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O máximo com o mínimo

As arquitetas Ana Maria Nicoletti e Darja Kos Braga, da Ambiente Eficiente Consultoria, explicam como atitudes simples podem deixar sua casa totalmente sustentável

Sua casa pode ser totalmente sustentável. Os gastos para tornar isso realidade adicionam meros 7% ao preço final do imóvel pronto. E o investimento rapidamente se paga: com economia de energia elétrica, por exemplo. Para entender essa conta e outras que tornam o lar ecologicamente correto, a Revista conversou com as arquitetas Ana Maria Nicoletti e Darja Kos Braga, da Ambiente Eficiente Consultoria, uma empresa encubada na Universidade de Brasília que trabalha com eficiência energética e conforto ambiental em edificações.

O que podemos considerar como uma casa sustentável?
Darja Kos Braga: Uma casa sustentável, no que toca o projeto arquitetônico, é aquela adaptada ao clima de Brasília. Que é de altas temperaturas durante o dia e mais amenas à noite, com época fria, insolação e chuvas muito fortes. Mas o que observamos é que muitas casas não são adaptadas a esse clima. Pegam padrões que vêm de climas temperados, com muito vidro, sem beirais para sombrear as fachadas. Isso origina uma casa que fica mais fria à noite e quente nos dias de calor. O nosso principal foco é o conforto térmico, luminoso e a eficiência energética, que é decorrente disso. Porque, se a casa é muito quente, as pessoas vão pôr ar-condicionado, aumentando o gasto de energia sem precisar.

Brasília, com suas superquadras, é uma cidade arquitetonicamente sustentável?
Darja: O meu tema de mestrado foi o conforto térmico em edifícios residenciais no Plano Piloto. O que descobri é que os edifícios mais antigos são melhores do ponto de vista térmico. Por várias razões. Os edifícios mais antigos normalmente têm paredes mais robustas, o que melhora esse desempenho. Muitos apartamentos são vazados, melhorando a ventilação. Muitos deles tem brises, que são proteções solares que amenizam a entrada de radiação direta e aquecimento. Há também o fato de que, na Asa Sul, há mais vegetação de grande porte, o que melhora o microclima da quadra, algo que não acontece tanto na Asa Norte e menos ainda no Sudoeste.

Há como esses prédios serem adaptados a um padrão mais sustentável?
Ana Maria Nicoletti: Podemos fazer um processo chamado retrofit nos envoltórios das fachadas, dando mais possibilidades de aprimorar o desempenho térmico. Também pode ser feito um estudo para a colocação de brises, películas solares, vidros especiais. Em alguns casos, podemos aumentar a alvenaria, o peitoril por dentro da fachada, de modo a reduzir o percentual de abertura. Isolamento de cobertura também ajuda, já que a carga térmica incide tanto na fachada quando na cobertura, que normalmente não tem isolamento. E também trabalhamos com a vegetação.

As construtoras já sabem que podem lucrar com projetos sustentáveis? Ou elas apenas querem passar a imagem de que estão preocupadas com esse aspecto?
Ana: Já existem políticas públicas que induzem ao uso racional da energia elétrica. E muitos orgãos públicos e construtoras com consciência ambiental, que diversificam seus empreendimentos. Temos o selo Procel, no Brasil, que etiqueta uma edificação da mesma forma que um eletrodoméstico. Com isso, você garante o conforto térmico e a eficiência energética, que pode dar a edifícios novos até 50% de economia de energia elétrica e, nos existentes, em 30%, em relação ao padrão. Temos também selos de sustentabilidade. Nós trabalhamos direto com as construtoras, não com o cliente em si. Mas ele é o mais beneficiado.

Darja: Percebemos que a maioria das pessoas só quer saber se a construção é nascente-poente ou norte-sul. Falta a elas consciência de outros aspectos arquitetônicos do edifício que ajudam ou atrapalham o conforto térmico, como o percentual de vidro na fachada, se há brises, qual a espessura da parede externa. Mas o cliente não tem noção disso.

O que levou vocês a trabalhar com arquitetura sustentável?

Darja: Na UnB, só há um curso de mestrado que trabalha na área de eficiência energética. Vimos que a maioria das pessoas que fazem o curso ficam no âmbito acadêmico. E há uma carência desse conhecimento no mercado. Essa demanda começa a aumentar, tanto por parte dos usuários, que estão ganhando consciência, quanto por parte das construtoras e incorporadoras que querem se destacar e oferecer produtos melhores. Nós nos unimos para oferecer esse conhecimento, que já existe há muito tempo na academia, mas não estava sendo aplicado no mercado. Nosso desafio é mostrar que isso traz benefícios para a sociedade em geral, que vai gastar menos energia e menos água. Todos ganham.

A mão de obra tem qualificação para trabalhar de forma sustentável?
Ana: O mercado está preparado para construir dessa forma, só que eles não sabem como fazer, que tipo de técnica leva à uma economia de energia. Vidros especiais nós já temos no mercado, mas eles são pouco usados ou usados de forma incorreta. Mas a tecnologia construtiva nós já temos.

Quando uma casa sustentável pode ficar mais cara na sua construção? E em quais aspectos uma casa pode ser sustentável?
Ana: No máximo 7% mais cara, quando tudo é colocado.
Darja: Você pode ser sustentável em tudo. Mas, em relação à eficiência energética, é saber trabalhar bem a fachada e a cobertura, assim como os equipamentos internos.

Qual é a consciência ecológica dos construtores?
Darja: Algumas construtoras percebem que têm que adotar algo de sustentabilidade para se destacar no mercado. A maioria não se preocupa com isso, mas aqueles que querem ser líderes do mercado sim, vêem isso como algo fundamental. Mas a gente vê que elas ainda não sabem exatamente todos os aspectos que podem ser trabalhados. Elas se focam muito na questão da obra sustentável, que é importante, mas muitas esquecem que devem dar atenção ao projeto arquitetônico em si para garantir eficiência energética. A maioria, quando se fala em eficiência energética, entende apenas iluminação e ar-condicionado. Falta a noção de que a arquitetura em si é importante. Não percebem que é um contrassenso ter um edifício todo de vidro, que é uma estufa mesmo, e colocar o mais potente aparelho de ar-condicionado. Se você tiver um projeto adaptado para o clima, pode colocar um aparelho menos potente, bem mais sustentável.