Revista

Armas de ponta contra o câncer

O renomado oncologista Paulo Hoff, do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, antecipa à Revista o que se pode esperar de mais avançado na luta contra a doença

Flávia Duarte
postado em 29/04/2012 08:00

O câncer continua a ser um dos mais temidos diagnósticos que alguém pode receber. A doença, cheia de artimanhas, se prolifera com facilidade, dribla a sabedoria dos médicos e as descobertas da ciência. Muito se avançou, mas o mal continua incurável e assustador. O câncer nunca será igual se mudar o paciente. O medicamento que ameniza a dor de um nem sempre levará conforto a outro. Para tentar entender como se manifesta essa loucura que acomete as células, levando-as a formar tumores, pesquisadores de todo o mundo tentam aperfeiçoar as técnicas de diagnóstico e descobrir medicamentos e tratamentos que possam interromper a progressão do inimigo.

No Brasil, o Hospital Sírio-Libanês anuncia duas parcerias que prometem reforçar os conhecimentos e trocas de experiências nessa luta. Eles acabam de se unir a dois dos maiores centros de referência em pesquisa e tratamento do câncer no mundo: o Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, que fica em nova York, e o Ludwig Institute for Cancer Research, que tem sede em vários países e acaba de inaugurar uma dentro do Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa (IEP). Diretor do Centro de Oncologia do Sírio-Libanês de São Paulo, Paulo Hoff fala sobre a importância dessa cooperação na batalha contra o câncer e sobre as perspectivas de tratamentos para a doença.
O renomado oncologista Paulo Hoff, do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, antecipa à Revista o que se pode esperar de mais avançado na luta contra a doença
CONHECENDO O INIMIGO
"Sabemos que o câncer age de maneira muito diversa. Mesmo dentro do mesmo tumor, existem populações variadas de células. Por isso, é muito importante entender como elas se caracterizam para que possamos fazer diagnósticos cada vez mais precoces. O que parece ser muito claro é que o câncer não é um acúmulo desorganizado de células diferentes. Ele tem realmente populações diversas de células, que interagem entre si. É como se as ;células oficiais;, não tão numerosas, controlassem a ação das células menos eficientes, que fazem o volume tumoral. A impressão é de nos tratamentos mais tradicionais, a gente acaba eliminando parte da população dessas células, mas não o comando. Por isso, em algum momento, o câncer se reorganiza e volta."

OS NÚMEROS DA DOENÇA
"O câncer era uma doença menos comum antigamente porque as pessoas morriam jovens. Isso mudou. Em 1920, a expectativa de vida no Brasil era de 32 ou 33 anos. Hoje é de quase 70 anos. A população está envelhecendo e é isso que nós vamos ter que enfrentar. Em 2003, o câncer se tornou a segunda causa de morte no Brasil e vem crescendo, atrás apenas dos problemas cardiovasculares. Vou dar um número que é assustador: em nosso país, uma mulher entre oito vai ter um câncer de mama. Quando a gente fala de todos os tipos de câncer, posso dizer que um em cada três ou quatro brasileiros terá a doença. Alguns tipos de tumores tiveram a incidência multiplicada porque estão sendo mais diagnosticados. O caso clássico é o câncer próstata. Hoje, temos um exame de sangue que é altamente fidedigno e consegue diagnosticar precocemente esse tumor."

DIAGNÓSTICO PRECOCE
"O que se espera para um futuro não muito distante é que se desenvolvam exames de fezes e urina que possam detectar um tumor antes que ele apareça clinicamente. Hoje já existe um teste para câncer de intestino feito nas fezes. Você faz a coleta e verifica se há DNA de tumor ali. É bastante fidedigno e deve ser aprovado nos Estados Unidos em breve. Órgãos que excretam algum tipo de substância são áreas que poderão ser investigadas dessa maneira ; bexiga e rim, por exemplo. A saliva também poderá fornecer esse tipo de dado. Há inclusive cães sendo treinados para identificar, pelo olfato, pessoas com câncer. Se um animal consegue reconhecer, é possível desenhar algum tipo de tecnologia que faça o mesmo."

TRATAMENTOS PERSONALIZADOS
"Sabendo que o câncer tem células diversas, é preciso elaborar estratégias mais eficientes de tratamento do que as que temos usado. É por isso que discutimos a importância da imunoterapia. Não basta atacar diretamente o tumor, mas é necessário criar condições para que o corpo do paciente ataque as células tumorais. Dessa maneira, você escapa do problema de eliminar parte das células e o restante voltar a crescer."

TRATAMENTOS INTEGRATIVOS
"Existe sempre uma vontade de pacientes e familiares de identificar alimentos ou atitudes que possam colaborar com o tratamento da doença. Uma pesquisa no Texas (EUA), por exemplo, mostrou que 85 % dos pacientes buscam apoio complementar para cuidar do câncer. É importante notar, no entanto, que falamos de tratamento complementar e não alternativo ; não é substituir o tratamento usual. Tem coisas que funcionam. Por exemplo, o paciente de câncer fica estressado. Uma massagem pode ajudá-lo a relaxar. A acupuntura diminui a náusea e traz bem-estar. Você tem alguns suplementos alimentares, que podem não influir na cura, mas facilitam a digestão. Sabemos, por exemplo, que a sobrevida de pacientes que praticam exercício é maior. Por isso, estamos montando no Sírio-Libanês uma unidade de cuidados integrativos, inspirada nos moldes do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center. São cuidados que não curam o câncer, mas melhoram a autoestima e a condição geral do paciente."

BANCOS DE TUMORES
"Estamos comemorando a doação de uma quantia grande de dinheiro que foi usada para instalar um biobanco no hospital. É muito importante distinguir o que é um biobanco e o que é uma coleção de tumores. Muitos médicos no passado pegavam pedacinho de tumores de seus pacientes e iam guardando. Isso não é um biobanco. O que precisa ser feito é guardar um pedaço do tumor, as células e o tecido normal do paciente, além de ter a história clínica dele. Assim, é possível relacionar os tipos de tumor com o histórico do paciente. Não se fará pesquisa de câncer de alto nível sem acesso a biobancos."

PESQUISAS A MUITAS MÃOS
"Poucos estudos clínicos são feitos em um único país, mesmo nos mais ricos. Você precisa de colaboradores no mundo inteiro. Por exemplo, há um novo medicamento, o crizotinibe, que age com grande sucesso, mas só em 3% dos pacientes com câncer de pulmão, aqueles com a alteração celular alvo desse remédio. Então é preciso selecionar os que têm a alteração para entrar nesses estudos clínicos, o que não é feito em uma instituição, em um estado ou em uma cidade. São vários países coletando gente. É um esforço global. Esse é o trabalho de internacionalização do Sírio-Libanês: entrar nessa estrutura mundial de pesquisa e atendimento."

Em busca de excelência
O Centro de Oncologia da unidade brasiliense do Sírio-Libanês está de portas abertas desde outubro do ano passado. Diretor-técnico da unidade, o médico Gustavo Fernandes traça um perfil do atendimento na capital.

Número de atendimentos
;Começamos com o objetivo de realizar 300 consultas por mês no primeiro ano, mas já passamos de 600. Fazemos cerca de 40 procedimentos (hidratação e quimioterapia, por exemplo) por dia e temos 12 leitos. Temos ainda uma capacidade de crescimento entre 20% e 30%.;
Perfil dos pacientes
;Temos 20% de pacientes externos, vindos do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste. O restante é local.;
Serviços oferecidos
;No início, oferecíamos consultas especializadas em oncologia, hematologia e oncologia pediátrica. Na sequência, expandimos para laboratório clínico, serviço de quimioterapia e serviço de hospital-dia (aberto diariamente àqueles que precisam de algum suporte). Recentemente, passamos a oferecer, uma vez por mês, um serviço de aconselhamento genético com o médico Bernardo Garicochea, que é especialista em genética de câncer. Os exames são coletados e enviados para São Paulo. A partir dos resultados, é possível determinar se o indivíduo está dentro de um grupo de risco genético para algum tipo de câncer e tomar uma atitude preventiva.;
Novos serviços
;Estamos no processo de implantação de um aparelho de radioterapia que é o primeiro do Brasil com essa especificação. Contamos com um físico que está sendo treinado nos Estados Unidos e vamos trazer um médico que tenha capacitação para operar a máquina. Os serviços de radioterapia em Brasília vivem lotados. Os pacientes esperam 20 dias, um mês, para serem atendidos no serviço privado. Vamos trazer também um departamento de odontologia para tratar a boca do paciente oncológico. E vamos inaugurar um núcleo de mastologia, especializado no atendimento de pacientes com câncer de mama, com profissionais de Brasília que fizeram treinamento no Sírio de São Paulo.;
Pesquisas
;Brasília terá o seu departamento de pesquisa. É uma necessidade nossa participar dos protocolos no Sírio-Libanês de São Paulo. Se tem alguma pesquisa que esteja sendo feita no mundo, temos que ofertar isso ao nosso paciente. Isso, eventualmente, significa uma chance a mais. Se você pode ser submetido a um tratamento experimental que acrescente alguma coisa ao comum, deve fazê-lo.;

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