente, Jum dá as últimas orientações aos alunos, um a um. Em tempos de estampas digitais e ateliês impregnados de tecnologia, o estilista ainda valoriza o trabalho manual na modelagem. ;O Brasil nunca passou por isso. Foi do zero à cópia, sem passar por esse processo de criação, que, se você for às maisons europeias, por exemplo, é o que acontece lá também;, compara. Embora a aula seja de modelagem, ele não ensina moldes a ninguém. ;É como na gastronomia. Eu ensino a cozinhar, mas os ingredientes são deles e os pratos quem cria são eles. Não quero que ninguém faça o que eu faço.;
Com toda essa bagagem e viajando pelo Brasil para ensinar técnicas a quem entende de moda e a costureiras que se bastam com uma máquina de costura, Jum ainda não consegue definir peculiaridades da moda do país. ;Temos uma linguagem, mas ainda não conseguimos transformá-la em algo autêntico;, diz. Nem mesmo o artesanato de Brasília, que muitos apontam como DNA da moda da capital, serve de referência, segundo ele. ;É o ingrediente, mas ainda não um prato pronto. Não adianta nada se ele não transmite um corte local. Assim também não existe moda de São Paulo ou do Rio. O Brasil não é um país tão estanque assim. Em qualquer lugar que se vá aqui, ainda consumimos uma coisa só;, conclui.