Com a Rio %2b20, todos os olhares estão voltados para a economia verde. Duas décadas após a conferência pioneira das Nações Unidas, na qual a bandeira do desenvolvimento sustentável foi hasteada, dá para afirmar que a mentalidade sobre o assunto evoluiu razoavelmente. Algumas mudanças estão tão disseminadas em nosso cotidiano que nem percebemos mais. Basta uma ida ao supermercado para constatar, por exemplo, que a lâmpada incandescente está mais difícil de se encontrar que a fluorescente ; uma questão de economia energética. Nesta edição, a Revista mostra três ícones da adequação industrial em prol do meio ambiente: as ecobags, os refis e as garrafas PET.
Não sou de plástico
Não sou de plástico
Os brasileiros que visitam a capital paulista ainda tomam um susto quando se deparam com o aviso: "Vendemos sacolinhas para as compras". Quer dizer, quem quiser ter as mercadorias embaladas nas sacolinhas de plástico biodegradável terão de desembolsar R$ 0,19 ou, se optaram pelas tradicionais sacolas de pano ou reutilizáveis, o custo deve sair por volta de R$ 1,99. Os valores fixados atendem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o governo estadual e a Associação Paulista de Supermercados (APAS) que baniu a distribuição de sacolinhas plásticas nos supermercados desde o começo do ano.
Apesar de, num primeiro momento, ter desagradado os consumidores paulistas, o fim do desperdício acabou virando motivo de orgulho. O site oficial da APAS estima que mais de 917 milhões de sacolinhas plásticas deixaram de ser despejadas no meio ambiente desde que o acordo entrou em vigor, em 4 de abril passado, e que 90% dos supermercadistas aderiram.
Trata-se de uma mudança cultural em processo. Criadas no fim dos anos 1950, as sacolas de plástico eram ostentadas pelas redes de supermercados e vistas com bons olhos entre as donas de casa. O consumidor só foi repensar sua responsabilidade ambiental depois de ser alertado repetidamente pela mídia: as embalagens de polietileno demoram, pelo menos, 300 anos para se decompor no meio ambiente. Anualmente, são produzidas cerca de 500 bilhões de sacolinhas em todo o mundo. Para onde vai esse lixo todo? Primeiro para os lixões, depois para rios e mares, causando um estrago incalculável.
Em 2007, a designer britânica Any Hindmarch tirou do baú a ideia das nossas avós e bisavôs de sair às compras com a própria sacola. A partir da concepção daquela que foi batizada de ecobag, a bolsa de pano I;m not a plastic bag foi vendida, na época, por R$ 15, para alcançar diferentes públicos, e logo virou tendência fashionista seguida por diversas marcas. No Brasil, não demorou para que um grupo de estilistas assinasse, em 2007, propostas de ecobags para a exposição Eu não sou de plástico. A curadoria ficou por conta da jornalista de moda Lilian Pacce, que escreveu o livro Ecobags ; moda e meio ambiente (Ed. Senac), sobre essa experiência e, principalmente para que os leitores passassem a vestir esse acessório fashion e sustentável.
A partir daí, lojas e mercados acordaram para a necessidade de, como constatou o pesquisador Renato Arnaldo Tagnin, professor de gestão ambiental do centro universitário do Senac (SP), "dar ouvidos à sabedoria da vovó". "Antes de tanto apelo às sacolas de plástico, íamos à feira com uma sacola de lona que durava muito mais. E quando ela estragava, virava pano de chão. Ou seja, usávamos essa embalagem até o limite da sua vida, até se decompor. Princípios básicos e geniais que mostram que ainda temos muito o que aprender com o passado para olhar para frente."
Todos saem ganhando
Concomitante ao lançamento das embalagens plásticas nas prateleiras do mercado, as indústrias logo perceberam que seria lucrativo criar uma embalagem menor, de baixo custo, cujo transporte pudesse ser realizado com maior eficiência e provocar menos impacto ambiental. Assim surgiu o refil de produtos de limpeza e mesmo alimentícios (leite desnatado, achocolatados e similares). "Mas se você for pensar em uma garrafa retornável, ela própria já era um refil. O que mudou de 20 anos para cá, é que o refil geralmente é uma embalagem plástica que dispensa uma estrutura mais resistente. As empresas hoje, principalmente as de produtos de limpeza, criaram produtos concentrados vendidos em refil. Dessa forma, gasta-se menos no transporte, carrega-se mais unidades e adequa-se a política nacional de resíduos porque há uma redução do volume de lixo", explica o especialista em controle e gestão ambiental Fábio Cedrin.
A tendência, que começou com mais força em 2007, faz que sejam oferecidos cada vez mais produtos concentrados em refil e que as empresas implantem mudanças significativas em embalagens sustentáveis, segundo o pesquisador. Terceiro maior mercado em produtos cosméticos, o Brasil também teve de se adaptar ao cenário. A indústria de cosméticos teve que repensar a cadeia de consumo e produção de resíduos. O primeiro passo foi dado pela empresa Natura que, em 1983, lançou a primeira linha Natura Erva Doce com refil. Em 1990, foi a vez de refis de xampus e desodorantes. "Elaborado a partir de matéria-prima de fonte renovável, o polietileno verde, fornecido pela Braskem, esse refil é o primeiro do gênero certificado no mundo e possui propriedades idênticas às do plástico petroquímico, com vantagem de reduzir, em seu processo produtivo, a emissão de gases causadores do efeito estufa em 71%", explica, em comunicado, a equipe do setor de sustentabilidade da empresa.
Dado um maior consumo por parte das brasileiras, a empresa constatou que cada vez mais as pessoas estavam preocupadas com o meio ambiente e com o impacto causado pelo consumo exagerado. Os produtos da linha Tododia, por exemplo, apresentam refis que utilizam 83% menos plástico que a embalagem original e geram 97% menos lixo. Por empregar menos plástico em sua embalagem, o refil em sachê de Tododia reduz em 77% a emissão dos gases causadores do aquecimento global. "Para se ter uma ideia, em 2010, 16,9% dos produtos faturados da Natura eram refis. Em 2011 este número foi para 17%. Com isso percebemos que a refilagem deverá fazer parte cada vez mais na vida das pessoas", apostam.
Cada vez mais conscientes e responsáveis, os consumidores hoje são, segundo o designer francês Fabrice Peltier, "consum;atores". Isso não quer dizer que os designers e as indústrias se isentem da responsabilidade de conceber embalagens mais eficientes, econômicas e de menor impacto ambiental. Mas também significa que para esse "ciclo virtuoso" de compra e descarte respeite os limites da natureza, é necessário que as pessoas repensem seu papel como engrenagem na sociedade de consumo.
Reciclagem máxima
PET é sigla amigável para politereftalato de etileno, derivado do petróleo criado há cerca de meio século pelos químicos britânicos John Rex Whinfield e James Tennant Dickson. Embora a extração e o refino do óleo sejam, em si, um processo "sujo", o PET se revelou um campeão de reciclagem. É bem possível que os cientistas ingleses sequer concebessem a possibilidade de criar a partir desse polímero fibras para camisetas, tênis, malas de viagem, caixas de fusíveis, grelhas e até mesmo roupas de grife. O mais recente exemplo do aproveitamento desse resíduo foi desfilado pela marca TNG, na última edição do Fashion Rio, em maio passado. A grife apresentou calças feitas a partir do PET para a coleção primavera/verão.
Nos Estados Unidos, o reaproveitamento das embalagens feitas com o material começou na década de 1980, mas no Brasil levou um pouco mais de tempo. Segundo o especialista em controle e gestão ambiental Fábio Cedrin, as potencialidades do PET já estavam bem mapeadas. "A novidade é que, em 2010, essas embalagens PET passaram a ser reutilizadas para dar uma segunda vida à garrafa. Também vimos que é possível, por se tratar de um material resistente, desenvolver, até mesmo, bicicletas", observa o estudioso que coordena o programa de Educação para Sociedades Sustentáveis na ONG WWF-Brasil.
A bicicleta a que Fábio Cedrin se refere é um projeto pioneiro de autoria de Juan Muzzi, uruguaio radicado no Brasil. Artista plástico apaixonado por invenções (foi ele quem criou as molas coloridas que fizeram sucesso entre as crianças nas décadas de 1980 e 1990), Juan concebeu o quadro de bicicleta feito de PET há 14 anos, mas só agora o projeto ganhou visibilidade. "Nossa opção pelo PET reciclado para fazer a composição do quadro da Muzzicycles tem vários motivos, a começar pela sua resistência mecânica, passando pelo grande volume de material em decomposição na natureza, aliviando o efeito estufa e eliminando totalmente os indesejáveis resultados oferecidos pela produção do ferro e do alumínio", explica. Para fazer uma peça, são necessárias 200 garrafas PET.
O veículo de duas rodas que reaproveita o politereftalato de etileno não enferruja, é mais barato e não precisa de pintura nem de amortecedor já foi patenteado pelo criador, que antes via no Brasil, terceiro fabricante mundial de bicicletas, um possível interessado no projeto. No entanto, Juan não encontrou o apoio esperado ; sua expectativa agora é lançar o produto na China ou na Índia, países que se mostraram interessados.
Apesar de grandes avanços no reaproveitamento do PET, ainda não chegamos ao ponto de comemorar um pleno reaproveitamento desse tipo de plástico, Cedrin. "Infelizmente, esse é um resíduo que ainda se encontra disperso no meio ambiente e que ainda não está sendo reaproveitando em todo seu potencial no mercado", alerta.
Linha do tempo ; Embalagem
A partir de 1810 ; Surgimento na França, das primeiras latas de sardinha e, a partir de 1811, na Inglaterra, das primeiras latas de conserva. É começo da embalagem de uso único
1841 ; John Goffe Rand registra a patente de uma pinça que permite fechar um cilindro de chumbo contendo tinta. Em 1859, Alexandre Lefranc comercializa esse tubo de estanho com fechamento impermeável. São as primeiras embalagens descartáveis cujo volume se reduz ao longo do consumo de seu conteúdo
1844 ; Invenção da pasta de papel a partir da madeira, por Friedrich Gottlob Keller, na Alemanha
1870 ; Invenção da primeira matéria plástica sintética, o nitrato de celulose, ou celulóide, pelos irmãos Hyatt, nos Estados Unidos
1871 ; Invenção do papelão ondulado, por Albert L. Jones, nos Estados Unidos
1884 ; O prefeito de Paris Eug;ne Poubelle baixa uma resolução que obriga os parisienses a depositar seus resíduos domésticos em recipientes comuns munidos de tampa. É a certidão de nascimento da lata de lixo, da coleta de lixo doméstico e, até, do princípio da triagem seletiva
1890 ; Eug;ne Ridel e Georges Leroy dividem a parternidade da embalagem de madeira de choupo para o queijo camembert
1927 ; Industrialização do policloreto de vinila (PVC) e invenção das principais matérias plásticas de origem petrolífera: o poliestireno em 1930, o polietileno de baixa densidade em 1933, o polietileno de alta densidade em 1953, e o polipropileno em 1954
1941 ; Os químicos britânicos John Rex Whinfield e James Tennant Dickson desenvolvem em laboratório o politereftalato de etileno, ou PET, um polímero termoplástico, derivado também do petróleo
1943 ; O doutor Ruben Rausing inventa uma embalagem de forma teatraédrica, feita de papelão parafinado. Essa embalagem destinada a conter alimentos líquidos é lançada na Suécia, no dia 18 de maio de 1951, pela Tetra Pak
1952 ; A espessura das folhas de metal necessárias para a fabricação de latas de conserva diminui cada vez mais. Surgem relevos estruturais no corpo das latas, para melhorar sua resistência mecânica. As embalagens fazem regime de emagrecimento
1962 ; Lançamento da primeira garrafa de óleo de plástico: o policloreto de vinila (PVC). A primeira garrafa de PVC será lançada em 1968, pela Vittel. Entramos de vez na era da embalagem descartável.
1963 ; A Tetra Pak lança a Tetra Brik, uma embalagem de papelão que permite otimizar os custos logísticos no transporte terrestre e em 1968, lança a Tetra Brik Aseptic. Uma embalagem cuja tecnologia de acondicionamento permite uma longa conservação, à temperatura ambiente, de alimentos líquidos sem conservantes
1970 ; Criação do "anel de Moebius": um logotipo universal para marcar produtos recicláveis ou originados de materiais reciclados/As garrafas PET passam a ser fabricadas, após cuidadosa revisão dos aspectos de segurança e meio ambiente.
A partir de 1980 ; Estados Unidos e Canadá iniciaram a coleta das garrafas PET, reciclando-as, inicialmente, para fazer enchimento de almofadas. Com a melhoria da qualidade do PET reciclado, surgiram aplicações importantes, como tecidos, lâminas e garrafas para produtos não alimentícios.
1983 ; A Natura torna-se a primeira empresa de cosméticos brasileira a lançar produtos com refil. A 1; linha foi a Somma, criada em outubro.
1990 ; Lançamento, pela empresa italiana Novamont, do Mater-Bi, um bioplástico formulado a partir do amido de milho
1992 ; Acontece a ECO-92: a Conferência das Nações Unidas se reúne na capital do Rio de Janeiro para discutir de que forma os países pobre e ricos estão explorando a natureza a fim de encontrar um caminho para o desenvolvimento sustentável sem desperdícios de resíduos e impacto negativo para o meio ambiente
1995 ; A Evian põe no mercado uma garrafa PET compactável após utilização. Seu sistema inovador (REC ; redução das embalagens por compresão) permite à garrafa vazia ocupar bem menos espaço nas lixeiras de coleta seletiva
A partir de 1997 ; Desenvolvimento dos bioplásticos e, em particular, do ácido polilático (PLA)
1997 ; A grife francesa Chanel já se preocupava com o meio ambiente e lançou uma bolsa de malha plástica dura, com acabamento dourado, para ser usada em substituição às sacolas de plástico. Um ano depois, a brasileira Totem foi a primeira marca a seguir os passos da Chanel. Era possível encontrar na loja uma versão da ecobag de algodão
2007 ; A designer britânica Anya Hindmarch cria uma bolsa de pano com a frase "I;m not a plastic bag" (Eu não sou uma bolsa de plástico). O produto foi incluído no catálogo da designer por um preço acessível que logo a popularizou. Conhecidas como ecobags e usadas, como artigo fashion, por Kate Moss e outras modelos, no Brasil, a tendência chegou no mesmo ano com a exposição de bolsas sustentáveis criadas por estilistas brasileiros.
2012 ; No estado de São Paulo, os supermercados passam a banir as sacolinhas plásticas após um acordo entre o governo estadual e a Associação Paulista de Supermercados (APAS). Na cidade paulista de Jundiaí o mesmo acordo foi assinado em 2010 pela prefeitura.
(Fonte: Design sustentável ; caminhos virtuosos, de Fabrice Peltier e Henri Saporta, Ed. Senac/SP, 2009 e Ecobag ; moda e meio ambiente, de Lilian Pacce, Ed. Senac/SP, 2009)