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Velhice não é doença

Ficar mal humorado(a) ou ranzinza, isolar-se e perder a alegria não são sinais naturais do avanço da idade, como muitos supõem. Podem ser sintomas de depressão, patologia normalmente negligenciada nessa fase da vida. Perda de apetite e alterações no peso também devem ser avaliados

postado em 01/07/2012 08:00

Ficar mal humorado(a) ou ranzinza, isolar-se e perder a alegria não são sinais naturais do avanço da idade, como muitos supõem. Podem ser sintomas de depressão, patologia normalmente negligenciada nessa fase da vida. Perda de apetite e alterações no peso também devem ser avaliadosNa sala de aula do ensino fundamental, o professor de Ciências descreve, sem poesia, o ciclo dos seres vivos. ;Eles nascem, crescem, se reproduzem e morrem.; Sem drama ou comédia, o exposto é um caminho pelo qual a maioria dos animais passa, inclusive o ser humano. Nascer como criança, crescer como um adulto, ter seus herdeiros e esperar, placidamente, pelo único mal irremediável. A velhice, sob esse prisma, é o período dominado pela sensação constante de que o fim está próximo, que tudo já foi feito e, com fé, a morte virá tranquila e rápida.

Os idosos foram crianças que aprenderam a encarar a terceira idade assim. Seus filhos, da mesma forma, com o agravante de jamais pensarem que um dia estarão como os pais. Entre resignação e revolta, grande parte deles encara a tristeza de não poder fazer o que sempre fazia. Pensa que sofrer é o débito de se ficar tanto tempo vivo. E que, sendo assim, perder o ânimo é algo natural, uma consequência que os velhos têm de aceitar. O detalhe é que, para todos os médicos, esse quadro da velhice é mentiroso. E o reforço social dessa imagem, mesmo entre os idosos, é um dos maiores motivos para a depressão ser uma doença tão prevalente ; e tão negligenciada ; na velhice.

;As pessoas acham natural o velho ficar isolado, deixar de fazer as coisas de que gostava, se retrair socialmente porque ele envelheceu, não imaginam que ele está é deprimido. Alguém de mais idade, sem problemas de saúde, tem condição de fazer tudo o que fazia antes;, garante Sabri Lakhdari, diretor científico da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). De acordo com o especialista, a depressão é uma doença frequente entre aqueles que já passaram dos 60 anos. Sua prevalência é explicada, também, pela dificuldade de os idosos e familiares perceberem os sintomas como algo patológico e não uma consequência da velhice.

;Lutamos para que a sociedade perceba que envelhecer não é ficar doente;, pede Lakhdari. Casos como o do pai que se tornou ranzinza e reclamão ou da mãe que começou a se irritar constantemente podem esconder um quadro depressivo, pois as características da doença na terceira idade têm diferenças das que se veem no adulto jovem. Em palestra durante o último Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia, em maio, o psiquiatra Jerson Laks, coordenador do Centro para Doença de Alzheimer do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, falou sobre as comorbidades associadas ao idoso depressivo.

;Há um aumento muito maior de problemas de incapacitação e menor independência para a realização das atividades diárias. O velho depressivo terá maior necessidade de suporte social que aquele sem depressão;, explicou. Ele comenta que o estigma da velhice somado ao da doença mental faz com que até mesmo pacientes que percebem o problema o considerem comum e, dessa forma, não busquem tratamento. A aposentada Celina de Souza, 70 anos, sabia que algo estava errado, só que, cada vez menos, tinha forças para fazer algo.

Após sofrer um acidente, teve a patela quebrada em quatro lugares, o que exigiu uma cirurgia para reconstituí-la. ;Vivia em um prédio com escadas e, mesmo antes da intervenção, já não podia descer. Sempre fui uma pessoa muito ativa e aquela situação foi me tirando o prazer de viver;, lembra. Não foi preciso muito tempo para que a tristeza a fizesse afundar. Celina desenvolveu uma depressão profunda e a ela faltavam forças para fazer qualquer atividade. Essa forma da doença tem maior prevalência nas mulheres, devido a fatores metodológicos (maior propensão a relatar sintomas), psicopatológicos (maior vulnerabilidade para eventos estressantes) e sociais (por exemplo, discriminação de mulheres no mercado de trabalho).

;Meu único desejo era ficar deitada. Desaprendi até a sentar. Para comer, era preciso que alguém me segurasse. No dia em que descobri a doença, meu filho e meu sobrinho tiveram que me tirar do carro porque eu não queria sair dele.; Mas, por sorte, Celina teve apoio dos parentes. A presença da família é imprescindível tanto para perceber o problema, caso o idoso se recuse a aceitar o diagnóstico, quanto para criar um ambiente favorável à ressocialização do paciente depressivo. ;Nunca sofri preconceito por ser idosa e isso é algo importante. Tive total amparo da minha família, que nunca me deixou desistir;, completa Celina.

A velhice é, antes de tudo, uma conquista e ser obrigado a pensar que a tristeza é parte inerente dela soa como uma destruição de tudo que foi construído nos anos de juventude. ;Ninguém se vê como uma pessoa que vai ficar idosa. Isso faz parte do estigma. Ninguém vê também, dentro de sua curva de possibilidades de vida, que possa vir a ter depressão;, diz Jerson Laks. Mas, a maioria ficará idosa e todos podem vir a ficar deprimidos. As rugas no rosto não podem levar ninguém a aceitar a depressão como um problema de idade. Ela tem tratamento.

Leia a íntegra desta matéria na edição n; 372 da Revista do Correio.

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