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HPV: um mal também masculino

Apesar de a maioria achar que o vírus infecta apenas as mulheres, um índice crescente de homens também sofrem com a doença. E o que é pior: eles contaminam parceiras e parceiros muitas vezes sem saber

;Os homens precisam entender que eles também transmitem e recebem o HPV. É uma questão de solidariedade entre gêneros e, por isso mesmo, é preciso evitar práticas que levem a infecções.; O responsável por um alerta tão sério aos representantes do sexo masculino é feito por um Nobel de Medicina, o pesquisador médico Harald zur Hausen. Ele recebeu uma premiação em 2008 por descobrir a ligação do papilomavírus humano com o câncer de colo uterino. Mas não são apenas as mulheres que correm risco ao entrar em contato com esse vírus. Os homens também estão vulneráveis. Mais ainda porque, em geral, não estão informados quanto ao perigo de contrair a doença. Eles acham que estão imunes ao contágio ou nem sequer assumem parte da responsabilidade de proliferar a doença ao manter relações com várias mulheres sem cuidados adequados. ;É preciso mais responsabilidade por parte da ala masculina;, afirma, com ênfase, o médico alemão.

A declaração tem muita importância para a medicina preventiva, e os homens devem levá-la em consideração. Um estudo publicado na revista científica Lancet avaliou a saúde de homens brasileiros, mexicanos e norte-americanos. Foi encontrado vestígios do HPV em metade dos participantes. O resultado surpreendeu até mesmo os especialistas, pois revelou uma prevalência muito maior que a encontrada em estudos semelhantes feitos com as mulheres, quando o percentual não ultrapassa os 20%. O artigo teve como principal autora a Dra. Anna Giuliano, do Centro de Câncer H Lee Moffitt, em Tampa, nos EUA.
A pesquisa acompanhou 1.159 homens, entre 18 e 70 anos (a idade média foi de 32 anos), por um período de 18 e 31 meses. Dentre eles, havia heterossexuais, bissexuais, homossexuais e homens que afirmaram não ter feito sexo. Nenhum deles era HIV positivo, tinha registro prévio de verrugas penianas ou anais nem estava sentindo ardor ao urinar.

O vírus do HPV é sexualmente transmissível e pode causar desde infecções e verrugas na genitália até cânceres. Em alguns casos, a doença se complica tanto que pode levar inclusive à amputação do pênis. Tradicionalmente, porém, a medicina dedica maior atenção ao HPV nas mulheres. Entre elas, é mais comum o desenvolvimento de doenças mais graves, como displasias (anomalias) e câncer no colo de útero. Segundo a imunologista Luisa Villa, responsável pela parte brasileira da pesquisa, no Instituto Ludwig de Pesquisas Contra o Câncer e coordenadora o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do HPV, sediado da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, o contato com o vírus, porém, está expondo os homens a quadros mais complexos. ;Não se deve menosprezar a carga de doenças que o homem tem com essas infecções;, diz a pesquisadora. Segundo ela, o câncer de ânus está aumentando em incidência em mulheres e em homens, alguns heterossexuais, inclusive. ;Boa parte dos casos de câncer anal é causada por HPV;, revela a pesquisadora.

Uma outra pesquisa brasileira, feita com pacientes com câncer de pênis, mostrou que cerca de 75% dos casos apresentaram o vírus do HPV. Antes desse estudo, desenvolvido pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) e pela Fundação Oswaldo Cruz, a relação entre HPV e cânceres estava ligada apenas ao tumor maligno de colo do útero, em que o vírus é responsável por quase 100% dos casos. Não se imaginava que era possível desencadear a complicação nos homens.

No Brasil, o câncer de pênis representa 2% de todos os casos de câncer no homem, sendo mais frequente nas regiões Norte e Nordeste do que nas regiões Sul e Sudeste. Embora o tumor tenha maior incidência em homens a partir dos 50 anos, pode ser encontrados também em jovens.

O levantamento chama atenção para um detalhe importante: o vírus não está presente apenas no sêmen. Existe HPV nas superfícies, seja de pele (cútis), seja de mucosa, e aí é muito complicado encontrar uma forma de evitar totalmente o contato. ;Para prevenir o câncer de pênis, é necessária uma limpeza diária com água e sabão, principalmente após as relações sexuais e a masturbação. É fundamental ensinar às crianças desde cedo os hábitos de higiene íntima, que devem ser praticados todos os dias. E principalmente o uso de camisinha nas relações sexuais;, aconselha o urologista Antônio Augusto Ornellas, responsável pela pesquisa.

Contágio global
A grande incidência do HPV entre os homens naturalmente afeta as mulheres, uma vez que o vírus é sexualmente transmissível. A infecção por HPV atinge cerca de 630 milhões de pessoas no mundo. Para se ter uma ideia, oito em cada 10 indivíduos sexualmente ativos entrarão em contato com o vírus no decorrer de suas vidas.

Nos Estados Unidos, estima-se que de 75% a 80% dos homens e mulheres serão infectados pelo HPV durante a vida. Para a maioria, o HPV desaparece espontaneamente. No entanto, alguns subtipos podem causar verrugas genitais em homens e mulheres. Nelas, ainda provoca câncer de colo do útero, vaginal e na vulva; neles, câncer anal, de pênis e de boca. Não existe uma forma de se prever quais pacientes terão, ou não, a manifestação dos sintomas.

O HPV pode permanecer no organismo sem qualquer sintoma por meses e até anos. Os tumores malignos, por exemplo, podem demorar de 10 a 20 anos para se desenvolver. A probabilidade de contágio também é alta, varia de 50% a 80%, e o vírus pode ser transmitido mesmo que esteja latente, ou seja, sem manifestação visível.

A maioria dos tipos de HPV não causa nenhum tipo de sintoma e desaparece sem tratamento, o que significa que muitas pessoas não sabem que são portadoras. Por esse motivo, o HPV extrapola o controle tradicional das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e põem em risco a saúde de homens e mulheres. Como pode propagar-se por meio de contato com mão, pele, roupa e objetos, embora seja menos provável, é extremamente importante levar em consideração outros meios de prevenção, como não usar peças íntimas e toalhas de outras pessoas, por exemplo.

O alto custo da imunização
A vacina contra HPV foi liberada em maio para o sexo masculino, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Os brasilienses estão curiosos e vão até às clínicas de imunização em busca de informações. Eles querem saber como age a vacina quadrivalente e qual proteção oferece. A imunologista Mônica Álvares da Silva diz que a procura do imunizante pelos homens é bem maior da que ocorreu em 2007, quando foi lançada apenas para mulheres. ;Os jovens e pais de adolescentes são os mais interessados na vacina;, diz a médica, responsável pela clínica ImunoCenter.

A vacina contra o HPV pode ser usada por homens e mulheres com idade de 9 a 26 anos. Ainda não está disponível na rede pública de saúde, mas pode ser encontrada em clínicas particulares de imunização. O custo é alto: cada frasco sai em média por R$ 370. Para ser eficaz, são necessárias três doses, que devem ser aplicadas em um período de seis meses.

O biólogo Henrique, de 24 anos, faz parte do grupo que pode se beneficiar da novidade, mas ainda tem dúvidas. Em 2008, ele descobriu em uma consulta de rotina que estava contaminado pelo HPV, do subtipo menos agressivo, que provocou apenas um pequena ferida no pênis. Ele não sabe como se contaminou. ;Sempre fui muito cuidadoso. Na época, tinha uma parceira fixa e por isso não usava camisinha. Tenho prepúcio redundante e, por isso, faço acompanhamento médico. Foi assim que descobri a contaminação.; Henrique não apresentava nenhum sintoma, mas com o resultado positivo fez cauterização para eliminar pequenas lesões no órgão genital. ;Não tive verrugas. Sou um sortudo, pois descobri o contágio na fase inicial;, conta.

Sobre a vacina, o biólogo não sabe se pode tomar e se ela será eficaz no seu caso. Mônica esclarece que ele pode receber o imunizante. Segundo ela, a quadrivalente protege quatro subgrupos do HPV: os 6 e 11, que causam as verrugas e feridas, e os 16 e 18, que levam ao câncer. ;Ele com certeza se contaminou apenas com um deles e precisa se proteger dos outros;, explica a imunologista. Dito isso, ela logo faz alerta: ;A vacina não cura, apenas previne. Esse paciente precisa de acompanhamento médico para se cuidar de uma possível recidiva do subtipo que contraiu;.

O urologista Diogo Mendes, presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, regional Distrito Federal, não acredita que a vacina seja a panaceia para a prevenção do contágio do vírus. ;É apenas mais uma arma. O importante para o controle é o uso de camisinha nas relações sexuais, boa higiene dos genitais masculinos, principalmente em homens com fimose, e acompanhamento médico periódico;, aconselha.

Um espaço só para eles
O homem, em geral, é mais descuidado com a saúde. Muitos só procuram o médico quando apresentam alguma doença ou sintoma instalados. Muitos reclamam da falta de médicos especializados em fazer checape masculino e de profissionais que acompanhem a saúde do homem, mesmo quando ele não tem qualquer queixa. No atendimento público, a coisa fica ainda mais difícil. Ou eles entram na categoria de adolescentes e se beneficiam dos programas específicos para essa faixa etária ou se enquadram no atendimento de idosos, que são acompanhados por problemas típicos do envelhecimento, como diabetes, doenças cardíacas ou hipertensão.

Mas e o homem jovem adulto, em pleno auge da vida sexual, que deseja saber a quantas anda a sua saúde, para onde deve ser encaminhado? Em Brasília, pelo menos, eles têm endereço certo. Em 2007, foi criado pela Secretaria de Saúde ; regional de Sobradinho, o Ambulatório de Atenção Básica ao Homem, fruto da fusão do atendimento de DST/Aids com o serviço da Urologia. Pioneiro no atendimento exclusivo do homem, o ambulatório, que nasceu como projeto piloto há quase três anos, passou a fazer parte da rede de saúde da cidade. Para evitar desculpas, eles criaram um terceiro turno de atendimento, que vai até as 22h. Isso facilita a marcação de consultas depois do horário de trabalho.

A ideia do ambulatório para eles surgiu justamente pela preocupação com o grande número de infecção provocada por HPV que não tinha controle nem acompanhamento. ;Naquela época, havia uma verdadeira epidemia da doença, detectada pela ginecologia oncológica e pelo DST/Aids. Mas ao cruzarem os dados, observaram que os homens que procuravam o DST/Aids não eram os maridos das mulheres portadoras de HPV. Logo, tínhamos um grande desafio: um população masculina sem controle e sem orientação, com ampliação da cadeia de transmissão de forma exponencial;, avalia a médica ginecologista Maria Aparecida Murr, especialista em saúde do homem e da família, uma das idealizadoras do projeto.

Funcionava mais ou mesmo assim: diagnosticava-se um grande número de mulheres portadoras dos vírus, algumas inclusive com câncer de colo uterino, mas ninguém tinha notícia do maridos das mesmas, que podiam também estar infectados e nem se dar conta. Não adiantava a mulher se tratar se o companheiro ter o vírus. Virava um ciclo, e o problema não tinha fim.

Com isso, eles foram convidados a olhar para a própria saúde e de suas companheiras também. No ambulatório de Sobradinho, o atendimento é dedicado a eles, mas elas são bem-vindas. O HPV é um vírus que afeta a relação, e a abordagem médica é muitas vezes feita em conjunto. ;A gente procura explicar para o casal que é um problema dos dois, sem culpados. Vão ter que aprender a lidar com isso, controlar a doença e se prevenir;, afirma Maria Aparecida. ;Às vezes, só um manifesta a doença, mas recomendamos que o outro investigue para saber se não tem o HPV também;, acrescenta a médica.

Depois da primeira conversa, o homem que desconfia que tem o HPV é encaminhado para os exames. O médico faz inicialmente a análise clínica. No caso de ter verrugas, o sinal mais evidente do problema, o profissional muitas vezes consegue identificar, só de olhar, se são resultado da doença ou não. Se preciso, submetem o paciente a uma peniscopia/genitoscopia. É como uma espécie de exame ginecológico masculino. Eles deitam em uma cama com as pernas afastadas. O médico, com a ajuda de uma lente de aumento, analisa toda região genital, onde previamente pode ter sido aplicada uma substância química que realça lesões causadas pelo vírus, mas que não estão tão visíveis ao primeiro olhar. ;Apesar de alguns ficarem constrangidos, a posição desse exame é muito importante para a avaliação de regiões como ânus, que ficam mais escondidas e também podem ser infectadas pelo HPV, aumentando o risco de câncer no local;, explica Maria Aparecida.

Diagnosticada a doença, é hora de tratar. O tratamento inclui remédios orais, cauterização da verrugas ou pequenas cirurgias para retirada das lesões mais resistentes. A partir daí, resta monitorar a doença, se prevenir e, especialmente, evitar a contaminação de outras pessoas. ;A doença não tem cura, mas o uso de preservativos ajuda a evitar a transmissão;, relembra a ginecologista. De resto, ela pode se manifestar a qualquer momento. Estresse, baixa imunidade ou doenças como diabetes podem desencadear os sintomas. Por isso, é importante cuidar da saúde e estar atento a qualquer sinal do vírus.

Mudanças de comportamento e na vida sexual também são obrigatórias uma vez infectados. Guilherme (nome fictício) tem 19 anos, porte atlético e fama de namorador. Um tanto descuidado também. ;Às vezes, você está ali, na empolgação do momento e, quando vê, aconteceu e não usou a camisinha. Depois bate o arrependimento;, comenta o rapaz, ao sair de mais uma sessão, no ambulatório de Sobradinho, para cauterizar a verrugas provocadas pelo HPV.

Ele tem namorada fixa há um ano, ;mas sempre rola traição;, avisa. E, com a vida desregrada, aumentaram os riscos. Até que sentiu uma coceira no pênis e achou estranho. Depois, apareceram as verrugas. Foi o sinal de alerta para procurar o médico. Como acontece com a maioria dos homens infectados, o primeiro sentimento foi o de preocupação. Eles têm medo de ser algo mais grave, que tenha como consequência o comprometimento da virilidade. ;Quando você recebe o diagnóstico de HPV e de que não tem cura, você imagina que vai morrer;, conta o rapaz, que, ao saber da doença, desabafou com o irmão mais velho e descobriu que ele também tinha vivido a mesma história. ;Ele me disse que era só usar o remédio e era tranquilo.;

O erro é justamente esse, pensar que basta tomar os remédios, se livrar das verrugas e pronto. Na verdade, o vírus fica incubado, podendo se manifestar novamente ou não. Outro problema é manter relações com mais de uma parceira sem preservativos e espalhar a doença. Ainda que o HPV possa ser transmitido pelo contato oral ou genital com fluidos contaminados, e no homem possa ser contraído pela bolsa escrotal, uma das formas mais eficientes de prevenir a doença ainda é o uso de preservativos.
Depois do susto, Guilherme se conscientizou e não quer mais transar sem se proteger. O difícil está sendo convencer a namorada, que fez o exame e não detectou a presença do vírus. Com o resultado negativo, a jovem de 19 anos não quer usar a camisinha. ;Ela acha que está livre da doença.;

Investigando o vírus
Além das consultas mais detalhadas, os exames laboratoriais para a detecção do HPV estão mais eficientes. Um dos mais recentes é a genotipagem do vírus. Há dois anos disponível em Brasília, o método consegue não só identificar o genótipo do vírus e os riscos que representam, como também se há infecção múltipla ou não. Ou seja, o exame aponta se a pessoa foi infectada por mais de um subtipo. Inclusive o paciente assintomático, cuja parceira tenha apresentado o problema, por exemplo, pode se submeter à análise e descobrir se também tem o HPV.

Tudo isso representa um avanço em relação ao exame anterior, de captura híbrida, que dizia apenas se o vírus encontrado era de alto risco ou de baixo risco, mas não apontava quantos e quais os tipos foram detectados. ;O diagnóstico de infecção múltipla é muito importante. Há estudos que sugerem que se você tem mais de um subtipo de HPV aumenta a probabilidade de evoluir para o câncer;, considera Lídia Abdalla, farmacêutica bioquímica e superintendente técnica do Laboratório Sabin.

Como o vírus se apresentam com mais de 100 roupagens distintas, é preciso saber quais foram os responsáveis pela infecção. A definição ajuda a prever os riscos. Pelo exame, é possível identificar 24 de todas as variações, incluindo as18 de alto risco, que apresentam mais chance de evoluir para o câncer. Entre eles, está o 6 e o 11, que causam as verrugas e feridas; e o 16 e o 18, que levam ao câncer. Com o resultado da genotipagem na mão, fica mais fácil adotar procedimentos de tratamento que diminuam os riscos de complicação.

A coleta é muito simples. Durante a consulta, o médico colhe, com o auxílio de uma escovinha, o material para análise no pênis e outras regiões afetadas. Ali, retira-se o material genético do vírus seja na secreção provocada pela doença ou em volta das verrugas, se houver. No caso dos pacientes assintomáticos, a coleta é menos óbvia, por isso mais difícil, e o resultado menos exato, mas é possível obter amostras que apontem a presença do vírus. Depois, é só levar para o laboratório.

A necessidade de uma investigação mais profunda da própria saúde é confirmada pelo estudo Distribuição dos Genótipo/espécies de HPV em infecções simples e múltiplas em homens e mulheres, realizado pela equipe de biologia molecular do Laboratório Sabin. Eles analisaram mais de 2 mil exames de genotipagem feitos em homens e mulheres, realizados no laboratório, de fevereiro de 2009 a maio de 2011. No grupo masculino analisado, foram mais de mil pacientes com a média de idade de 32 anos.

O balanço revelou que eles não estão livre dos vírus do HPV e que a doença se mostra cada vez mais agressiva, exigindo mudanças de comportamento por parte dos homens. Eles tiveram mais resultados positivos do que elas. Cerca de 56,8% das amostras masculinas analisadas tinham vírus, enquanto 40,2% das mulheres tiveram o mesmo resultado. ;Um dos nossos achados foi que os homens têm significativamente mais infecções múltiplas que as mulheres. Mas esse tipo de análise é apenas o primeiro passo. Chegar à relevância clínica é outra coisa e esses resultados devem ser confirmados por outros estudos. Estamos aumentando o número de amostras avaliadas para que o trabalho fique mais acentuado;, considera o coordenador da pesquisa Gustavo Barra, farmacêutico e doutor em farmacologia molecular. A pesquisa mostrou que 55% deles apresentaram infecções provocadas por mais de um subtipo de vírus, cerca de 11% a mais do que foi diagnosticado nas mulheres.

No entanto, foram elas as mais afetadas pelos genótipos cancerígenos do que eles. Cerca de 77% contra 57,8%. A diferença de porcentagem pode estar relacionada ao chamado tropismo tecidual, que significa a preferência do vírus por determinados tecidos, como o colo do útero, expondo as mulheres a maior risco.
Nos homens, o subtipo mais presente foi o 6, considerado de baixo risco. Mas o perigo não está tão distante. Em terceiro lugar, apareceu o 16, tido como perigoso. ;Não podemos excluir que essas diferenças sejam decorrentes do fato de que os homens são testados apenas quando já apresentam a lesão, diferentemente das mulheres, que fazem exames regulares, incluindo a genotipagem mesmo nas ausência de lesão;, avalia Gustavo. Na prática, eles podem até ter o vírus de alto risco, mas se não há sintomas sequer desconfiam ou vão ao médico. E, para fazerem o exame, só mesmo se tiverem alguma queixa.

Esses dados foram apresentados, e o estudo premiado, em julho deste ano, em um encontro de análises clínicas nos Estados Unidos. Para os pesquisadores envolvidos, isso é um reconhecimento da importância de se discutir e desvendar um tema novo como a genotipagem. ;Além disso, a infecção pelo HPV em homens e as infecções múltiplas são temas pouco estudados. Para nós, é uma satisfação, pois estamos contribuindo para a ciência brasileira;, comemora o pesquisador.

O significado emocional da doença
O HPV mexe com muitas emoções. Além da preocupação física, de o quadro evoluir para um câncer, há ainda a falta de informação, que provoca medos e apreensões. Fala-se em doença sexualmente transmissível e logo se associa a impotência e dias de vidas contados. Sem falar nas questões ligadas à traição. Ainda que a doença possa ter sido contraída anos antes e só ter se manifestado depois, muitos casais convivem com o fantasma da traição, que pode ser real ou não. Descobrir que o HPV contaminou o casal leva a desconfianças e cobranças. O homem infiel se sente culpado; o traído, ferido.
Casado há 12 anos, o mecânico Robson (nome fictício), 28 anos, não nega que tinha seus casos fora da relação. Alguns duradouros até, como o que mantém há 1 ano e 7 meses com outra mulher. Nunca se preocupou com os conceitos de fidelidade até que foi diagnosticado com HPV. Primeiro, veio a vergonha. Não teve coragem de compartilhar o drama com nenhum amigo. ;Depois, as pessoas falam: ;Aquele cara é doente;;, pensou.

Depois bateu o medo de contar à mulher. Como ia explicar que tinha uma doença sexualmente transmissível se ela, teoricamente, é sua única parceira. Por fim, a angústia de ter passado uma doença grave para a mulher, que pode torná-la vulnerável a um câncer de colo de útero, por exemplo. É o momento da culpa. ;Como não sentir culpa nesse caso?;, diz o rapaz. Assim, não teve escolha e a alertou sobre o problema. Ela precisava fazer os exames e saber se estava com a doença. Inclusive a amante precisava de cuidados. Ela também foi avisada e agendou a avaliação médica. ;Eu até disse para ela que daqui em diante, se quiser ficar comigo, só se for de camisinha;, afirma Robson, agora, bem mais responsável.

As duas mulheres ainda não sabiam se tinham HPV ou não. A mulher desconfiou da infidelidade. O mecânico tentou amenizar sua situação usando o argumento de que o vírus poderia ter sido contraído em uma relação anterior a dos dois. O mais importante agora, para ele, era se cuidar e evitar colocar as mulheres com quem mantinha relação em risco.

O HPV muitas vezes é realmente fruto de uma traição. Alex, 16 anos, é diferente dos demais que aguardavam para ser atendidos no Ambulatório de Atenção Básica ao Homem de Sobradinho. Homossexual, ele usa cabelos compridos e tingidos, maquiagem, unhas pintadas e roupas feminina Mas seu corpo é de homem, então precisava de cuidados dedicados à sua anatomia. Por isso estava ali. Há quatro meses começou a sentir uma ardência no ânus. O local insistia em ficar úmido e, depois, vieram as lesões. Nessa época, ele morava no Rio de Janeiro. Por lá, o médico disse que era hemorroida. Alex até começou a se tratar, mas o quadro só piorava. Procurou um urologista que disse que o caso dele era HPV e só tinha um fim: o câncer. ;Eu entrei em depressão. Achava que HPV era o mesmo que HIV. Pensei que fosse morrer.; Assustado, o adolescente pediu ajuda a uma tia que mora na capital e ela conseguiu atendimento no ambulatório. ;Ela disse que em Brasília tinha um ;ginecologista; para homens;, conta o cabeleireiro, se referindo aos especialistas na saúde masculina.

Foi quando se mudou para cá e começou o tratamento. As feridas estão quase cicatrizadas, mas o emocional do menino está destruído. ;Eu pensava que essas doenças só poderiam ser transmitida em relações com mulheres;, conta. É que, no caso de Alex, o HPV na região do ânus foi provocado pelas relações com um homem. O primeiro de sua vida, segundo ele, com quem transou sem camisinha. ;Confiei nele;, conta. Foi quando descobriu a doença e, com ela, a traição. O ex-namorado, de 23 anos, também mantinha relações com outros homens, travestis e prostitutas. Uma rotina de risco que levou a doença para o adolescente desavisado. Além do HPV, ele contraiu sífilis. ;Hoje não confio mais em ninguém. Não quero que ninguém passe pelo que passei.;