Revista

Com ela, eu aprendi

Entre mãe e filhos, a troca não é só de afeto, mas de experiências de vida que moldam um jeito de se estar no mundo

postado em 13/05/2012 08:00

Sem dúvida, Pauline Einstein teve que dar alguns puxões na orelha do pequeno Albert Einstein, dono de um boletim cheio de notas vermelhas. Mais tarde, ela pôde se orgulhar de ter colocado na linha aquele que seria considerado um gênio da física. Alberta Williams King também não deixou o filho Martin Luther King Jr. esmorecer diante do preconceito sofrido nas ruas. E o jovem se tornou um dos mais importantes representantes na luta contra a desigualdade racial. Laura Moreira Braga também passou alguns aperreios com o filho. Costureira humilde que era, ela sonhava com um futuro brilhante de médico para o filho. Não teve jeito, o jovem Roberto Carlos se dedicou à música, mas nunca deixou de homenagear a mãe nos shows com a canção Lady Laura. São essas e outras bravas mulheres, de coração de manteiga e punhos de aço, que nos dão a mão a cada passo da nossa vida. Não nos deixam baixar a cabeça e nos ensinam a mostrar os dentes frente a qualquer ameaça ou desafio. Sem perder a ternura, claro. Ao lado delas, seremos sempre eternas crianças, prontas para aprender a próxima lição. Nas histórias que a Revista conta a seguir, mães e filhos abrem o baú de recordações. Como nem tudo são flores, algumas lições surgem das divergências, é claro ; no saldo, uma aprendizagem para a vida inteira.

Com açúcar e com afeto
Entre mãe e filhos, a troca não é só de afeto, mas de experiências de vida que moldam um jeito de se estar no mundoPaciência e diálogo são os principais ingredientes de Daisy e Daniel, mãe e filho. Os Vieiras, é bom avisar, são muito ligados a comida. Daisy, 54 anos, foi sempre a encarregada dos almoços de domingo: a família inteira se reunia na mesa, farta de pratos e sobremesas inventados pela anfitriã. ;Mesmo trabalhando com outras coisas, ela sempre dava um jeito de cozinhar para minha avó, meus tios. Cresci nesse ambiente, envolvido pela gastronomia;, conta Daniel, 28. Tentando conciliar o hobby com a vida profissional, Daisy foi dona de um café. O filho, então com 9 anos, visitava o estabelecimento todos os fins de semana. Aos 10, aprendeu a fazer o primeiro prato ; uma panqueca. ;Mas ele nem chegava perto da cozinha nessa época, não lavava nem um copo;, cutuca a mãe.

Depois de um tempo, Daisy vendeu o café e se mudou para os Estados Unidos. Sem a inspiração materna, Daniel se afastou das caçarolas e encarou uma faculdade de publicidade. Mas os ponteiros se acertaram depois, quando ela voltou a Brasília e abriu uma franquia de restaurantes. ;Eu tinha uns 20 anos, estava trabalhando em outra área. Mas voltei a conviver com gastronomia e, dessa vez, foi muito mais sério;, resume Daniel. O publicitário assumiu o caixa para cobrir as férias de um dos funcionários e nunca mais saiu do lado da mãe. Quis aprender tudo sobre o assunto, ficando na cola de cozinheiros e gerentes.

Daisy lembra que estranhou a decisão do filho. ;Ele não fazia nada na cozinha e, de repente, veio esse interesse todo. Foi uma surpresa.; Daí nasceu a necessidade de trabalhar juntos, de criar algo com a cara dos dois. Três anos e meio após a abertura da franquia, partiram para o próprio negócio. ;Fizemos da decoração ao cardápio. Todas as decisões foram tomadas juntos;, conta o jovem. Os pratos do menu foram criados pela dupla e, segundo eles, não há nenhuma receita que seja assinada apenas por um. ;Sempre damos pitaco, algumas sugestões na hora de cozinhar e nos entendemos;, explica Daniel.
Adeptos de uma culinária natural e com menos uso de gordura, os dois vivem procurando ingredientes novos. ;Ela me ensina muito sobre a paciência porque sou meio afobado, nervoso, e ela me acalma para que consiga fazer tudo direito;, explica. O resultado não poderia ser melhor: o bistrô celebra 2 anos e meio de sucesso. ;É um orgulho saber que a minha vida influenciou tanto a do meu filho, que está trilhando meu caminho. É uma sociedade perfeita;, alegra-se a mãe-sócia-coruja.

Afeto em novelos
Entre mãe e filhos, a troca não é só de afeto, mas de experiências de vida que moldam um jeito de se estar no mundoA artesã Isabela Andrade, 25 anos, tinha sete quando aprendeu a segurar as agulhas de crochê e a fazer a primeira peça com os coloridos novelos. ;Ficou tudo torto;, recorda. Mas a mãe, a empresária Celina Andrade, 53, elogiou o esforço da filha e não deixou a pequena desanimar. ;É assim mesmo, acertando e errando, como tudo na vida;, disse. Nenhuma das duas, no entanto, imaginaria que aquele momento único de prosa e crochê renderia mais do que cachecóis, toucas e bolsas de lã.
As encomendas surgiram aos poucos. Enquanto a filha cursava moda no Iesb e concluía o curso de história na UnB, ela buscava novidades e referências na internet e em revistas. A mãe seguia as indicações da primogênita, criava uma peça-piloto e pronto: começavam a reproduzir a novidade. A feitura se dava nas horas vagas, depois da faculdade, nos fins de semana. A dedicação ao trabalho artesanal era intensa.

Até que, em 2010, Isabela teve a ideia de reproduzir algumas ideias que pescou na internet. ;Quando vi em sites de moda internacionais aquelas pulseiras feitas com argolas e com a técnica do crochê, fiquei encantada,; lembra. O acessório logo fez sucesso entre amigos e familiares. Não demorou muito para que abrissem o próprio negócio.

Os artigos confeccionados por Celina e Isabela são vendidos na loja de um parente em Palmas (TO) e também na Feira dos Importados. Mas as duas sonham alto: querem ver as peças em São Paulo, acessíveis a um público cada vez maior. Quando olha para trás, Celina fica surpresa ao pensar que aquela menina a quem enfeitava com saias e faixas de crochê, ainda bebê, cresceu e tomou gosto pela mesma arte que ela aprendeu com a mãe e as tias. Em casa, Isabela é a única das quatro filhas de Celina a empunhar as agulhas.

A arte do crochê também foi, para Isabela, uma forma de desenvolver paciência frente às dificuldades em acertar os ponto na vida. ;Quando estava aprendendo, ficava arrasada com essa história de desmanchar. Hoje não mais;, conta. ;Se você não tem paciência para consertar uma carreira de crochê, imagina algo de errado na vida?;, pondera a mãe.
Ina, apelido de Celina desde criança, foi o nome que Isabela escolheu para lançar a marca. A mãe ficou meio reticente, preferia que fosse Isa. ;Eu queria de alguma forma homenageá-la. Além de ser o apelido da minha mãe, descobri que, no dicionário tupi, ;ina; significa ;mãe;. Então, era para ser, né?.; E assim foi. ;Toda vez que alguém me perguntar a origem da marca, vou falar sobre ela. Acho isso importante, porque minha mãe me ensinou tudo. Hoje eu também ensino algo a ela;, orgulha-se.

Sugestões de leitura
Carta aberta para minha mãe, de Gabriel Chalita, Ed. Planeta (2012)
Singela homenagem do autor à mãe, que saiu jovem da Síria, de navio, rumo a um país desconhecido: o Brasil. Nele, Chalita aborda recortes da vida da mãe, a relação dos dois e reflexões sobre o papel materno.
R$ 24,90

A culpa é da mãe ; reflexões e confissões acerca da maternidade, de Elizabeth Monteiro, Ed. Summus (2012)
A psicóloga Elizabeth Monteiro relata suas experiências na tarefa de criar os quatro filhos, trazendo relatos e buscando mostrar a dor e a delícia de ser mãe. Escrito para as mulheres que, embora se dediquem de corpo e alma à maternidade, sempre acham que estão fazendo alguma coisa errada.
R$ 69,20

Coisas de mãe para filha, Organizado por Hilda Lucas, Adília Belotti, Regina Amaral, Suzete Capobianco, Vera Tarantino, Ed. Outono (2011)
Costurado por depoimentos e intervenções gráficas e visuais, o livro reúne reflexões de 23 mulheres, algumas conhecidas, outras não, sobre a beleza e o mistério da maternidade. Sobretudo, acerca do significado dessa experiência. Ao fim, o que une todas essas mulheres é a vontade de transmitir um legado aos filhos.
R$ 57

Para a melhor mãe do mundo, de Ulrike Haisch, Ed. Vergara & Riba (2012)
Com formato de medalha, visa premiar as supermães de todo mundo. Além de trazer reflexões e ensinamentos que só as mães podem relatar, o livro pode ser pendurado na parede de casa. Só para lembrar aos filhos que essa tarefa demanda muitos desafios.
R$ 24,90

Agradecimento: Livraria Cultura

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