A cada ano, turistas de outros estados e países trocam a opção da praia ou da serra para desembarcar nas curvas da capital do país. Quem ainda não conhece Brasília, se programa para visitar ; e fotografar ; as obras de Oscar Niemeyer, Lúcio Costa e Athos Bulcão, admiradas em livros de história. Esplanada dos Ministérios, Catedral, palácios da Alvorada e do Planalto, Itamaraty, Complexo Cultural da República;Todos esses cartões-postais são paradas obrigatórias. Isso já estamos carecas de saber. Mas o que além desse roteiro é a cara da capital? Que outros programas fazer? Incluída em guias de turismo como destino imperdível, Brasília pede passagem. Quem quiser conhecê-la melhor, vai precisar fazer outros caminhos, fugir dos mesmos guias de turismo e flanar, sem destino, para experimentar novos ângulos da capital do país.
A onda quebra aqui
Quando a artista plástica Clarice Gonçalves recebeu a notícia de que uma amiga do marido, o luthier Gabriel Rodriguez, 36 anos, viria visitá-los, ela se apressou em elaborar um roteiro turístico. Se pintasse um solzinho em plena temporada de chuva, o programa estaria definido: um piquenique na Ermida Dom Bosco. Toalha, cesta e quitutes à mão, os três aproveitaram uma manhã da quinta-feira de uma maneira bem diferente do passeio cívico já programado. Nem Clarice sabia que poderia curtir de tão perto o lago. Ainda mais com uma cesta de piquenique ao lado. A artista só foi descobrir a ermida há pouco mais de um ano graças a uma amiga que mora nas redondezas. Desde então, o espaço é o favorito para um fim de tarde sossegado, com direito a pôr do sol e barulho de onda. "Esse aqui é nosso mar", diz Clarice, que deixa a imaginação brincar. O espaço, cujas coordenadas foram previstas por Dom Bosco para se construir a nova capital do país, tem uma vista privilegiada para o Palácio da Alvorada, o Eixo Monumental e a Esplanada dos Ministérios. Sem falar na disponibilidade para pedalar, andar de skate ou colocar o caiaque na água e explorar o lago Paranoá. "A arquitetura, os monumentos; Esses eu já havia visto em guias, livros. Mas chegar aqui e ver um céu desse tamanho e tanto espaço verde é o que mais me surpreendeu em Brasília", compartilha a professora uruguaia Eliana Pascual, 32 anos, com o casal de amigos. Clarice e Gabriel concordam e abraçam a mesma admiração pela orla candanga. "As possibilidades estão aí. Basta dar uma caminhada para descobrir que ainda há muito para se encantar", aposta Gabriel.
Extra! Extra!
Em novembro do ano passado, o tradicional jornal norte-americano The New York Times publicou uma coluna de turismo dedicada a dicas para quem quer conhecer a capital do Brasil. Não, não é o Rio de Janeiro, mas Brasília. O guia dá dicas nada convencionais sobre o que fazer na cidade. É claro que não poderiam ficar de fora os passeios pelas construções modernistas e pelo centro do poder. Mas os repórteres Nadia Shira Cohen e Seth Kugel foram além. A reportagem, que pode ser conferida no site do jornal, inclui stand up paddle no Lago Paranoá, muito samba, tour por botecos, bufê de comida nordestina e até uma passadinha na Feira da Ceilândia. Tá bom ou quer mais? Dá só uma olhada:
Onde a cidade pulsa
"Esse aqui é o coração da cidade", diz o músico, DJ e produtor Rodrigo Barata, ao estufar o peito de orgulho quando fala do Setor de Diversões Sul, conhecido como Conic. O apelido caiu na boca do povo durante a construção do espaço projetado por Lucio Costa. Conic era o nome da empresa que, na década de 1960, construiu as edificações do setor. De fato, boa parte da vida da cidade é bombeada por essa região. Comércio, consultórios, igrejas e cinemas para adultos convivem em uma harmonia espantosa. E, para quem não encontra pedestres pela cidade, é aqui que você vai se deparar com a diversidade da população. Rodrigo Barata se junta a esses transeuntes. Reconhece aqui e acolá um amigo de tempos. Também pudera. O músico brasiliense frequenta o Conic desde moleque. "Aqui, eu já toquei em muitas festas, conheço a galera das lojas e venho sempre comprar alguma camiseta bacana ou trazer amigos e músicos brasileiros e gringos pra cá. Ah; Também foi aqui onde comprei meu primeiro skate", alegra-se. Na ponte aérea entre São Paulo e Brasília, Barata constata uma semelhança entre as duas capitais: o estilo do Conic. Sem titubear, o músico acredita que se o Setor de Diversões Sul se mudasse para a pauliceia, ninguém diria que ele fugiu de Brasília. Democrático e puramente urbano, é no Conic que ele se sente à vontade. Mesmo que apaixonado declarado pelos monumentos e espaço verde da capital, no coração da cidade, Rodrigo Barata está em casa. "Tenho orgulho de ser brasiliense. Mais ainda;Visto a camisa desse lugar."
De vento em popa
Este ano, a Secretaria de Turismo reúne forças para fazer, pela primeira vez, um levantamento completo do turismo na capital. Enquanto dados mais precisos estão sendo apurados, números do Ministério do Turismo e da Infraero já apontam otimismo quanto à demanda de brasileiros e gringos curiosos para conhecer Brasília.
- São seis os postos de Centro de Atendimento ao Turista em Brasília. Desses, o mais movimentado está no aeroporto e recebe, por mês, mil turistas. Em segundo lugar, estão o posto da nova Rodoviária e da Praça dos Três Poderes. Já em terceiro, os do Setor Hoteleiro Sul e Norte.
- A origem dos turistas estrangeiros que mais visitam a capital é: Estados Unidos, Argentina, Alemanha, França, Chile, Paraguai, China, México e Espanha. A Europa ainda é continente que mais envia turistas à capital.
- Uma das razões para o aumento de turistas estrangeiros em Brasília se deve ao aumento de voos diretos internacionais. Até 2010, eram nove com saídas de Brasília.
- Dados do Ministério do Turismo mostram que houve um aumento de turistas estrangeiros que visitaram a capital: Em 2008, 29,4 mil turistas estrangeiros vieram a Brasília; em 2010, foram 37,9 mil.
- Do total de estrangeiros, 36,8% vêm a Brasília para negócios. Mas quem disse que eles dispensam um city tour pela capital?
Comendo pastel de salto alto
Nascida em Brasília e criada na; Tailândia? Opa. Ellen Oléria explica: "Na divisa entre Taguatinga e Ceilândia", brinca a cantora. Ela pode viajar pelo mundo, porém, quando volta, não dispensa uma passadinha na feira da Ceilândia para tomar um caldo de cana bem gelado. Ela se orgulha de ser brasiliense, mas a menina dos olhos de Ellen Oléria é essa junção mesmo: Ceilândia e Taguatinga. A um pulo do Plano Piloto, lá estão as duas cidades a alimentar de inspiração a artista. Na feira da Ceilândia, é onde se embolam os versos de Ellen. Espaço onde ecoa diversos sotaques, a feira tem um pouco de tudo: de roupa a maquiagem, de farinha de mandioca a buchada de bode. "Há aqui uma concentração de gente de todas as partes do Brasil. É essa riqueza de ingredientes que faz parte do meu imaginário e da minha música", explica. Aos 29 anos, a cantora não se cansa de percorrer a feira de cabo a rabo, principalmente se estiver acompanhada por um amigo que não é da área. Quintal da infância da cantora, a feira ganhou até uma canção quando Ellen tinha 17 anos. Desde então, a música não sai do repertório:
A feira da Ceilândia te oferece o que quiser comprar: peixe, sapato, retrato, colar pra te enfeitar,
Cinto da moda (;)
Sinto vontade, grande necessidade de comprar, roupa xadrez, meia longa, bota preta pra arrasar. estilo colegial: brega, veste mal vamos parar.
Mulheres deem à cor o seu destaque, esbanjem no batom e no esmalte. Muita roupa já é coisa de perua. daqui a pouco tem gente andando nua (;)
Onde quer que se apresente, Ellen promete levar essa música na mochila. Como os meninos de Olinda que desandam a enaltecer as belezas da cidade para os turistas. "A feira da Ceilândia vai andar sempre comigo", assina o compromisso.
Entrevista
De Copa ao Copan
A publicitária carioca Raquel Oguri, 41 anos, gastou muita sola de sapato na capital paulista até, finalmente, se sentir íntima da cidade. Ela se perdeu nas ruas, aprendeu gírias, frequentou padarias ; reduto dos paulistas tal qual o quiosque na praia para o carioca ; e criou laços de amizade que se fortaleceram ao longo de seis anos na terra da garoa. Tal malemolência só podia render frutos. Recém-lançado, o Manual de sobrevivência em São Paulo ; um guia para cariocas e simpatizantes (Ed. Casa da Palavra) pretende ajudar cariocas e outros brasileiros de "alma carioca", como se refere Raquel. "Quem é do interior de Minas, por exemplo, também sente certas diferenças culturais ao chegar em São Paulo. Quem vem do Nordeste e de outros lugares onde as pessoas são mais calorosas, também. De todos, acho que o carioca ainda é o que mais tem dificuldade de se adaptar. Muito por conta dessa rivalidade com o paulistano. Posso dizer: falta informação. O paulistano é mal compreendido", avisa. Se você está de malas prontas para passar o restante das férias em Sampa, ficam as dicas de Raquel.
Quando você começou a desenvolver esse guia? Ele também se estende aos brasilienses que visitam ou vão morar em São Paulo?
Comecei a anotar dicas e percebi que, quando lia os guias para turistas, eles eram extensos e não eram objetivos. Minha intenção, no começo, era fazer esse manual com uma amiga, mas foi complicado para a gente sentar e fazer juntas. Então comecei a desbravar alguns cantos da cidade. Na época, não estava trabalhando. Via algumas coisas legais sobre a qual não lia a respeito e outras não tão legais que alguns recomendavam e, assim, dava às informações meu filtro carioca. Observei como funciona o comportamento geral das pessoas aqui e passei a aceitar melhor essas diferenças. Mas o guia é para todos: para quem sente essa diferença cultural quando pisa na capital paulista.
Por quais saias justas você passou quando chegou em São Paulo?
Foram tantas;Quando fui pela primeira vez ao shopping, passei por uma. As pessoas de São Paulo vão bem arrumadas. Na época, eu morava perto de Higienópolis. Fui ao shopping com uma saia tipo canga e sandália de dedo. Assim que entrei, senti as pessoas me olhando de cima a baixo porque não estava vestida apropriadamente para o lugar. Isso de se vestir de forma despojada para ir ao shopping é comum no Rio, mas não aqui. Outro episódio que me chamou atenção e que conto no manual aconteceu com uma grande amiga. Ela foi procurar uma amiga paulista na casa dela, sem avisar, sem um telefonema. E não dá para fazer isso aqui. No Rio, com quem você tem intimidade, se faz esse tipo de surpresa, mas aqui é inadmissível. Nem chamaram minha amiga para subir. Ela ficou decepcionada, mas com o tempo entendeu. Acho que, em geral, esbarramos nessas diferenças culturais que ora são engraçadas ora bem chatas.
Depois de quanto tempo você ganhou essa intimidade com a cidade? Você já sente uma "paulistana"?
Acho que um ano foi o período necessário para a adaptação. Um bom tempo para se conhecer bem a cidade. Trabalhar também ajuda muito porque no ambiente de trabalho você conhece gente de todos os cantos. E em São Paulo é uma mistura danada. Você faz amizades com pessoas de todos os cantos do país. Mas não vou forçar a barra (risos). Ainda sou uma carioca em São Paulo. Diria que São Paulo é uma cidade incrível para quem é de qualquer estado. Ela aguça seus sentidos, faz você refletir sobre vários aspectos. É poder experimentar um filme onde é possível viajar por vários cenários. Já o Rio é uma cidade perfeita para relaxar. Não sei se passaria minha velhice em SP, mas sei que aqui é possível se viver bem.