Essa não é mais uma matéria sobre como perder o excesso de peso ; diga-se, de forma saudável ; e manter-se em forma, sem desespero ou sofrimentos. Tampouco é um texto sobre novas dietas e promessas de emagrecimento rápido, eficiente e definitivo. A ideia, no entanto, é tentar traduzir os sentimentos e emoções de quem passou uma parte da vida se olhando no espelho e não gostando do que via. Eram quilos a mais que pesavam sobre a autoimagem e destruíam a autoestima de mulheres com muitos pontos acima na balança. Hoje elas estão em forma, com corpos diferentes e com o amor próprio fortalecido. Elas contam como é sentir o preconceito em uma sociedade que acha a gordura algo detestável, e falam do orgulho de dar a volta por cima.
A motivação veio com o lançamento de um livro de título curioso, Diário de uma ex-gordinha, assinado por Siluandra Scheffer, 32 anos, ;nascida em Palhoça (Sul do país), ex-entregadora de mercado, ex-babá e doméstica, ex-vendedora de seguros, ex-atendente de quiosque de balas, ex-vendedora de lojas, ex-massoterapeuta, ex-miss e ex-gorda;, como ela mesma se define.
Hoje Siluandra se apresenta como escritora e palestrante. É que ela viaja por todo o país para contar a mudança de vida conduzida por sua força de vontade. A moça do interior, pobre, de cabelo mal cuidado, dentes tortos e que falava errado, perdeu 30 quilos, renovou a aparência e realizou um grande sonho ; o de ser vista por todos não como a gorda desajeitada, mas como uma mulher bonita, dona de medidas ideais. Conseguiu. Depois de emagrecer, foi eleita miss três vezes em concursos realizados em sua cidade natal e em regiões próximas. Uma superação para quem já tinha sido demitida por estar acima do peso.
Da mesma forma que ela, outras mulheres experimentam reeducar a alimentação, começar uma rotina de exercícios ou corrigir algum distúrbio do organismo causador de obesidade. Com a mudança da aparência, vem a transformação em todos os outros aspectos de vida: amor, amizades, trabalho e autoestima. Mais importante, elas aprendem a ter uma nova relação com a comida. ;Muitos obesos têm dificuldades de lidar com os pequenos problemas do dia a dia e dizer ;não;. A comida passa a ser um apoio nos momentos felizes e nos tristes;, avalia a psicóloga clínica Paula Silva, que acompanha obesos mórbidos no pré e no pós-operatório da cirurgia de redução do estômago. ;O processo terapêutico ajuda a identificar os motivos que levam as pessoas a descontar a ansiedade na comida, adquirindo essa desorganização alimentar;, acrescenta a especialista.
Além do novo comportamento durante as refeições, um ex-obeso tem o desafio de aceitar a nova imagem. Em primeiro lugar, precisam aprender a se ver como uma pessoa magra. Depois de muitos quilos perdidos, é comum estranhar o próprio corpo, assim como a atenção que ele desperta. Algumas mulheres continuam usando as roupas largas de sempre para esconder as novas formas. Por timidez e insegurança. ;Muitas emagrecem tão rapidamente que sequer estão preparadas para se reconhecerem nesse corpo. O ideal é colocar um bom espelho no banheiro para acompanhar o processo. Quando estão acima do peso, as pessoas nem querem se olhar;, afirma Fernanda Fernandes, gerente nacional dos Vigilantes do Peso.
A nova forma física também traz expectativas. Fernanda diz que é importante não atribuir à perda de peso ganhos que independem da balança, justamente para evitar frustrações. É como em uma cirurgia plástica, em que a pessoa acha que modificando o rosto poderá ter um novo emprego, um novo amor e ser mais feliz. Claro que a satisfação com o novo peso ajuda nessa conquista, mas não dá para atribuir à obesidade todos os fracassos do mundo.
Mas os ganhos chegam, e até isso a nova magra precisa aprender a administrar. Paula explica que algumas pacientes ficam confusas diante da nova imagem. Não sabem como se vestir ou como lidar com o assédio. Algumas pessoas se casam, outras se separam. Refazem o armário, mudam o cabelo. Descobrem que são mais bonitas e poderosas do que imaginavam. Quem está em volta estranha e até se incomoda, acredite! É preciso entender os ciúmes e a inseguranças alheios. ;A mudança pode gerar ciúmes dos amigos, por exemplo. Afinal, a pessoa sempre foi ;a gorda; da turma e agora está sendo paquerada, recebendo atenção;, comenta a psicóloga.
Terapia ajuda no processo. Determinação e persistência também. Mas aquelas que seguiram esse caminho não voltam atrás. Deixaram de lado os velhos hábitos e se orgulham da nova rotina, do novo corpo e do exemplo que podem dar aos outros que passam pelo mesmo sofrimento. Jovens como Siluandra, Carolina e Cristina se livraram do estigma de ;gordas; e se tornaram mulheres mais bonitas, mais confiantes e muito mais saudáveis.
Frente a frente com o espelho
Carolina Alves abre a porta de casa para receber a reportagem. A assessora parlamentar é uma jovem de rosto fino e perfeito. Tronco muito estreito e quadril cheio de curvas. Impossível desconfiar que um dia esteve mais de 50kg acima do peso. Recuperou a forma há quase dois anos, depois de um cirurgia de redução de estômago. Ela sempre se achou bonita, mas o excesso de gordura estava fazendo seu corpo jovem sofrer. Ela já não conseguia nem mesmo caminhar no shopping. As pernas inchavam, os pés doíam. Os exames mostravam que em breve sua saúde estaria seriamente comprometida com doenças típicas do envelhecimento e do descuido com o corpo.
Carol usava biquíni na praia, sem problemas com as formas fora do padrão de beleza. Sempre namorou e teve muitos amigos. Na adolescência, já era obesa. Amava comer. E sempre em excesso. Devorava sanduíches e pizzas em quantidades generosas. Ficava em casa assistindo a três filmes seguidos, sempre acompanhada de petiscos gordurosos. Saía no meio da noite para comprar fast-food. No restaurante, ;não sabia escolher. Queria provar tudo que tinha no cardápio;, relembra.
Ansiosa, compensava no prazer de comer as frustrações comuns à vida de qualquer pessoa. Somado à isso, tinha uma disfunção metabólica que dificultava a perda de peso. ;Cheguei onde nenhuma mulher gostaria de estar, com mais de 100kg, mas levantei a cabeça e segui em frente. Resolvi passar pelas dificuldades e mudar minha vida. Hoje estou com 60kg e me considero uma vitoriosa;, comenta a jovem que, apesar de se considerar bem resolvida, chorava quando não conseguia se acomodar na cadeira do avião ou passar na roleta de entrada para um show. Também voltou para casa em um dia de férias na praia quando escutou piadas sobre seu corpo e se desesperou no meio do shopping quando não conseguiu comprar uma camisetinha básica nem mesmo em uma loja especializada em roupas para grávidas.
O último episódio foi o estopim. Decidiu que nunca mais se sentiria daquela forma. Como o seu caso era de obesidade severa, teve que fazer uma cirurgia para diminuir o estômago. No começo foi difícil. Chorava com vontade de comer. Mas aguentou. Tinha que aprender a lidar com as tentações da comida. ;O que muda é a maneira de enxergar a vida. Antes, vivia em função da comer. Tudo que fazia envolvia a comida. Só queria ir a praia se tivesse bolinho frito, só ia a festa com coisas gostosas. Eu era escrava da comida e a psicologia me ajudou a entender isso;, relembra. ;Em um processo como esse, você precisa ter consciência que não é só emagrecer. Muda tudo. Eu acredito que as pessoas engordam por um motivo emocional e, por isso, devem resolver as questões que as levam a compensar na comida;, acrescenta Carolina.
Hoje ela aprendeu a comer. Faz lanches em horários específicos. Tudo saudável. Exageros nunca mais. Exercícios físicos fazem parte da rotina. E está feliz assim. Muito mais magra, também mudou o armário. Começou a usar vestidos, roupas coladas que nunca tinha usado. Se acha ainda mais bonita. Segue em uma relação de oito anos, mas nota olhares de galanteios de outros homens, ;coisa que nunca mais tinha acontecido;, conta. Mostra sem problemas a foto de quando estava obesa. Não se importa com isso. Aliás, se orgulha da transformação. ;Mas não quero ser gorda mais. Como não enxerguei antes que a gordura me fazia tão mal? Como eu podia ser tão bem resolvida daquele jeito?;, questiona-se.
;Quem é gordinho sofre muito;
Usando um vestido de malha rosa, bem decotado e de cintura ajustada, a bacharel em direito Cristina Correa, 26 anos, em quase nada lembra o que era na adolescência. Na época, bem acima do peso, só escolhia roupas pretas e largas. Usava aparelho, cabelos curtos, encaracolados e sobre o rosto, em uma tentativa de esconder a figura que ela não gostava de ver. De se ver, na verdade. ;Não ligava para vaidade. Comprar roupa era uma tortura. Tudo ficava feio. Com isso, comecei a não querer sair de casa. Se não gostava de mim, como gostaria dos outros?;, questiona.
Ela não esconde o desconforto em tocar no assunto. Fica nervosa, com a fala apressada. Em outros momentos, os olhos se enchem de lágrimas ao lembrar das piadas que os colegas faziam sobre sua aparência. Isso foi no ensino médio, fase em que todos namoravam e disputavam a atenção na escola. ;Quem é gordinho sofre muito, muito mesmo;. Não gosta de mexer nas fotos antigas. Fazer com que ela mostre uma é um desafio. ;Não sei onde estão. Não fazia fotos naquele tempo;, justifica-se.
O excesso de peso foi resultado de uma combinação de fatores. Ansiosa, ficava em casa comendo o tempo todo. Exagerava tanto que chegava a, literalmente, passar mal. ;Não sabia identificar nem quando estava realmente com fome;, conta. Valia tudo: besteiras e pratões de massa, carne e feijão. O pai dela, que é médico, se preocupava com a saúde da filha. Mas isso deixava a menina mais angustiada. Ela até tentou: foi a nutricionistas, endocrinologistas, fez dietas saudáveis e outras de método duvidoso. Ia malhar no fim da noite, ;para não ser vista por ninguém;, mas a balança continuava marcando mais de 90kg.
Até que entrou na faculdade e tomou a decisão. ;Queria ter uma foto bonita da minha formatura como aquela;, diz, apontando para o retrato, no peso certo, na parede da sala de estar. Para chegar nesse ponto, Cristina teve de mudar a rotina radicalmente. Com força de vontade, e sozinha, começou a controlar a alimentação e a fazer exercícios físicos. Em dois anos, perdeu 30kg. Isso foi em 2007. Hoje, pesa 63kg. Está em forma e com o corpo bonito. O cabelo cresceu, está liso e loiro. Sem aparelho, exibe sorriso de dentes perfeitos. Ainda não se vê magra como está de fato, mas cuidar da cabeça e da autoestima faz parte da meta. ;Quando vejo uma foto antiga, me sinto muito incomodada, desconfortável, com muita vergonha. Depois de emagrecer, me sinto mais confiante, mais apta para fazer qualquer coisa. Apesar de ser tímida, sendo mais magra ou não. Meu desejo é esquecer a imagem do passado e focar em uma imagem mais feliz e saudável no futuro;, diz.
ENTREVISTA// Gustavo da Costa
Um dos primeiros passos para reduzir o peso é se alimentar de maneira correta e saudável. Veja as dicas do nutricionista Gustavo da Costa.
O que tem levado as pessoas a ganhar tanto peso?
Parte é resultado da dificuldade das pessoas em estabelecer uma rotina saudável, que se adeque a seu estilo de vida. A má escolha dos alimentos; o desconhecimento da quantidade correta de comida em cada refeição; a necessidade de se alimentar rapidamente (muitas pessoas nem têm mais o horário de almoço disponível); a falta de tempo para se exercitar; o estresse diário, dentre vários fatores, ajudam bastante, não apenas no ganho de peso, mas também no surgimento de doenças associadas à obesidade.
Mudando apenas a alimentação é possível perder 20, 30kg?
Depende do caso. Há indivíduos que não podem fazer atividade física por limitações corporais ou orgânicas, como os muito obesos ou os portadores de doenças graves. Nesses casos, eles têm que se dedicar quase que exclusivamente à dieta para reduzir o peso. Mas, para a maioria das pessoas, é fundamental adotar um estilo de vida saudável, que compreende alimentação balanceada, atividade física regular, controle do estresse, cuidado com a saúde mental e emocional, descanso e sono adequados e ingestão regular de líquidos, principalmente água.
O que leva a pessoa a comer em excesso?
A falta de uma rotina adequada devido ao excesso de atribuições a que cada indivíduo é submetido diariamente e a falta de informação sobre os riscos que se corre quando o cuidado com a própria saúde é deixado para depois. Hoje é comum o relato de pessoas que passam até oito horas sem se alimentar. É claro que, na próxima refeição, mesmo que não sintam fome, vão acabar compensando o tempo que ficaram sem comer, o que ajuda no acúmulo de gordura. O fácil acesso a preparações gordurosas e calóricas contribui para a baixa qualidade nutricional das refeições. As porções cada vez maiores de sanduíches, refrigerantes e fritas resultam em um combo energético, aumentando a disposição orgânica para o ganho de gordura corporal. Há casos que envolvem fatores mais complexos. Tenho percebido um aumento no número de pessoas ansiosas buscando auxílio. Grande parte delas relata comer não por fome, mas como uma forma de se acalmar. Normalmente, é necessário também o acompanhamento de um psicólogo nesses casos.
Quais os maiores equívocos cometidos por quem faz ou quer fazer dietas?
O primeiro deles é não procurar orientação profissional. As milagrosas dietas encontradas na internet e em revistas, as recomendadas por parentes e amigos podem trazer diversos riscos para a saúde de alguém que se habilite a testá-las. Há dietas que restringem totalmente grupos alimentares importantes, como os carboidratos, que são nutrientes essenciais ao funcionamento regular do organismo. Outra situação comum é a de alunos de academias de musculação que consomem suplementos alimentares por conta própria. A falta de informação e a propaganda feita em torno do produto, muitas vezes irreal, levam ao consumo equivocado do suplemento. Dependendo do caso, esse hábito pode levar o indivíduo a desenvolver doenças crônicas, como o aumento da pressão arterial.
Há dicas para controle saudável do peso que sirvam para todas as pessoas?
Alimente-se a cada três horas; tente estabelecer horários regulares para fazer as suas refeições, sempre em um ambiente calmo. Alimente-se sem pressa. Mastigue bem os alimentos, facilitando a digestão. Beba bastante líquido durante o dia, principalmente água. Cuide da sua atitude mental e não permita que o estresse tome conta da sua vida. Procure orientação de um profissional de educação física e saiba quais são os exercícios recomendados para atingir o seu objetivo. Procure a orientação de um nutricionista, pois cada caso deve ser avaliado individualmente.