postado em 15/04/2012 08:00
A menina tinha seus 13 anos quando a mãe, sem autorização, se apossou de sua agenda. As páginas do caderno colorido escondiam um diário, com anotações e impressões que a garota fazia do seu dia a dia. Página a página, a mãe descobriu as reclamações da filha sobre a família, os amores de escola e as aventuras ao lado das amigas da oitava série do primeiro grau (era 1997). Foi lá pelas páginas do mês de agosto que a mãe teve uma surpresa: relatos detalhados sobre o envolvimento do grupinho com os garotos que fumavam maconha na saída da escola. No diário, a menina contava que não quis experimentar a droga, mas que suas três melhores amigas fumavam com certa frequência. Uma delas, contava o diário, estaria namorando o ;traficante; do colégio.A mãe e o pai da garota agendaram uma reunião com os pais das colegas. Uma crise sem precedentes na vida e na amizade das quatro jovens. ;Odiei meus pais por isso. Eles me tiraram da escola em que eu estudava desde os 2 anos e me matricularam em uma escola católica. Foi o fim do mundo para mim. Isso me afastou muito da minha mãe. Entendo o instinto de proteção, mas com minha filha farei diferente;, acredita a servidora pública Ana (nome fictício), hoje com 28 anos.
Ana diz que não fuxicaria a agenda da filha. Tentaria construir uma relação aberta, em que houvesse liberdade para que o assunto drogas fosse tratado. Ilusão? Para a psicóloga e pedagoga Elizabeth Monteiro, autora do livro Criando adolescentes em tempos difíceis (Ed. Summus), os pais não podem tudo. Eles precisam saber que são o modelo de identidade dos filhos. Pais abusivos, agressivos e invasivos criam filhos com essas características.
;Mentir ensina a mentir. Enganar ensina a enganar. Desconfiar ensina a não confiar. Os pais precisam ser discretos com relação ao que acontece na vida dos filhos. Pedir licença para adentrar ao quarto deles e tocar em certos assuntos. Remexer em suas coisas sem um motivo muito forte? Jamais. Aliás, isso é uma regra básica de educação e de convivência social;, explica a especialista, que lida com jovens há quase 40 anos. O assunto é polêmico e divide opiniões. A Revista conversou com pais e estudiosos para tentar entender esses limites.
Para estar presente na vida do filhos, sem invasão de privacidade
. Acompanhe a vida escolar deles.
. Leve-os e busque-os nas festas.
. Receba os amigos deles em casa.
. Mantenha um diálogo franco, no qual eles se sintam ouvidos, mesmo que vocês não concordem.
. Mostre mais atitudes e menos sermão.
. Proponha atividades conjuntas.
. Lembre-se: o poder dos pais sobre os filhos não está na autoridade nem na amizade. Está em uma postura amiga, na qual a firmeza não exclui a delicadeza.
Poder de mãe
Marcela Furst tem 28 anos e uma filha de 11. Mas o fato de ser uma mãe tão jovem não muda em nada o seu instinto. Marcela confessa ser ;neurótica;, quando o assunto é a prole, mesmo que a filha não dê motivos para desconfiança. ;Eu tomo cuidados com a segurança dela desde pequena. Sempre fui de ficar por perto. Ela nunca foi ao banheiro público sozinha e essa história de dormir na casa de amiguinha só se for na da melhor amiga dela.;
Entre os futricos mais comuns, Marcela confessa que vez ou outra dá uma geral na mochila e no armário da filha ; além de uma espiadinha no histórico de navegação. ;O PC fica na sala, então sempre estamos vendo o que está sendo acessado. Só no fim do ano passado deixei ela fazer um Facebook e eu o configurei com todas as restrições de privacidade. Ela só adiciona pessoas depois de me mostrar quem é e quando vejo que está no bate-papo, fico rondando e perguntando: ;Está falando com quem? Sobre o quê?;. Vejo que ela não se sente invadida com isso;, garante.
Até hoje, Marcela nunca se deparou com nenhuma surpresa indesejável. Mesmo sabendo que a adolescência de Leandra está apenas começando. ;Como mãe eu a oriento a conversar e ela é muito aberta, conta tudo ; já mostrou até bilhete de menino dizendo que gostava dela. Mas eu sei que, com a adolescência, talvez esse comportamento mude e ela fique mais reservada. Acho que invasão de privacidade não existe para mãe. Mas tenho receio que talvez uma invasão descuidada gere uma vontade de esconder, por isso não faço nada sem falar com ela: eu pego a agenda e digo que vou olhar.;
Olho vivo e faro fino
Existem pais capazes de ir mais longe nessa história de vigiar os passos da rapaziada. São aqueles que desembolsam entre R$ 5 a R$ 10 mil reais para pôr um inestigador profissional na cola do filho. A Revista conversou com Angela Bekeredjian, uma das detetives mais respeitadas do país. Há 50 anos no ramo, ela conta que atende semanalmente cerca de 15 clientes interessados nesse serviço.
As suspeitas mais comuns são relacionadas ao uso de drogas e à opção sexual do jovem. Também existem casos em que a equipe investiga a vida do namorado da filha, ou mesmo descobre se o menino está namorando alguma mulher mais velha. ;Posso afirmar que 95% das suspeitas se confirmam quando o assunto é adolescente. Porque esses pais já têm uma desconfiança muito forte e só precisam de uma confirmação. Percebem que o filho ficou estranho, violento, distante. Aí surge a dúvida;, revela. Em geral, os clientes são de classe média e média alta. E os principais alvos são as filhas.
A investigação começa com o briefing dos pais. Em seguida, um agente da equipe passa a seguir o ;alvo; e se infiltra em seu círculo de amizades. As filmagens são apresentadas aos pais, que quase sempre têm um ataque de fúria ou choro quando recebem o veredicto. ;Já viajei a Orlando (EUA) para investigar o comportamento de uma jovem durante uma viagem. Também já viajei a Miami para descobrir o que o filho de um cliente fazia durante o intercâmbio;, lembra. Mesmo entre casos motivados pela curiosidade, Angela orgulha-se de ter ajudado muitas famílias. ;São muitos os casos de pais que conseguiram tirar os filhos das drogas, que descobriram a ameaça de pedófilos. São tantos que já perdi as contas.;
Leia a íntegra desta reportagem na edição n;360 da Revista do Correio