Gláucia Chaves
postado em 10/06/2012 08:00
A depressão de João Francisco(nome fictício), 33 anos, começou em 2001. À época, prestes a entrar na faculdade, o então estudante notou que, de repente, não tinha mais vontade de sair de casa. Dormia demais, sentia-se desmotivado. Em 2004, veio a crise de euforia: dessa vez, uma sensação de extremo bem-estar o tomou de assalto. Sem nenhum motivo aparente, ele ; até então, tímido e retraído ; transformou-se em uma pessoa extrovertida e falante. ;Você não fica maluco, não fica alterado. Mas também não fica feliz. O que acontece é que a energia dentro de você fica muito grande. Fiquei eufórico;, descreve. ;Você pode ser Deus, se quiser. A pessoa se sente capaz de tudo.;Uma amiga do escritório em que trabalha percebeu que a situação estava estranha. Aconselhado por ela, João resolveu procurar um médico. A partir daquele momento, os altos e baixos da vida dele ganharam um nome: transtorno bipolar. ;Nunca cheguei a ficar agressivo, mas fico com vergonha das coisas que faço;, desabafa. A sorte, na avaliação do próprio João, é que os comportamentos inusitados durante as crises de depressão e, principalmente, de euforia, foram discretos. ;Geralmente, eu danço na frente de desconhecidos em locais fora do contexto, como na frente do Teatro Nacional;, exemplifica.
O sofrimento dos pacientes é visível ; afinal, é a vida deles que muda. Os chamados transtornos afetivos (grupo de patologias mentais que inclui, além do transtorno bipolar, a depressão), contudo, não afetam apenas o doente. Familiares, amigos e até mesmo colegas de trabalho também são atingidos pelos sintomas, que podem variar da letargia momentânea ao descontrole total. Para ajudar quem está por perto a entender como lidar com situações de emergência, existem diversos grupos de apoio. Por meio de palestras e troca de experiências, as pessoas que convivem com os pacientes aprendem não só a identificar uma crise iminente, como são orientadas sobre a melhor forma de dar o suporte necessário.
Em Brasília, um desses grupos é coordenado pela psiquiatra Maria das Graças de Oliveira. Professora-adjunta e coordenadora do Laboratório de Psiquiatria e Humanidades da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), ela explica que o Núcleo de Mútua Ajuda a Pessoas com Transtornos Afetivos (Apta) tem como objetivo orientar familiares, amigos e indivíduos com TA. Fundado em novembro de 2008, ocasião do primeiro encontro psicoedutativo, o Apta se prepara para a sétima reunião. ;Nesses encontros, temos sempre um psiquiatra e um psicólogo que dão palestras sobre depressão e transtorno bipolar, abordando, a cada encontro, um tópico;, detalha.
Cada encontro reúne, em média, 300 interessados, pacientes ou não. A ideia não é apenas educar sobre as doenças, mas humanizar o problema. Lá, os participantes têm a chance de conversar sobre as dificuldades que enfrentam no dia a dia, com relação a família, ao trabalho, ao tratamento e à aceitação do prognóstico. ;Eles falam de qualquer assunto que seja fonte de incômodo;, resume Maria das Graças. Psicólogos e psiquiatras voluntários fazem a mediação das conversas. Foi graças ao Apta que Cecília (nome fictício), irmã de João, pode compreender um pouco mais o comportamento por vezes imprevisível do parente.
Depoimento
;As pessoas sabem lidar com câncer, com diabetes, HIV, enfim, com todas as doenças que manifestam-se no corpo, mas não sabem lidar com essa doença que se manifesta na mente, assim como qualquer outra que seja semelhante. Hoje, estive analisando sobre as ;coisas;. Falamos para as pessoas que estão à nossa volta que iniciamos o tratamento, explicamos sobre TA, ainda assim as pessoas não nos dão um tempo, e descarregam sobre nós, todos os problemas do mundo, quando estamos nos levantando da queda, tomamos outras rajadas, e as pessoas não se importam! Não sabem nos deixar quietinhos para nos preservar até nos recompormos. As pessoas acham que você está bem, afinal, não está acamado nem internado, então não tem nada. E isso vai nos derrubando, quando achamos que vai ficar bem, começamos a cair de novo e vamos nos perdendo em meios a problemas e depressão. Você, que convive com alguém que tem TA, espere ele se recuperar para depois sobrecarregá-lo. Quanto tempo leva para se recuperar? Não sei, afinal, cada um tem seu tempo. Pode levar um mês, três meses, como saber? Certamente, se você é próximo, saberá. É só ser atento. Fazendo dessa forma, evitará um caos na vida do enfermo e da família.;
João Carlos Vaz, assistente jurídico, 33 anos, paciente com transtorno bipolar
Serviço
VII Encontro Psicoeducaional do Núcleo de Mútua Ajuda a Pessoas com Transtornos Afetivos
22 de junho, na Faculdade de Medicina Universidade de Brasília
O tema será a importância da família na evolução clínica dos Transtornos Afetivos.
Além de palestras com psiquiatras e psicólogos da Faculdade de Medicina da UnB, familiares, amigos e pacientes poderão acompanhar o depoimento de pessoas acometidas pelos transtornos. No encerramento, haverá uma apresentação artística, com peças, textos ou composições de escritores ou compositores que sofreram de transtorno bipolar ou depressão.
Há ainda os chamados grupos de acolhimento, que ocorrem todos os sábados, das 15h às 16h, também na Faculdade de Medicina. Lá, familiares e pacientes recebem apoio emocional para lidar com os problemas ocasionados pelos transtornos de humor.
Leia esta reportagem na íntegra na edição n;369 da Revista do Correio.