Quando ainda era uma estudante de direito, Lívia se interessou por movimentos estudantis. Não foi preciso muito tempo para ela perceber que, se quisesse ser ouvida, teria que falar mais alto ; e, às vezes, mais grosso ; que os homens. Dona de uma voz fina e delicada, ela resolveu, então, poupar as cordas vocais e começar a agir. Bianca não gosta de rótulos: alegre, sorridente e extremamente bem informada, ela faz da internet seu habitat natural. É telespectadora assídua de reality shows, novelas e o que mais estiver passando na TV aberta. É capaz de discorrer por horas sobre questões morais de subcelebridades reunidas em uma fazenda, mas sente-se completamente à vontade para discutir políticas públicas, caso seja necessário. Quando pequena, Camila era ;respondona;, como se costuma chamar crianças questionadoras demais. O porquê de os meninos não poderem bater em meninas foi o tema de seu primeiro discurso, ainda no jardim de infância.
Embora com histórias de vida diferentes, Anne, Juliana, Lívia, Bianca e Camila estão unidas por um denominador comum pouco palpável, mas poderoso: o pensamento. Para cada uma delas, o apelo ao feminismo chegou em um momento específico e por uma motivação individual. As cinco garotas são apenas uma pequena amostra do que pode ser chamado de ;nova geração; de um movimento antigo e conhecido por trazer polêmica às rodas de conversa do mundo inteiro. Mas onde essas mulheres estão atualmente? Para refrescar a memória da população, essas novas feministas criaram a Marcha das Vadias ; em 3 de abril de 2011, houve a primeira edição da marcha em Brasília, já repetida neste ano. Originalmente batizado como Slutwalk, o protesto surgiu a partir da declaração de um policial que investigava diversos casos de abusos sexuais ocorridos na Universidade de Toronto, no Canadá. Para prevenir novos ataques, o policial aconselhou que as estudantes ;evitassem se vestir como vadias; (slut, em inglês).
A iniciativa cresceu e rapidamente se espalhou. Hoje, mulheres de lugares como Toronto, Amsterdã, Buenos Aires, além das cidades brasileiras São Paulo, Recife, Belo Horizonte, Teresina e Brasília, por exemplo, vão às ruas para brigar pelo direito de usar o que quiserem. Um grupo um pouco mais antigo, mas ainda contemporâneo, é o Femen. Criado em 2008 por Anna Hutsol, uma militante ucraniana, a organização é mais ;enérgica; que a Marcha das Vadias, digamos assim. O grupo usa da própria beleza das ativistas para chamar atenção: com os seios de fora e cartazes incisivos, as militantes ; quase sempre, louras, magras e belas ; fazem aparições públicas que, geralmente, acabam em prisões, ainda que temporárias.
Há quem defenda que exista ainda um tipo de ativismo ;não convencional;, que não segue a linha tradicional do embasamento acadêmico das feministas, mas tem nuances das teorias adotadas por elas. Em outras palavras, seria um feminismo feito por mulheres que nem sempre sabem ou têm a intenção de ser feministas. Nos anos 1960, brasileiros mais conservadores ficavam com os cabelos em pé com Leila Diniz. Alegre e irreverente, ela foi, mesmo sem querer, ícone da resistência à ditadura. Sem vergonha ; no melhor sentido da expressão ;, a atriz não tinha pudores em falar tudo o que se passava por sua cabeça. Em sua antológica entrevista ao jornal Pasquim, em 1969, ela deu declarações que poderiam muito bem ter saído da boca de feministas atuais, como ;você pode muito bem amar uma pessoa e ir para a cama com outra. Já aconteceu comigo;. A conversa rendeu um recorde de vendas da publicação e, de quebra, deu início à censura prévia à imprensa (Decreto Leila Diniz). Para marcar ainda mais sua posição de feminista por acidente, Leila empunhou a barriga de oito meses de gravidez na frente das câmeras ; ato impensável e que ia contra ;a moral e os bons costumes; da época.
Atualmente, a cantora Valesca Popozuda é um dos exemplos que causam esse tipo de dúvida.
Mas por que tanta polêmica? Como todo grupo, há pessoas com pensamentos distintos, o que dificulta o próprio entendimento do que é feminismo. Em blogs e sites especializados na temática, há uma clara divisão entre feministas que consideram válida a postura de Valesca, que usa as batidas marcadas do funk para dizer para quem quiser ouvir que seu corpo pertence única e exclusivamente a ela. Do outro lado do debate, estão as que defendem que o próprio ato de subir ao palco com roupas provocantes e mensagens idem é apenas mais uma maneira de atender aos fetiches masculinos ; acusação que também foi direcionada a Leila Diniz, à época do ensaio fotográfico em que estava grávida.
Afinal de contas, a própria Valesca se considera ou não feminista? Alheia aos pormenores filosóficos da coisa, a cantora só se importa em fazer o que quer, do jeito que quer e com quem quer. ;O corpo é meu e faço o que quiser com ele e com a minha sensualidade. O problema é meu. Ninguém tem nada a ver com isso.;
Leia esta reportagem na íntegra na edição n; 375 da Revista do Correio