Cecília Garcia // Especial para o Correio
No mundo de hoje, preferir ficar sozinho a estar acompanhado não é algo comum. Basta observar a busca frenética por amigos e seguidores em redes sociais. O espanto é maior ainda quando o isolamento temporário se trata de uma escolha consciente e não de uma falta de opção. A seguir, vamos conhecer a história de três pessoas que gostam de ficar sozinhas e estão de bem com a vida por causa disso.
Voo solo na Europa
Tudo começou em 2007, quando a professora de espanhol Suzana Dias, hoje com 33 anos, quis conhecer a Espanha. Aproveitando o convite de uma prima, que morava no norte do país, viajou com a tranquilidade de encontrar alguém que já conhecia bem o lugar. Ao chegar, o primeiro obstáculo. Por conta de um mal-entendido, não pôde ficar na casa de sua parente. Sem rumo definido e em um país estranho, acabou conhecendo um rapaz, para quem contou toda a sua história. Com a conversa, veio o inesperado convite para que se hospedasse em sua casa. ;Ele se tornou meu anjo da guarda. Todas as vezes que volto à Espanha, passo para visitá-lo. Deus coloca as pessoas certas em nosso caminho;, conta.
E isso foi só o primeiro dia da viagem, que durou dois meses. Depois que saiu do norte do país, Suzana foi a Madri, seguiu para Sevilha, de lá para Cádis e voltou para o norte, onde ficou até voltar ao Brasil. O retorno também não foi dos mais tranquilos. ;Minha passagem de volta estava marcada em um aeroporto no norte, o problema foi que eu não tinha mais dinheiro para ir por via aérea até lá. Tive que pegar um ônibus, em uma viagem que durou 16 horas.;
Com a primeira experiência de turismo single, vieram alguns aprendizados. O primeiro deles foi o de comprar a passagem de volta em um aeroporto próximo à última cidade que visitasse. ;É uma das coisas que a gente aprende pra não errar mais, principalmente quando se está sem ninguém. Além disso, é importante saber o idioma do país que pretende conhecer;, afirma Suzana, que passou por maus bocados ao ir, sozinha, à Itália, sem dominar a língua.
A professora soma quatro idas sozinha à Europa e mais de R$ 40 mil em gastos. Pelos números, já é possível perceber a coragem e o desapego de Suzana. ;Encontrei, durante a viagem, várias pessoas que me perguntavam se eu não tinha medo;, conta. ;Mas quando é para autoconhecimento, para testar o idioma e o enriquecimento pessoal, vale mais a pena viajar sozinho.; Contudo, essa não é a única vantagem. ;Você se descobre capaz de fazer um monte de coisas, de ser independente. E o principal é fazer o que quer, como e onde quiser, sem ter que entrar em acordo com ninguém. É ter mais liberdade.;
O número de pessoas que viajam sozinhas, com a finalidade de fazer as próprias escolhas e conhecer gente nova, vem crescendo no Brasil, de acordo com o professor do curso de Turismo do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb) e dono de agência de viagens William José Gonçalves. Existem, inclusive, agências especializadas nesse tipo de serviço. ;O que essas pessoas querem é decidir o que querem fazer, sem ninguém dando palpite, fazer seus horários de acordo com seu ritmo e treinar outro idioma;, explica.
Antes de botar o pé na estrada
Apesar das vantagens do turismo single, é necessário observar alguns cuidados antes e durante a viagem. William José Gonçalves alerta para alguns aspectos importantes para que viajar sozinho não se torne uma experiência traumatizante:
; É preciso planejar e estudar muito bem o lugar que se pretende conhecer, avaliando os possíveis riscos à segurança e à saúde, já que não haverá nenhum conhecido para ajudar.
; Avaliar possíveis problemas de infraestrutura do local para saber o que te espera.
; Quem não tem o hábito pode se sentir solitário e assim conhecer pessoas que não são bem intencionadas, ficando mais sujeito a roubos e abusos.
; Mulheres devem tomar cuidado especial porque se tornam alvos quando estão sozinhas. É importante que estudem a questão cultural e descubram como a mulher é tratada no local que se pretende visitar.
Em companhia da sétima arte
Quem nunca quis ir ao cinema, mas não conseguiu companhia? Isso nunca foi impedimento para a autônoma Djuli Orlandi, de 26 anos. Há dois anos, ir sozinha ao cinema tornou-se um hábito. E o faz todas as segundas à tarde. ;É um dia bem calmo, não vai quase ninguém. Na verdade, quanto menos gente, melhor;, conta.
Não ir acompanhada tem suas vantagens. Para a autônoma, desse modo não há preocupação com a questão de horário. ;Se tem uma sessão daqui há cinco minutos e quero ir, eu vou;, conta. ;Não preciso ficar procurando lugar para todo mundo, e como gosto muito de conversar, ficar sozinha ajuda a me concentrar melhor no filme.;
Pode parecer besteira, para quem não tem o hábito, se dar ao trabalho de sair de casa, sozinho, para ver um filme. Seria mais fácil alugar, e algumas locadoras entregam em domicílio. Porém, para Djuli, o contexto da sala escura de cinema, o cheiro do lugar, os trailers, tudo isso a influencia para melhor aproveitar a sessão. ;É mais que um hobby. É um tempo que tiro para mim. Uma espécie de terapia.;
Mas não são todos que aceitam bem tal costume. De início, seus pais achavam um pouco triste, mas depois se acostumaram. ;Quando chego cedo, as pessoas que estão na sala de cinema ficam me encarando por eu me sentar sozinha. Mas tenho bastante autoconfiança, sou o que sou independentemente do que os outros pensam.;
Pedro de Aguiar Botelho também é um dos adeptos de realizar, sozinho, atividades tradicionalmente feitas em grupo. O hábito começou quando o estudante de 25 anos ainda estava no ensino médio. ;Eu era muito dependente da companhia e, se meus amigos não quisessem sair, acabava ficando em casa;, conta. Mas Pedro acabou colocando a dependência de lado e decidiu não mais podar suas vontades por causa dos outros.
Encontrá-lo fazendo compras ou indo ao cinema sem a companhia de ninguém é fácil. Para as sessões, o motivo do isolamento temporário é a tendência que o estudante tem de conversar durante o filme, o que atrapalha a própria concentração e a dos outros. Além disso, considera como um prazer o tempo dedicado a si mesmo.
Já nas compras, o motivo é querer fazer as coisas do seu jeito. ;Às vezes, gosto de uma calça, por exemplo, e não quero ficar ouvindo opiniões de outras pessoas nem que elas digam que acharam feio;, esclarece. Até nas compras de supermercado, o motivo é semelhante. ;Não gosto de ter que discutir preço e qualidade de coisas como extrato de tomate;, brinca.
O que diz a psicologia
Pessoas como Suzana, Djuli e Pedro causam certo estranhamento nos outros por mostrarem que é possível, sim, ser feliz sem ter companhia para tudo. A psicóloga Graziela Mistura explica que o espanto vem do fato de que as pessoas são seres sociais. ;Por isso, consideramos esquisito quando vemos alguém que interage pouco. Vivemos em sociedade, sempre nos relacionando. Então, essa reação de resistência é normal.;
Contudo, enquanto esse isolamento, em determinadas atividades, não gera transtorno antissocial nem sofrimento, a pessoa pode passar a vida tranquilamente, sem medo de cair em um quadro de solidão. Porém, quando o isolamento é provocado por ansiedade, falta de habilidade de socializar, medo de que algo ruim aconteça e há sofrimento, aí sim é o casa de se procurar ajuda.
Entenda a diferença
Segundo a psicóloga Graziela Mistura:
-Sozinho: é a pessoa inteiramente só, sem nenhuma companhia. Mas ela é funcional, ou seja, ativa socialmente, gosta de viver sozinha e vive bem com isso. Sem carga negativa.
-Solitário: é quando o sozinho deixa de ser funcional. Quando o isolamento atrapalha a vida e a pessoa passa sofrer, aí pode ser um caso de solidão.
Agradecimento: Cinemas Severiano Ribeiro