Patrícia tem 30 anos e trabalha em um escritório de advocacia. Às seis da tarde, sai do trabalho e marca, pelo telefone, de encontrar Rafael na casa da irmã dela. Pela primeira vez, ela vai apresentar à família o homem com quem tem se encontrado e compartilhado tantos momentos nos últimos seis meses. Nas primeiras semanas, Rafael era ;peguete;. Depois, ele evolui para ;rolo; e, em seguida, ;caso;. Quando Patrícia se deu conta, ele se tornou o namorado que mora com ela e ainda divide as compras do supermercado.
; Oi, gente! Esse aqui é o meu;o meu;meu;
Sem titubear, é ele quem responde:
; Rafael. Prazer.
A situação acima é hipotética, mas se você já passou por ela, não é a única. O embaraço provocado pela cena pode ser explicado pela velocidade com que as relações são capazes de mudar sazonalmente. Graças às conquistas da revolução sexual nos anos 1960, hoje nenhuma mulher fica estigmatizada como ;a desquitada;, ;a fácil; ou ;a solteirona;. Independentes, donas do próprio nariz, elas conquistaram vagas nas universidades, cargos importantes e não dependem mais do parceiro como provedor. Essa independência também reverberou na forma como elas definem a vida pessoal.
A antropóloga Mirian Goldenberg refletiu sobre o assunto em uma coluna que assina periodicamente. Com o texto Meu homem, publicado ano passado, ela obteve mais atenção do que esperava. ;Isso mostra que toquei em um ponto muito importante para homens e mulheres que vivem esses novos arranjos conjugais;, constatou. Na análise da especialista, as diversas denominações para o parceiro com quem a mulher está se relacionando se deve à enorme mudança de arranjos conjugais e à dificuldade de nomear essas novas parcerias.
Dentre tantas denominações, a que mais chama a atenção da antropóloga é: meu homem. ;Nesse caso, ainda existe uma conotação de posse e também uma ideia de que a parceria é prioritariamente sexual. Agora, quando um homem fala ;minha mulher;, essas duas coisas estão presentes, mas não são problemas para a sociedade;, observa.
Para a psicóloga comportamental Patrícia Luque, é importante não colocar todos os casos no mesmo balaio. ;Cada relação se autodefine. O nome que se dá a ela vai variar em função da história de cada um;, destaca. Vide o exemplo da maior rede social do mundo, que permite a atualização de relacionamento no perfil do usuário em um dos nove termos: solteiro, em um noivado, em um relacionamento sério, casado, separado, divorciado, viúvo, amizade colorida ou em um relacionamento enrolado.
A designer Rafaella Peres, 28 anos, já passou por algumas saias justas quando precisou definir a relação. ;Confesso que, algumas vezes, já me peguei perguntando como me referir ao ;meu homem; quando a outra pessoa com quem estou conversando não o conhece pelo nome;, diz. Para a designer, as inúmeras definições do tipo de parceiro estariam atreladas a um número maior de relações passageiras e efêmeras. ;Tudo fica meio superficial quando ninguém quer assumir um relacionamento. Por isso, não se consegue padronizar uma denominação;, reflete.
Há, no entanto, mulheres que, em vez de se perderem numa sopa de letras para definir o parceiro, preferem enxugar os novos termos do vocabulário. Recém-casada, a analista de sistemas Karina Rocho, 32 anos, conta que durante o relacionamento só usou as expressões namorado e marido. ;Eu não usava noivo, e marido custei a me acostumar;, conta. Karina não acredita que as inúmeras denominações que escuta na roda de amigas seja mero modismo. ;Acho que elas querem dizer algo mais: refletem a modernização das relações. Por exemplo: aquele não é meu namorado, mas a gente se curte. Ou então: não somos casados, mas moramos juntos, logo é meu namorido. E por aí vai.;
Parceiro, companheiro, rolo, querido, ficante, namorido, marinado foram alguns dos termos colecionados pela antropóloga Mirian Goldenberg. Na prática, todas essas denominações apontaram para a mesma cena: um casal apaixonado, disposto a ficar junto. Algo assim, sujeito a turbulências e alegrias, mas entre quatro paredes. Longe dos olhares dos outros e autor dos próprios verbetes de um dicionário amoroso.
As mulheres falam
Para você, o que seria namorido, amigo predileto, compromisso enrolado, meu amor e companheiro?
;O meu amor não precisa ser necessariamente alguém com quem você está junto. Agora, companheiro é o que vive junto, te ajuda a levar a vida de forma mais fácil, sem solidão. Nem sempre o companheiro é o grande amor da vida da pessoa, mas é aquele que marca presença no dia a dia. Agora, amigo predileto; Muita gente diz que não existe amizade entre homem e mulher. Existe sim e é muito bom ter um amigo do sexo oposto para poder conversar, sair para almoçar;;
Sônia Mariano, 30 anos, engenheira
;Namorido para mim é o namorado que se envolve como marido. O casal pode até morar junto e pensar em se casar. Meu amor é aquele que você considera o amor da sua vida, quem você escolheu para ficar junto o resto da vida. Não é qualquer relação, é um sentimento mais profundo.;
Angélica Pereira de Souza Rogério, 29 anos, assistente social
;Companheiro é o que está ao seu lado, te dá conselho, te ajuda. Meu amor é aquele que você quer estar toda hora. Namorido é o namorado que é quase marido, mas não é oficial. Já o compromisso enrolado é um ficante, quase namorado. Uma pessoa de quem você gosta, mas que não quer nada sério.;
Renata Baptista, 20 anos, telefonista
;Companheiro para mim é marido. E meu companheiro é o amor da minha vida.;
Anette Paes de Barros, 69 anos, empresária
Na TV
Na série de TV Mulher Invisível, o personagem de Selton Melo vive um caso amoroso com duas mulheres. No papel da parceira de ;carne e osso;, Débora Falabela. A invisível é a bela Luana Piovani. Na primeira temporada, havia a dúvida de qual das duas seria a namorada oficial do protagonista, mas as denominações ficaram à parte. Na década de 1980, a precursora desse envolvimento sem definição foi a hilária repórter Zelda Scoot, interpretada por Andréa Beltrão, no programa Armação Ilimitada, de Guel Arraes.