HAL 9000 foi um computador criado para não errar. Era dele a responsabilidade de cuidar da aeronave, da saúde vital dos astronautas em animação suspensa, do respeito à rota até Júpiter e das ações que deveriam ser tomadas caso houvesse algum risco externo à missão. HAL 9000 é um personagem do clássico de ficção científica 2001: uma odisséia no espaço, escrito por Arthur C. Clarke e levado às telas por Stanley Kubrick em 1968. Enlouquecido pelo próprio ego, considerando-se infalível, a máquina teve de ser desligada quando começou a matar a tripulação, pois a julgou nociva à conclusão da sua tarefa.
Os humanos, após delegarem quase toda a responsabilidade sob sua vida a um ser não vivo, tiveram que destruí-lo para retomar o controle. Porém, a atitude só foi tomada após o extermínio quase completo deles, pelo menos no universo daquela história contada nos cinemas. Na telona, o medo de que as máquinas possam tomar o controle é antigo, sempre caminhando ao lado do receio ante o desconhecido. Contudo, olhe para o seu lado. É provável que um parente evolutivo de HAL 9000 esteja piscando. Ele avisa que alguém comentou no seu perfil do Facebook. Não te deixa esquecer o aniversário do amigo distante. Guarda toda a sua agenda telefônica e te permite responder aquele e-mail do trabalho às 3h da manhã.
Na bolsa, quem sabe, você carrega um outro ente dessa família, de tela maior. Ao deslizar os dedos por ela, assiste a um filme, fala sobre ele aos seus seguidores no Twitter ; não sem antes procurar uma resenha no Google para se inteirar das opiniões mais comuns e só então soltar a sua. Os exemplos se espalham. A internet, antes um espaço que causava mais discussões sobre seus riscos que qualidades, hoje se integra em tantos aspectos do dia a dia que já não é possível usá-la como bode expiatório para fundamentar erros humanos.
Na era dos smartphones, tablets, notebooks e do eterno computador de mesa, separar a vida on-line da off-line é uma atitude cada vez mais árdua, já que estamos, o tempo inteiro, liberando mais espaço no nosso cérebro ao delegar tarefas, antes de nossa responsabilidade, a links e bytes. Não é à toa que há uma culpa mínima de não lembrar uma informação por saber que ela será encontrada facilmente no Google. Alguns defendem que estamos ficando menos inteligentes, já que falta esforço para a pesquisa; outros creem que novas conexões cerebrais vão criar outras possibilidades para o pensar e tornarão as gerações seguintes mais capazes de resolver problemas rapidamente. Nesse cenário de opiniões conflitantes, há apenas uma unanimidade: o caminho é sem volta.
Dados liberados pela comScore mostraram que o tempo médio do brasileiro no Facebook aumentou 680% em um ano. Em 2010, o período diário de acesso era de apenas 37 minutos, indo para 4,8 horas em 2011. Ainda de acordo com a pesquisa, o país é, atualmente, o sétimo maior mercado de internet do mundo em relação ao número de usuários conectados: 46,2 milhões de pessoas. As vendas de smartphones corroboram as pesquisas. Análise divulgada em março pela consultoria Nielsen apontam um crescimento de 179% nas compras desses modelos de celulares em 2011. Os trending topics do Twitter geram notícia, QR codes se espalham em publicidade e as visões do escritor Philip K. Dick não parecem mais ficção científica.
Nada, contudo, é certeza. Especialistas acreditam que os efeitos de tamanha conectividade ainda não podem ser mensurados, mas grande parte deles já começa a se dividir em times. No fim de fevereiro, o Pew Research Center ouviu 1.021 profissionais da tecnologia, críticos e estudantes para que eles apontassem suas expectativas sobre a geração Y ; aquela que nasceu sob a égide da onipresença da internet. Os resultados são inconclusivos. Para 55% dos ouvidos, esses jovens vão desenvolver ;conexões; cerebrais diferentes das pessoas que, atualmente, têm mais de 35 anos. Dessa forma, em 2020, eles serão capazes de localizar respostas de forma bem mais rápida que hoje.
Porém, 42% dos entrevistados não são otimistas. Para eles, tanta facilidade em obter informação vai criar, em 2020, uma massa de usuários que se distrairá facilmente, sem capacidade de raciocinar em profundidade, buscando apenas satisfação instantânea. ;Cada nova ferramenta é uma faca de dois gumes, que pode ser usada para o bem e para o mal. A ubíqua conectividade através das redes de comunicação digital podem ser uma benção ou uma maldição: depende de como as pessoas vão se comportar ao usá-las;, afirma Janna Anderson, professora associada da Universidade Elon, na Carolina do Norte, e uma das autoras do estudo.
De acordo com Janna, grande parte dos entrevistados já acredita que as barreiras entre o mundo on-line e off-line não existem mais. Ela chama a geração nascida na virada do último século de ;always on; (sempre conectada, em tradução livre): um grupo de jovens e adolescentes que estão crescendo em um mundo que lhes oferece acesso instantâneo a quase todo o conhecimento humano em quase toda parte do planeta. Segundo a pesquisadora, esse estilo de vida traz benefícios e desafios. Agora, aqueles que vivem essa realidade são constantemente interrompidos pela consulta a seus dispositivos digitais.
;Enquanto a maioria dos entrevistados vê isso de forma positiva, alguns dizem já testemunhar deficiências sobre a capacidade das pessoas em centrar a atenção, tornando-se consumidores rasos de informação, pondo em perigo a sociedade.; Entretanto, essa segue como uma das possibilidades. Uma conversa rápida com representantes da geração Y pode mostrar que, em grande parte, os adolescentes não percebem a internet como uma ferramenta de grandes riscos, focando mais nas vantagens que ela pode trazer. E que, sim, querem manter a liberdade de acessar o que quiserem, mas também esperam que alguém aponte onde eles podem achar o que, de fato, é confiável.
Lucas Lacerda, 15 anos, acredita que há uma preocupação exagerada dos pais sobre a forma com os jovens lidam com a hiperconectividade. Ele, que tem smartphone, computador e tablet, afirma que não teria problemas em passar parte do seu tempo mostrando aos mais velhos o que ele faz em seu período on-line. ;Nossos pais pensam que vivemos no computador. Brinco com a minha mãe: ;Tem gente se drogando, matando, engravidando e eu estou apenas na internet. Qual o grande problema disso?;. Eles não acreditam que também estamos fazendo algo importante. O diálogo é: saia do computador;, reclama.
Ele e a colega Giovanna Baptista, também de 15anos, são alunos de uma escola na qual os tablets foram alçados à categoria de gadgets educativos e creem que, com a integração entre a realidade tecnológica deles e o ambiente hermético da escola, aumenta-se a capacidade de absorção da boa informação, porque o filtro é educado. ;A acessibilidade torna o estudo mais fácil. Por exemplo, em uma aula de espanhol, se você não sabe uma palavra, toca nela e descobre a definição. Há muito de bom na internet, mas é melhor quando temos um professor para dizer no que podemos confiar. Tem muita gente ainda achando que tudo no Wikipedia é correto;, frisa Giovanna.
A secretária de embaixada Sabrina Felinto, 30 anos, se assustou quando sentiu dificuldades em escrever textos mais longos em seu blog. Desde 2004, ela usa a internet para se expressar e considera essa uma das maiores vantagens da rede: a possibilidade de enviar sua mensagem para um sem número de pessoas. Mas o prazer de manter-se conectada estava sobrepujando seus outros hobbies. ;Quando retomei a escrita, há pouco, vi que estava mais complicado conectar as ideias e fazer um texto em maior profundidade. A informação sai um pouco mais pasteurizada.; Ao voltar a estudar ; está buscando uma outra formação superior ;, ela teve de recorrer novamente aos livros e foi quando percebeu que, de fato, a velocidade de consumo da informação na internet havia prejudicado sua atenção.
Quando é obrigado a desligar HAL 9000, Dave, o único astronauta sobrevivente, precisa não dar atenção aos lamentos da máquina, que diz, num tom monocórdico: ;Estou com medo, Dave. Dave, minha mente está indo embora. Eu posso sentir;. Não há como saber se vai ser obrigatório, também, desligar o celular. ;Essa é a função que menos uso no meu;, brinca Raí Costa Filho. O certo é que o verdadeiro senhor dessa relação ainda está sendo definido. Ou, quem sabe, o ser humano está presenciando o momento no qual viverá em pé de igualdade com as máquinas.
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