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Pertencer a uma confraria vai além de compartilhar um hobby: pode ser a porta de acesso a um mundo de prazeres seletos

postado em 08/01/2012 08:00

Pertencer a uma confraria vai além de compartilhar um hobby: pode ser a porta de acesso a um mundo de prazeres seletosQuando começar a comer, ponha o lenço no colo e só o use para limpar lábios e dedos. Ao fim do jantar, coloque os talheres na horizontal, com o corte da faca virado para dentro. Não ria dos erros alheios. Não se sente antes da anfitriã. Dê lugar aos mais velhos. Escove os dentes. Não pise a grama. Definitivamente, não pise a grama!

Brincadeiras à parte, a quantidade de regras diárias que parecem ofícios naturais da vida já é tão grande que acumular jeitos ;certos; de agir não parece ser esforço. Ainda mais quando essas regras trazem, embutidas em sua rigidez, a possibilidade de garantir status social, amizades ou uma grande rede de contatos.

Brasília, formada por pessoas de vários estados (muitas delas, saudosas das raízes), tem uma vocação natural para confrarias, erigidas a partir de gostos e afinidades. Esses grupos alimentam em seus integrantes tanto a esperança de conhecer gente nova quanto a vontade de manter um certo status. Assim, com direito a estatutos pomposos, os confrades selecionam seu círculo.

A aura de exclusividade é especialmente marcante nos clubes de golfe. ;O golfe é um esporte muito tradicional e há aspectos na sua história que o mantêm igual há 200 anos. Só que há muita gente agora que não quer dar importância a essa tradição;, reclama Rodrigo Ribeiro, capitão no Clube de Golfe de Brasília (CGB).

O local estabeleceu, desde fevereiro de 2011, um código de vestimenta que deve ser seguido por todos os sócios, homens e mulheres: camisas polo ou rolê, calças compridas de golfe ou short-saia na altura do joelho, meias e, claro, tênis ou sapatos apropriados para o esporte. As medidas visam garantir que o campo não seja maculado por regatas, camisetas curtas, calções florais e sandálias de salto, algo que se tornou comum com a popularização do esporte e sua inevitável associação a uma vida de luxo, o que atraiu muita gente.

;A regra primordial do golfe é bater na bola do jeito que ela se encontra. Todas as outras derivam dela: você não pode jogar golfe de sunga, de camisa de futebol, de chinelo. É preciso ter uma roupa correta;, garante Rodrigo. A vontade de fazer parte desse universo fez com que uma palestra do capitão, antes prevista para durar 50 minutos, fosse estendida por duas horas e meia. Nela, os sócios mais novos puderam entender o porquê da preocupação com as vestimentas. E, dessa forma, se integrar ainda mais.

Há quem tenha mais facilidade em ser aceito. Por exemplo, se você é embaixatriz ou embaixadora faz parte, automaticamente, do Clube Internacional de Brasília. Criado em 1973, ele reúne centenas de senhoras da sociedade brasiliense e se vale dessa associação automática de mulheres de outros países como uma forma de aclimatá-las ao Brasil e, ao mesmo tempo, apresentar às associadas um pouco sobre as tradições de outros locais no mundo.

Além de encontros festivos, palestras e cursos, o clube promove ações assistencialistas. ;Está em nosso estatuto: 30% de toda a mensalidade é destinada a instituições sociais. O restante, nós usamos para encontros, cafés, chás etc.;, explica a presidente, Maria Luiza Mathias de Souza. Ao todo, são 400 senhoras ; ;Quase todas aposentadas de ministérios ou tribunais;, aponta Maria Luiza ; que se reúnem para celebrar a amizade e os prazeres da vida. E poucas fazem isso tão bem quanto a socialite Tâmara Miranda de Almeida.

Ela abriu as portas da sua mansão tanto para o clube quanto para a reportagem, em uma das comemorações semanais promovidas para as sócias. E todos puderam ver sua exuberância num look em que tudo combinava: brincos, pulseiras, colar, vestido e sandália brancos de bolinhas pretas.

;Já passei por Portugal, Argélia, Maranhão, Bahia e, agora, Brasília. Sempre procuro me enturmar, participando dos grupos de mulheres de cada cidade que vivi;, explica. Esposa de um funcionário de uma multinacional, ela diz que o clube é a melhor forma de se manter ocupada e não despertar o ciúme do maridão. ;Sou casada e jovem. Aqui não sinto falta de balada e ele fica tranquilo.;

De um modo geral, as mulheres do Clube Internacional de Brasília mantêm características sociais que as diferenciam das pessoas comuns, como a posição social, que fica mais evidente com a aceitação no grupo. De acordo com a presidente, a tentativa é manter um número fixo de integrantes.

A escolha de novos membros é feita a partir da indicação das sócias, que apresentam um currículo daquela que pleiteia a vaga. ;As interessadas preenchem uma ficha e nós a apresentamos na reunião mensal da diretoria. Há muitas querendo fazer parte. O perfil vai ser julgado no momento;, afirma Maria Luiza. São levados em conta atributos como origem, grau de instrução, entre outros. ;Nunca soube de ninguém que tenha sido vetada, mas as portas não ficam abertas.;
Cada confraria tem o seu critério de adesão. O Amicus Vinum, por exemplo, é um grupo formado por 14 fãs do deus Baco. Com exceção de um, todos os outros são servidores do Senado Federal e descobriram no vinho uma conexão etílica e fraterna. O local de trabalho e a paixão pela bebida são, portanto, os pilares dessa sociedade.

Pertencer a uma confraria vai além de compartilhar um hobby: pode ser a porta de acesso a um mundo de prazeres seletosPetrus Elesbão, 47 anos, se encantou pelo vinho por nunca ter gostado de cerveja. ;Hoje convidamos especialistas e fazemos cursos. A troca de informações com quem tem mais conhecimento torna bem melhor a apreciação. Isso faz com que gostemos mais da bebida.;

O grupo se reúne 10 vezes por ano, sendo dois encontros mais especiais. No primeiro, realizado em junho, os itens mais importantes são delícias gastronômicas. Claro que, acompanhando todos os pratos, há vinhos especialmente escolhidos para a ocasião, para harmonizar. Uma festa para o paladar e o olfato. Já em novembro, na reunião que fecha os trabalhos do ano, somente a bebida é celebrada. Nela, os amigos compartilham rótulos mais caros, garimpados durante viagens internacionais.

;Assim, podemos experimentar vinhos que, no Brasil, custariam muito, mas que tem um preço melhor no exterior. Sem falar que podemos reunir os amigos, que é o grande objetivo;, explica Renzo Viggiano, 49 anos. Ele diz que, nessa reunião, a possibilidade de conhecer mais sobre a bebida vai além da degustação.

Como os convivas não querem beber muito ; ;Ninguém fica bêbado, só degustamos;, garante Petrus ;, podem fazer avaliações pessoais sobre o que é servido, contar sobre as experiências de viagens e, dessa forma, compartilhar o conhecimento. ;Isso também ajuda na hora de escolher um vinho no restaurante. A popularização é boa porque diminui o preço, mas tem gente cobrando caro em vinhos ruins;, completa Petrus.

Pertencer a uma confraria vai além de compartilhar um hobby: pode ser a porta de acesso a um mundo de prazeres seletosAs Amigas do Vinho, por sua vez, são bastante abertas a novas contribuições. Teoricamente, as aspirantes precisam somente ter mais de 18 anos, uma conta de e-mail e interesse genuíno por vinho. Ainda assim, a peneira funciona. ;Pode apostar nisso. Por ser uma bebida mais cara, as confreiras têm maior poder aquisitivo, são mulheres independentes e é preciso ter esse amparo;, explica Rachel Alves, presidente da seccional brasiliense da confraria. São funcionárias públicas, médicas e professoras, que se encontram uma vez por mês para degustar uma garrafa especial e colocar o papo em dia.

Filha de italianos acostumados a consumir vinhos diariamente, a administradora Sueli Maestri entrou no clube em 2006 na expectativa de encontrar colegas com um paladar próximo ao seu. Ela prefere vinhos tintos encorpados, geralmente mais apreciados por homens. Ela observa que o único código de etiqueta do grupo (respeitado sem exceções) é não sair trocando as pernas. ;São mulheres muito elegantes, importantes e respeitadas, que sabem como deve ser a postura em reuniões como essas. Bebemos com classe e moderação, nunca vi nenhuma confreira passar do ponto;, analisa.

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