Gláucia Chaves // Especial para o Correio
No meio da madrugada, o bebê chora no quarto. Você se levanta, cambaleante e sonolenta, para ver o que está acontecendo. Pega seu filho no colo, espera que os soluços dele passem e volta a dormir. A cena se repete a cada chorinho: o outro lado da cama está vazio, por isso, não há com quem revezar a vigília noturna. Ser mãe solteira já foi considerado coisa de mulher promíscua, irresponsável e que não dá valor à ;moral e aos bons costumes; da sociedade. Hoje, porém, a ideia de criar uma criança sem a presença do pai já não é tabu. De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2010, estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres sem cônjuge e com filhos representam 17,4% da população brasileira.
Sem condições financeiras de fazer a produção ser realmente independente, muitas mães solteiras precisam buscar refúgio na casa dos pais ; parcela que vem aumentando nos últimos anos, aponta o IBGE. É o caso da estudante Laila Cristina Reis Toledo, 24 anos, mãe do pequeno Juan, nascido na semana passada. Ela e o pai da criança foram pegos de surpresa pela gravidez. ;Em um primeiro momento, nós decidimos morar juntos. Isso ajudaria a nos organizar para, futuramente, oficializar a união;, conta a estudante.
Conflitos e desentendimentos fizeram com que o namoro acabasse. A decisão de voltar à casa dos pais parecia o melhor a ser feito. Se, por um lado, o pequeno Juan perdeu a chance de ter um quarto só para ele, por outro ganhou uma rede de proteção do lado materno da família. Ainda assim, Laila se preocupa. ;A responsabilidade de criar meu filho não é só minha e muito menos da minha família;, argumenta. ;A criança precisa ter a referência do pai, conviver com ele, e, agora, ele está mais afastado dessa realidade.;
A jovem precisou rever alguns planos, a começar pela faculdade, uma vez que os exames finais coincidiriam com o trabalho de parto. Otimista, ela vê na gravidez uma força motriz para a realização de seus sonhos, como montar o seu próprio lar. Contudo, não há como ignorar a mágoa de saber que o interesse pela chegada do rebento não é compartilhado com o futuro pai. ;Quando a gente estava junto, ele recebia bem as informações que eu passava, mas não procurou nada por conta própria;, diz.
Amadurecimento em dobro
Juliana Moreira Jardim tinha só 16 anos quando engravidou. ;Foi um choque porque adolescente tem uma azeitona no lugar do cérebro. Você tem a sensação de que nunca vai acontecer com você;, relembra a estudante, hoje com 24 anos. Além de ter que se acostumar às mudanças na antes descompromissada rotina adolescente, Juliana ainda precisou ter uma dose extra de maturidade para enfrentar as complicações de uma gravidez de risco. ;Tive que terminar o primeiro ano do ensino médio em regime domiciliar, porque eu tinha queda de pressão e desmaiava sempre;, relembra. Os trabalhos finais foram foram feitos em casa e entregues na escola, para que a mãe pudesse dar atenção ao filho, que nasceu prematuro.
Quando Natan veio ao mundo, Juliana e o companh tinham um ano de relação. O casal permaneceu unido nos três anos seguintes, mas a ruptura foi brusca.As tentativas de compartilhar a guarda não foram bem-sucedidas e a distância aumentou. Aos poucos, os questionamentos do menino com relação à ausência paterna deram lugar ao conformismo. ;Se passo um fim de semana sem vê-lo, já sinto um aperto no peito, porque perdi coisas que ele fez. Fico imaginando como deve se sentir uma pessoa que gerou uma vida e a largou de mão;, confessa Juliana.
Com a ajuda da mãe e das amigas, ela garante que não tem problemas maiores em administrar a rotina. Porém, como não dá ficar com o filho o tempo inteiro, o jeito é ter jogo de cintura para equilibrar as diferentes influências que o pequeno recebe. ;Durante a semana, ele fica mais tempo com a minha mãe do que comigo, e ela tem o jeito dela de educar;, pondera. ;Acaba que todo mundo mete o dedo na educação dele.;
Liberdade cerceada
Da amizade em sala de aula, no ensino médio, surgiu o namoro. Um ano e meio depois, a gravidez. Até Ana Clara completar um ano, os dois continuaram a relação. Porém, os desentendimentos, cada vez maiores, ficaram insustentáveis. ;A relação muda muito. Quando são duas pessoas mais velhas já é difícil, imagina duas crianças tendo que administrar problemas de adultos?;, reflete Gabriela Azevedo de Arruda, 20 anos. Até então, a maior preocupação da estudante era escolher a roupa para a próxima balada. Agora, a realidade é bem diferente: todos os pensamentos e planos são para a filha.
Como todo adolescente prestes a sentir o gostinho de liberdade, Gabriela conta que a gravidez não fazia parte dos seus planos. A matrícula na faculdade e a as saídas de fim de semana tiveram que ser substituídas por fraldas, consultas médicas e canções de ninar. Enquanto o convívio social sofreu uma enorme retração, as responsabilidades cresceram em proporão inversa ; afinal de contas, agora tudo tinha de ser pensado em dobro. ;Você tem que acompanhar os exames, tomar os remédios na hora certa. Não dá para ter o comportamento infantil de esquecer alguma coisa;, ressalta.
Não dividir o mesmo teto com o pai da filha não é algo que chega a incomodar. Desde o início da gravidez, os dois decidiram que o melhor era cada um ficar no seu canto para evitar mais desgastes. A estratégia, reclama Gabriela, funcionou só para um dos lados. ;Durante a minha gravidez, muitas vezes eu deixava de sair, mas ele não. Afinal, quem estava grávida era eu, né?; Para ela, o aparente distanciamento masculino diz muito sobre o papel exercido pela mãe e pelo pai na estrutura familiar. Sem vivenciar todas as etapas da formação do bebê, os homens demorariam mais para assimilar a ideia de que serão pais em breve. ;A ficha do pai cai mesmo quando a criança nasce;, opina. ;Desde que ela estava na minha barriga, eu já a amava. O pai tem que ver a criança, ter um contato, para poder entender o que é.;
Além dos incômodos físicos da gestação, como enjoos frequentes, cãibras e azia, o lado emocional, é claro, também fica abalado. ;No ensino médio, você fica alienado no seu mundinho adolescente. Eu não tinha nem condições de me cuidar, como iria cuidar de outra pessoa?;, questiona a jovem. Por mais que o pai tenha registrado a criança e participe da vida da filha, Gabriela acredita que nada substitui o contato diário. ;Ficar com o bebê só nos finas de semana é bom, dá para levar para o parquinho, essas coisas. Mas no dia a dia é que a coisa pega, você ter que brigar, colocar de castigo, educar mesmo, que é a nossa função de mãe. É o mais complicado;, avalia.
Desabafo virtual
Logo no texto de apresentação, a página da internet já diz a que veio: ;Este blog é destinado a todas as mulheres que, assim como eu, engravidaram ;sozinhas;;. Quando ficou grávida de Luna, hoje com apenas oito meses de idade, a jornalista Flávia Werlang, 31 anos, sentiu falta de uma válvula de escape. Em junho de 2009, por motivos profissionais, a carioca trocou o Rio de Janeiro por Chapecó, pequeno município de Santa Catarina. Lá ela conheceu o futuro pai de sua filha ; que, por quase seis meses, tornou-se o único vínculo social que manteve. ;Começamos a namorar e, em janeiro de 2010, estava grávida;, relembra. ;Eu não tinha amizades, só ele;.
Quando a notícia chegou aos ouvidos do então namorado, Flávia conta que as coisas começaram a desandar. Confuso, ele optou por não se envolver e até começou outro relacionamento. Agora, ambos estão solteiros e o pai participa eventualmente da vida da filha. Flávia teve, então, que reunir forças para enfrentar não só a ideia de criar Luna sozinha, mas também o julgamento dos vizinhos. ;As pessoas no interior são mais preconceituosas;, conta. ;Se você é separada, vira papo de roda de chimarrão. Chegam a perguntar quem está me sustentando;, diz.
Os comentários fizeram com que a autoestima da jornalista fosse ao chão. Até a vida profissional começou a ser afetada. ;Se uma pessoa tiver que optar entre dar um emprego para uma mãe casada e uma solteira, não há dúvidas que a primeira tem mais chances;, lamenta. Sem ter com quem conversar, ela encontrou na internet o lugar ideal para trocar confidências e conselhos com outras mulheres na mesma situação. Hoje o blog () contabiliza mais de 13 mil visitas e serve de fórum para temas como pensão alimentícia e cuidados com o bebê. ;Quando você é mãe solteira, é só você. Mas claro que, às vezes, você quer alguém que lhe dê um abraço, que segure a sua mão e diga que está tudo bem;.
Solteira sim, sozinha nunca
É quase unanimidade entre mulheres prestes a dar à luz: homens demoram mais tempo para absorver a ideia de que serão pais. A gravidez é um momento em que mudanças físicas se somam às psicológicas ; e passar por tudo isso sozinha pode ser complicado. Segundo a psicóloga Daniela Panisi, colunista do site Meu bebêzinho, ter alguém para dividir anseios, medos e expectativas é uma ajuda e tanto para facilitar os momentos de ;padecimento emocional;.
Mas se a gravidez não é uma via de uma mão só, por que alguns homens não se interessam em acompanhar o processo? Para a profissional, o motivo não está necessariamente ligado à inconstância de sentimentos. ;Hoje o que podemos vislumbrar é que as configurações de nossa sociedade pós-moderna produzem relações superficiais;, explica Daniela. ;Não existe um padrão de comportamento, o que percebemos é a dificuldade de vinculação cada vez mais proeminente.;
Contudo, essa aparente capacidade de não se prender emocionalmente também pode ser uma aliada das mães. Se conseguirem vencer o ressentimento em relação à ausência dos pais da criança que esperam, elas podem arregaçar as mangas e resolver os problemas sozinhas. O importante, ensina Daniela, é ter a capacidade de impor limites e deixar o caminho livre para o diálogo. ;A mãe tem que manter uma comunicação fluente com o filho, sabendo ouvi-lo e expor suas opiniões, tentando sempre deixá-lo formar as próprias convicções sobre o pai;, aconselha.
Fugir do pensamento inocente de que a família tradicional ; na qual pai, mãe e filhos moram na mesma casa ; é garantia de que a prole seja plenamente saudável e feliz também ajuda a levar a vida de maneira mais racional. ;Existem muitos pais presentes (no lar) que são completamente ausentes da vida dos filhos;, justifica Daniela. ;Em muitos casos, um avô, tio, amigo da família acaba ocupando esse papel de exemplo a ser seguido. Os exemplos que norteiam a configuração do caráter de uma criança não necessariamente precisam ser o pai.;
Informar-se é melhor do que se lamentar
Há cinco anos, a psicóloga Michelle Falcão é gerente do Adolescentro, centro de referência, pesquisa, capacitação e atenção ao adolescente em família da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. O projeto existe há três décadas e realiza trabalhos voltados para ações primárias de saúde, como educação sexual. Ela conta que a demanda de gestantes por auxílio é grande. Já o trabalho com as adolescentes é preventivo, de modo a evitar a gravidez precoce. ;Muitas vezes, só o que falta é orientação;, justifica.
As meninas podem ingressar no programa aos 10 anos e continuar até 17 anos e 11 meses. Além de conhecimentos técnicos, elas recebem apoio psicológico. Michelle Falcão conta que, em alguns casos, os futuros pais também comparecem.;Tentamos trabalhar a questão da paternidade, passando para esses garotos a noção de que eles também terão responsabilidades e explicando como deve ser a participação deles na vida do filho;, completa a psicóloga.
Se para um adulto, a paternidade representa uma mudança de vida, Michelle explica que, para o adolescente, as alterações são ainda mais bruscas. ;Eles ainda não conseguiram ter o sustento financeiro e emocional nem na vida deles, quanto mais passar isso para um filho;, analisa. Ela frisa que, se a gravidez aconteceu, o melhor é curtir o momento ; claro, sem deixar de tomar os cuidados necessários para que a criança nasça e cresça da maneira mais saudável possível. ;É importante que elas não abandonem os projetos de vida. Com certeza, elas precisarão se afastar do trabalho e escola um pouco, mas essas duas coisas serão, mais do que nunca, essenciais para cuidar da criança.;
O trabalho é um obstáculo para as mães solteiras. Sem ter com quem deixar a criança, muitas ficam sem saber como ajudar nas despesas da casa e no sustento do filho. Para elas, a Associação das Mães Solteiras do Brasil (Amas) pode fornecer alguma alento. Lá, essas mulheres recebem cursos de capacitação e podem trabalhar com empresas conveniadas à associação, explica o presidente da Amas, Paulo Zambrosa. Ele conta que a ideia é fazer com que essas meninas não precisem se separar dos filhos enquanto trabalham. O projeto ainda é novo ; surgiu em janeiro deste ano ;, mas já tem mais de mil pessoas envolvidas, entre alunas, professores e voluntários.
Nos cursos, as mães têm noções de empreendedorismo e aprendem a manter uma rede social na internet e a fazer a manutenção básica de computadores. Todos os módulos são on-line e gratuitos. Para participar, não é preciso ser mãe solteira. Paulo explica que o trabalho é social e voluntário. Justamente por isso, as opções ainda são restritas. Por enquanto, apenas quatro empresas são parceiras da Amas. ;Temos uma psicóloga que faz o serviço de acompanhamento gratuitamente, mas é só por e-mail;, detalha. ;É um remédio para evitar que elas precisem depender inteiramente de outras pessoas, abandonar a criança ou se prostituir.;
SERVIÇO
Associação das Mães Solteiras do Brasil (Amas)
Telefone: (Sem DDD) 4062-0852 Ramal 1250 (ligação local de todo Brasil)
Skype: paulozambroza
paulozambroza@hotmail.com
Adolescentro
Formado por médicos, psicólogos e assistentes sociais, o Adolescentro conta com várias unidades, chamadas Programas de Atenção Integral à Saude do Adolescente. Nem todas oferecem os programas completos, mas os interessados podem entrar em contato pelo telefone do Núcleo de Atenção Integral a Saúde do Adolescente para mais informações. No site da Secretaria de Saúde do Distrito Federal há também os horários, os locais e os serviços prestados por cada centro de saúde.
Nucleo de atenção integral a saúde do adolescente: 3901-3089