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Solteiro sim, sozinho nunca

Com metade da população livre e desimpedida, Brasília parece ser uma cidade propícia ao começo de novos relacionamentos amorosos. Fomos às ruas conferir

postado em 14/10/2011 10:56

Carolina Samorano ; especial para o Correio e Rafael Campos

Com metade da população livre e desimpedida, Brasília parece ser uma cidade propícia ao começo de novos relacionamentos amorosos. Fomos às ruas conferirNada causa mais comentários no Facebook do que um casal que se forma. Sair de ;solteiro; para ;em um relacionamento sério; é um passo que muitos gostam de espalhar aos quatro ventos, sobretudo nas redes sociais. Se levarmos em consideração os dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que apontam a solterice de 48% da população do Distrito Federal, as possibilidades de mudar esse status são grandes.

Mas quantidade não é tudo na vida, né? Apesar de existirem muitos homens e mulheres à procura de um relacionamento, eles são um bocado exigentes, o que limita as perspectivas. As expectativas, pelo contrário, continuam elevadas. Até porque muitos, principalmente entre as mulheres, veem a condição de solteiro como uma espécie de mácula. ;É uma cobrança silenciosa dos outros, mas grande de si mesmo, pelas expectativas que fazemos sobre nós;, sublinha Lia Zanotta, doutora em sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professora de antropologia da Universidade de Brasília (UnB).

Desconfortáveis ou tranquilos, os que ainda não trocaram alianças fazem suas apostas. Bares e boates da capital vivem lotados, com pessoas de todos perfis e idades. Seja na esperança de um ;felizes para sempre;, seja na busca de companhia por apenas uma noite, há diversas formas e lugares para agir. Basta perder o medo da rejeição e, claro, entender que há muito mais esforço para garantir um amor do que supõem as comédias românticas de Hollywood.

A rota do flerte
Com metade da população livre e desimpedida, Brasília parece ser uma cidade propícia ao começo de novos relacionamentos amorosos. Fomos às ruas conferirQuando alguém levanta a polêmica sobre Brasília ser uma cidade pouco propícia a quem procura um par ; mesmo com tantos ímpares à solta ;, várias teorias surgem a respeito. Mas uma é quase unânime: aparentemente, a capital de dois milhões de habitantes não tem assim tantos lugares interessantes para o jogo da paquera. ;E aquele bar no final da Asa Sul?; ;Só tem mulher.; ;E o novo que abriu na Asa Norte?; ;Só velhos.; ;Aquela festa?; ;Só adolescentes.;

Aceitando o desafio, a equipe da Revista foi dar uma volta pela Brasília noturna de uma semana comum e chuvosa. É terça-feira e o tradicional bar Beirute, na 107 Norte, está lotado de mesas com grupos curtindo um happy hour, amigas papeando e aniversariantes comemorando com fartura de cerveja. Numa mesa de canto, um grupo de três amigos coloca em debate sua própria solteirice. A estudante universitária Lina Vilela, 22 anos, fala em nome deles. A paquera ali funciona, ela garante. ;Nunca comigo. Mas vários amigos já se deram bem.; E dá uma dica de frequentadora assídua: quintas e sextas-feiras são os dias ideais por ali.

Na quarta-feira, o flerte é garantido na comercial da 202 Norte, rua que abriga o Armazém do Ferreira. Nas mesas, a faixa etária fica entre os 35 e os 55 anos. Pode parecer estranho, mas o pico ali é justamente nos dias úteis. ;Uma coisa a gente já aprendeu: sair é segunda, quarta e quinta-feira. O público é mais adulto;, diz Rosana Rodrigues, 40, gerente de negócios. Acompanhada da amiga, a psicóloga Eliana Fernandes, 49 anos, elas combinavam uma viagem ao Chile ; numa aventura turística e, quem sabe, romântica. ;Não tem isso de homem não saber chegar;, protesta Eliana. ;Quando ele quer, ele sabe o que dizer. Mas a maioria dos homens que se aproxima não é de Brasília;, observa.

Talvez as amigas, de olhos vidrados num guia de viagens, não tenham notado o senhor que apreciava, sozinho, uma cerveja premium na mesa ao lado. O professor Gil Sanchez, 51 anos, está há um e meio separado e é ali que têm surgido suas melhores oportunidades. A aparente solidão é, na verdade, uma tática. ;Prefiro vir sozinho. É mais fácil, dá mais certo;.
Os versos de Lulu Santos cantados ao vivo embalavam o público na quinta-feira à noite no bar Miau Que Mia, na 108 Sul. Mas ninguém parecia mais embalado que o estudante Raphael Souza, 23 anos completados naquele dia, cercado de amigos e, principalmente, amigas. Raphael é solteiro. Mas não é como se estivesse apressado em mudar seu status no Facebook. Com seus vinte e poucos, lá se vão dez de ;carreira solo;. ;Aos 12, queria namorar. Depois desisti dessa vida;, conta, convicto de ter feito a escolha certa. Depois de tantos anos de experiência, ele conclui que sua atitude, na verdade, corresponde ao interesse das mulheres. ;Eu não quero nada sério, mas acho que elas também não querem;, atesta.

Se no Armazém a tática é lançar olhares e aproveitar a presença dos vendedores ambulantes de rosas para passar um recado ; receita de Gil ;, Raphael prefere abusar do carisma. ;A menor distância entre duas pessoas é o sorriso;, entrega. ;Chegar fazendo uma piadinha, brincando, usando humor sempre funciona.;

O desafio de ser ímpar
Com metade da população livre e desimpedida, Brasília parece ser uma cidade propícia ao começo de novos relacionamentos amorosos. Fomos às ruas conferirNão há princesa da Disney que termine sem o grande amor da vida nem mocinhas de comédias românticas que não vejam seus ardores compensados quando o The end surge na tela. A educação emocional, especialmente das mulheres, ainda costuma focar muito no acaso que gera o amor. O príncipe pode até não vir montado em um cavalo branco, mas não pode surgir do esforço delas. Como a protagonista de um conto de fadas, elas devem aguardar, indiferentes a tudo, a chegada do homem que vai desposá-las. Infelizmente, a modernidade ainda não conseguiu destruir essa ilusão adocicada.

"A leitura que se faz de um homem sem uma companheira é de que ele ainda não foi buscá-la. Já uma mulher solteira, de que ela não foi escolhida. Por isso a dificuldade delas em admitir que estão solteiras: se assim estão, é porque não foram escolhidas", garante Lia Zanotta, doutora em sociologia pela USP e professora de antropologia da UnB. Para Lia, a questão de gênero ainda não foi superada e há sim um constrangimento social sentido pela mulher solteira.

A psicóloga Mariane Alvim sente diariamente essa cobrança. Aos 30 anos, ela não se importa em ser solteira, mas confessa que a vigilância dos outros é incômoda. "As pessoas julgam o fato de você não querer casar, ter filhos e cumprir com o padrão convencional. Sou uma das poucas solteiras onde trabalho, por exemplo. E me sinto, por vezes, excluída." Esses valores persistentes fazem com que as mulheres, embora decididas e seguras, sintam dificuldade de expressar interesse pelo sexo oposto.

Além disso, a forma de a mulher encarar a vida profissional mudou drasticamente desde o tempo em que as vovós esperavam pelo marido. Se antes as mocinhas faziam as contas para que o casamento e os dois primeiros filhos viessem antes dos 25, hoje fazem concessões conscientes em nome da carreira. "Hoje elas vão para a faculdade, depois resolvem fazer uma pós no exterior, especializações, mestrado, um doutorado. Quando param para cuidar da vida pessoal, já estão com 35 anos", analisa o psiquiatra e professor da Universidade de Brasília Raphael Boechat. O resultado: uma multidão de mulheres às voltas com o tal relógio biológico, que a essa altura tiquetaqueia sem parar. "Elas estão preocupadas em ter tempo hábil para conhecer alguém, casar e engravidar. Isso é perigoso, porque muitas acabam ficando tão vulneráveis que se apaixonam até pelo entregador de pizzas", brinca o especialista.

Brasília tem outros motivos para explicar a sua quantidade de avulsos. De acordo com Lia Zanotta, no que toca as classes populares, a dinâmica dos relacionamentos dos moradores do Distrito Federal não é muito diferente da de outras cidades brasileiras, já que as migrações, nesses casos, não são individuais. Assim, a rede de relacionamento dessa parcela da população é maior, porque se forma entre vizinhos, parentes, amigos, com formas de migração mais familiares. Contudo, nas classes médias, a situação é diferente. Diante da quantidade de homens e mulheres que chegam sozinhos à cidade, principalmente em busca de cargos públicos, as redes de relacionamento ficam restritas, dificultando o contato entre esses milhares de solteiros da cidade. "Não é que seja difícil fazer amizades em Brasília, mas a multiplicação das redes é baixa, porque as redes das outras pessoas também é pequena", sublinha a socióloga.

É como se Brasília fosse um grande escritório, cheio de funcionários dedicados demais às suas funções para pensar em sassaricar por aí. "Pense bem. Ninguém muda para Brasília porque tem praia", provoca Raphael Boechat. "Em geral, as pessoas vêm estudar, ou ocupar um cargo, às vezes até provisoriamente. Geralmente estão mais preocupadas em competir umas com as outras do que em interagir." O resultado disso é preocupante, analisa Boechat: os números de suicídio e depressão assustam na capital. "As pessoas não têm com quem contar, dividir, se distrair e acabam cedendo à pressão."

À solta
Não se sabe se por muito tempo, mas eles ainda estão solteiros ; mesmo sendo bonitos, famosos e bem-sucedidos. Pregue a lista na porta do guarda-roupa e acredite do poder da lei da atração.
Com metade da população livre e desimpedida, Brasília parece ser uma cidade propícia ao começo de novos relacionamentos amorosos. Fomos às ruas conferir

Com metade da população livre e desimpedida, Brasília parece ser uma cidade propícia ao começo de novos relacionamentos amorosos. Fomos às ruas conferir

O arsenal do cupido
A internet, desafiando as previsões iniciais, não se tornou o porto seguro dos excessivamente tímidos e pouco sociáveis. A ideia da aleatoridade que muitos sites e salas de bate papo pregam vem se tornando apenas uma das regras dos relacionamentos que surgem pela rede. E, assim, os cupidos agem das mais diversas maneiras. "Sempre achei a forma com que as pessoas se encontram nos sites de namoro muito apelativa, porque todos são muito iguais, montando uma planilha de características feita por outros", afirma o advogado e empresário Rodrigo Dib.

Com um sócio, ele montou o site Fim da Busca, no qual, em vez de o usuário montar um perfil e sair à caça, um amigo faz as vezes de alcoviteiro virtual. "A forma mais fácil de conhecer alguém é pela indicação. Por que não adaptar isso para a internet? No meu site, um colega mútuo indica outros dois que ele considera terem tudo a ver. E nós fazemos a ponte entre o possível casal", explica. Rodrigo acredita que, dessa forma, a exposição das pessoas é bem menor e, mais que isso, dispensa a necessidade de sair de casa para um encontro com um desconhecido que pode não valer a pena. "Eles vão conversar pela internet já tendo pelo menos um amigo em comum e, se isso evoluir, eles podem sair juntos", completa.

Os descrentes nas ferramentas da web podem investir em algo diferente, menos etéreo. Assim é na Lunch42. Há 15 anos atuando no mercado, a agência abre, até o fim do ano, sua filial brasiliense. O motivo? A grande procura dos brasilienses pelos serviços oferecidos, focados no público AA. Funciona assim: os clientes pagam R$4.950,00 por 18 meses de contrato e um encontro em cada um deles. A menor quantidade de pessoas disponíveis, em vez de ser um empecilho, aqui se torna um trunfo. Como todos estão praticamente em um mesmo padrão financeiro e cultural, as chances de o relacionamento funcionar aumentam.

"Em Brasília, são muitos funcionários públicos, com estabilidade financeira e que não querem fazer do poder aquisitivo um motivo para que as pessoas se aproximem deles", explica Mariana Yamada, diretora-geral da Lunch42. De acordo com a filosofia da empresa, pelo menos dois profissionais da equipe conversam pessoalmente com o cliente, sendo um deles psicólogo. "O que queremos aqui é fazer um trabalho qualitativo e não quantitativo, com um conceito de compatibilidade", afirma.

Até os que desejam manter a solteirice, mas não dispensam um ótimo encontro, têm um site à disposição. O C-Date estimula os amores de uma noite só ; para homens, mulheres e também casais. Surgido na Europa e, desde maio, em versão brasileira, o site já tem mais de 170 mil cadastrados. Luiza Cardoso, coordenadora de marketing do C-Date, conta que ele reflete as mudanças no comportamento sexual das pessoas desde a década de 1960.

"Hoje, as pessoas querem mais liberdade e menos compromisso e estão prontas para assumir suas fantasias com honestidade", garante. A aposta nas aventuras sexuais ; que podem gerar paixões, claro ;, no lugar de relações duradouras, tem, inclusive, mostrado que, apesar da fama de fogoso, o brasileiro ainda tem dificuldade em assumir seus desejos sexuais. "O brasileiro é ainda um pouco tímido em relação a sexo. Porém, os jovens estão mais confortáveis com a sua sexualidade, e a quantidade de inscritos no C-Date prova isso", assegura Luiza.

Single ladies

Onze passos para as moças encararem a solteirice numa boa ; e até rirem dela.
# Certifique-se de ter amigas: para sair de casa, dar risadas, distrair-se, ter companhia.
# Não dê uma de louca, não importa como esteja se sentindo. Queima o seu filme.
# Escolha no que vai acreditar e comporte-se de acordo, não importa o que.
# Deixe-se levar, mesmo sem saber se a história vai terminar em desastre.
# Resolva a questão do sexo ; quando quer, como vai fazer para conseguir e com quem.
# Conforme-se com as estatísticas em vez de lutar contra elas.
# Admita que às vezes você se sente desesperada.
# Não se pode ter tudo na vida. Pare de sentir inveja das amigas casadas e felizes.
# Sinta-se à vontade para se preocupar com a maternidade. Você não tem todo o tempo do mundo.
# Peça mais a colaboração das amigas para colocar fim à sua solteirice.
# Acredite em milagres.

Fonte: Livro Como ser solteira, de Liz Tuccillo (Editora Record, 2010).

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