Carolina Samorano / Especial para o Correio
Dono de uma barba comprida, cabelos igualmente longos ; tanto que os dois se confundem quando os fios não estão presos num displicente rabo de cavalo ; e um tipo um tanto excêntrico, o cientista Aubrey de Grey é hoje a voz da controvérsia na medicina. Enquanto o crescimento populacional preocupa cientistas e ambientalistas (os sete bilhões de hoje serão 10 bilhões ao fim do século), Grey prega que podemos viver uns 930 anos a mais do que vivemos atualmente, com certa facilidade. E ainda que, caso não desenvolvamos a tempo as terapias necessárias para os séculos extras de vida, seremos nós os responsáveis pelas mortes "prematuras e dolorosas" das gerações futuras.
Aclamado por poucos e desacreditado por muitos na comunidade científica, Grey sabe que é polêmico. Costuma abrir suas palestras pedindo a seus interlocutores que levantem a mão caso sejam a favor da malária. Sem o menor movimento da plateia, continua: "Que notícia boa, porque era o que eu esperava. E sabem por que ninguém é favor da malária? Porque ela mata pessoas. Assim como a velhice, com a diferença de que a velhice mata muito mais". É essa a arma que usa para suspender, ainda que pelos 20 minutos em que discursa, o suposto "transe" no qual viveria grande parte da população quando o assunto é esticar a expectativa de vida, segundo ele próprio afirma. E apesar da aparência sisuda de quem vive carregado de argumentos contra os que tentam derrubar suas teorias, mantém algum bom humor. Perguntado por um de seus ouvintes por que, afinal, parece tão velho, já que luta contra a velhice, responde dizendo que, na verdade, já está com 158 anos.
Mas ele tem 48. E, se seus estudos derem resultado, ainda deve viver pelo menos mais 952, conservando a mesma aparência. É que se conseguirmos reverter o envelhecimento do organismo, ele diz, cuidar da parte externa vai ser moleza. O que resultaria em um mundo parecido com o dos filmes de vampiros: seria quase impossível distinguir jovens de 25 anos de senhores de 250, para desespero dos fabricantes de toxina botulínica, cosméticos antirrugas e tinturas de cabelo.
Embora quase sempre seja taxado de lunático pelos colegas, Grey, um autodidata quando o assunto é gerontologia, recebeu o título de Ph.D da Universidade de Cambridge, em 2000, por um estudo sobre o papel da mitocôndria celular no envelhecimento. Em 2005, passou a se dedicar ao projeto batizado de Estratégias para Reparar o Envelhecimento Mínimo (Sens, na sigla em inglês). Na mesma época, a revista especializada MIT Technology Review ofereceu US$ 20 mil (cerca de R$ 34 mil) ; metade doada pelo próprio Grey ; a quem provasse que o Sens não passa de balela. O desafio permanece em aberto.
Ao longo de uma série de e-mails trocados com a resportagem, Grey falou sobre o que o futuro reserva à humanidade. Disse que muito se sabe na ciência e pouco se faz, e praticamente descartou consequências desastrosas ao planeta com seus habitantes vivendo por tanto tempo. Aconteça o que acontecer, as pesquisas precisam fluir, ele defende.
Sobre o Sens, o que senhor chama de "envelhecimento mínimo"?
Significa simplesmente o estado em que uma pessoa ou animal não envelhece de maneira significante em termos biológicos com o passar do tempo. Ou seja, não acontecem mudanças na sua saúde ou em suas características moleculares ou celulares que eventualmente possam causar alguma doença. Ela simplesmente envelhece, sem nenhuma consequência para seu organismo.
O senhor tem medo de envelhecer?
Eu não diria medo, mas eu certamente não quero ter nenhuma das doenças associadas à velhice. Quem quer? Ainda não conheci ninguém que quisesse ter Alzheimer.
A chave está em prevenir as doenças da velhice, e não em curá-las, então?
Qual é a diferença? Prevenir é melhor que remediar, certo? Mas, na verdade, uma vez que tenhamos caminhos para a prevenção, também vamos, automaticamente, progredir muito na cura, porque os tratamentos que já usamos não serão mais anulados por mudanças moleculares e celulares no organismo.
Como o senhor, que veio da computação, foi parar no ramo da gerontologia?
Comecei a estudar o envelhecimento porque descobri que quase ninguém no mundo estava se dedicando a isso, e mesmo entre alguns poucos cientistas que estavam debruçados sobre o assunto, pouquíssimos estavam realmente tentando fazer alguma coisa sobre isso.
O senhor diz que as pessoas vivem em uma espécie de transe sobre essa coisa de envelhecer ser uma coisa ruim. Como elas sairiam desse estado?
As pessoas pensam dessa forma irracional sobre envelhecer porque têm medo, mas precisam fingir que não o tempo todo, para conseguirem colocar a mente em ordem. O modo de tirá-las desse transe é mostrar a elas que existe uma boa chance de que consigamos desenvolver terapias contra o envelhecimento e que elas chegarão a tempo para elas ou para seu entes queridos.
É por isso que os cientistas não fazem nada a respeito?
Exatamente. A maior parte dos cientistas não está em transe, mas pensa a curto prazo. Então eles priorizam pesquisas mais fáceis e bem menos controversas, mesmo que, no fim das contas, concordem comigo que envelhecer é o maior problema de todos.
O envelhecimento é algum tipo de erro da evolução?
Não exatamente um erro, porque a evolução não se importa muito com o envelhecimento. Ela só se importa em perpetuar os genes. Se ela consegue fazer isso passando genes de um organismo a outro via reprodução, para ela é tão bom quanto fazer a mesma coisa mantendo o organismo vivo. Dá na mesma, sabe? É mais uma negligência do que um erro.
O senhor acha que, em alguns anos, será possível curar a velhice como se cura uma gripe?
Acho que não. O envelhecimento será sempre uma efeito colateral de se estar vivo, então não chegaremos nunca a medicamentos que façam as pessoas simplesmente não envelhecerem. Mas certamente chegaremos a medicamentos que serão aplicados periodicamente, e estes sim, vão conseguir reverter o envelhecimento ocorrido desde a sua última aplicação da dose.
E além do envelhecimento do organismo, será possível reverter também o envelhecimento físico? Nada de rugas ou cabelos grisalhos? Seria o fim da era do botox para as mulheres?
Com certeza. Uma vez que revertermos o envelhecimento do corpo, a parte externa (a pele) será relativamente fácil.
Então uma pessoa com seus 150 anos aparentaria ter a mesma idade de uma de 25?
Sim, exatamente o mesmo.
Que caminhos a ciência disponibiliza hoje para tornar tudo isso possível? Células-tronco?
Células-tronco são certamente uma grande parte da resposta, mas não a resposta inteira. A eventual terapia terá muitas e muitas outras partes, incluindo terapia genética, engenharia de tecidos do organismo, vacinas e por aí vai.
Mesmo as gerações que passaram dos 50, 60 anos ainda têm alguma chance de tirar vantagem do Sens e viver alguns anos a mais? Quantos?
Não tenho ideia. Hoje, a certeza principal desse primeiro passo é dar às pessoas algumas décadas extras de vida. Eu acho que temos 50% de chance de conseguirmos isso em 25 anos, e aí terapia vai beneficiar a maioria das pessoas na faixa dos 60 anos, algumas com 80 anos ou mais. Mas se encontramos problemas inesperados, podemos não chegar a isso pelo próximos 100 anos.
O senhor diz que a primeira pessoa a chegar aos 1.000 anos já nasceu. Quantos anos ela tem?
Eu digo que ela provavelmente já nasceu. Mas há uma boa chance de que ela já esteja com seus 50 ou 60 e poucos anos. Mas a verdade é que não podemos ter certeza.
Mas o senhor há de convir que um mundo sem morte é um mundo superpopuloso, com mais fome, menos recursos naturais, mais lixo e ainda mais problemas de Previdência, certo?
Eu concordo que todas essas coisas podem acontecer, mas, na verdade, acho que não acontecerão. As pessoas já estão tendo menos filhos e os tendo em idades mais avançadas, e outras tecnologias reduzirão nossos danos ecológicos. No entanto, a razão principal para que essas preocupações não atrasem nossos avanços em direção às terapias contra o envelhecimento é que não sabemos se a humanidade vai ou não querer fazer uso delas no futuro. Se eles quiserem e não conseguirem porque nós, do presente, não as desenvolvemos, seremos os culpados por condená-los a uma desnecessária e prematura morte dolorosa.
O senhor sofre algum preconceito na comunidade acadêmica e científica por causa das suas teorias?
Um pouco, mas não tanto quanto eu costumava antigamente. Em um primeiro momento, a maioria dos gerontologistas ou não sabiam muito sobre a medicina regenerativa (que é a base do Sens), ou era irracionalmente pessimista quanto às minhas propostas. Agora, que eles estão mais cientes sobre o trabalho desenvolvido nessa área, são um pouco mais otimistas.